segunda-feira, 9 de julho de 2012

Teoria do Caos e natureza, artigo de Roberto Naime


[EcoDebate] No Laboratório Nacional de Física em Los Álamos nos Estados Unidos, estudando a turbulência nos líquidos e gases, a vida para Mitchell Feigenbaum tornou-se um caleidoscópico quântico. As nuvens formadas em alguns experimentos representam um aspecto da natureza negligenciado pela física, um aspecto ao mesmo tempo nevoento e detalhado, estruturado e aparentemente imprevisível.
Em 1974, embora poucos colegas soubessem disso, Feigenbaum estava trabalhando num problema que os físicos denominam de “profundo”: o caos. Onde começa o caos a ciência clássica emperra. O mundo tem um desconhecimento clássico sobre as desordens da atmosfera, as turbulências do mar, as variações de populações animais e as oscilações do coração e do cérebro. É um pecado venial, aos poucos sendo abandonado, mas a ciência sempre se postou como senhora dos acontecimentos, vendo os dados extraídos da natureza de cima.
O século XX, o advento do problema do caos a descoberta de um sem número de relações de ordem complexa na natureza só explicáveis pela desordem, jogou aos cientistas de joelhos perante a natureza, posição mais adequada. A irregularidade característica da natureza, seu lado aparentemente descontínuo e incerto, tem sido um enigma para as ciências.
No entanto, com o tempo, os fisiologistas descobriram uma surpreendente ordem no aparente caos que se desenvolve no coração humano. Os ecologistas exploraram a ascenção e queda da população das mariposas conhecidas como limântrias. Os economistas desenterraram velhas séries de cotações de “commodities” e tentaram novas abordagens.
Todas as compreensões que surgiram destas investigações levaram diretamente à natureza: as formas das nuvens, aos caminhos percorridos pelos relâmpagos, às interligações microscopias dos vasos sanguíneos e às aglomerações estelares galácticas.
Começava a surgir o conceito de “sistemas dinâmicos”. Em Los Álamos começa a surgir um centro de estudos não lineares. A nova ciência em formação cria uma linguagem própria: fractais e bifurcações, intermitências, periodicidades, difeomorfismos e outras.
Começa a ganhar consenso de que o caos é antes de tudo, uma ciência de processo, hegemônica sobre o estado, ou seja é mais do vir a ser do que de ser.
Em qualquer meio considerado (físico, biológico e até antrópico) o comportamento do processo tende a obedecer os mesmos padrões que são capazes de descrever a aparente desordem. A percepção deste fato começa a interferir na forma com que todas as ciências observam seus objetos.
A teoria do caos induz uma diferença fundamental na visão científica. Modifica a forma clássica de visão entre o observador e o objeto e reverte a tendência clássica da especialização por uma visão holística, sistêmica, integradora e interdisciplinar. Isto interfere drasticamente na tendência ao reducionismo, a isolar e a resolver um problema fora do contexto em que está inserido.
O caos se movimente em direção ao todo e procura observar e descrever este todo. Na pós-modernidade, a visão dominante deve perpassar a multidisciplinariedade, vamos no caminho da antidisciplinariedade: que se rompa o viés das formações acadêmicas o foco agora é no objeto, o cientista não entende mais nada a priori, ele busca entender o que vê. Essa mudança de concepção sobre o mundo e dos caminhos epistemológicos é em grande parte fruto da descoberta dos fenômenos caóticos ou desordenados.
O caos suscita problemas que desafiam os modos tradicionais de exercer a ciência. Acaba ressaltando o conceito básico que o universo é governado pela entropia, e por isto desenvolve o conceito de sistemas dinâmicos. Os sistemas da natureza, que tendem a ser simples, criam os mais difíceis problemas de previsibilidade. Nos sistemas naturais, pequenas diferenças de insumos podem se transformar rapidamente em grandes diferenças de resultados, um fenômeno que na esfera científica recebe a denominação de “dependência sensível das condições iniciais”.
Qualquer pequena perturbação em sistemas complexos (a construção de uma casa, uma fábrica ou o plantio de uma árvore, por exemplo), causam não efeitos de fácil mensuração e contornáveis, mas de cunho na verdade imprevisível em seu âmago. Na metereologia isto se traduz o conhecido “efeito borboleta” ou a noção de que uma borboleta agitando suas asas em Pequim pode modificar sistemas metereológicos em Nova York, conforme enunciado por Prigogine.
A “dependência sensível das condições iniciais” tem até um lugar no folclore popular:
“Por falta de um prego perdeu-se a ferradura;
Por falta de uma ferradura, perdeu-se o cavalo;
Por falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro;
Por falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha;
Por falta da batalha, perdeu-se o reino!”
George Herbert citado por Norbert Wiener (MASANI, 1981) observa que “Um furacão é um fenômeno extremamente local, e detalhes aparentemente sem grande importância podem determinar seu caminho exato”.
Edward Lorenz gostava da instabilidade do tempo. Ele buscava captar a essência da maneira pela qual as configurações atmosféricas se modificavam com o passar do tempo. O que aparentemente é aleatório seguia um padrão não linear, onde equações simples não eram capazes de representar os fenômenos descritos, que, no entanto, tinham seu próprio padrão. Antes se achava que a previsão numérica determinista que calculava rotas precisas para aviões e mísseis tinha que ser capaz de fazer o mesmo com o vento e as nuvens. Lorenz descobriu e provou que não.
Ele declarava “A ideia básica da ciência ocidental é que não temos de levar em conta a queda de uma folha em algum planeta de outra galáxia quando estamos tentando explicar o movimento de uma bola de bilhar numa mesa de bilhar, na Terra” (GLEICK, 1989). Ou seja seriam os chamados fatores não relevantes, e com o tempo a ciência do caos percebeu que estes chamados “fatores não relevantes” se tornavam muito relevantes e não podiam ser codificados em equações simples, lineares ou oscilatórias. Aliás, estamos vivendo na aurora do entendimento e descrição matemáticas de sistemas de elevada complexidade (e desordem).
Nesta associação é possível prever até onde a Lei dos mínimos de Liebig pode se tornar “uma dependência sensível dos fatores iniciais” em sistemas dinâmicos como plantas e animais que podem ser descritos muito mais por processos de matéria e energia do que por descrições fisiológicas. Quando que um excesso de um oligoelemento na composição inicial pode desencadear de alterações na performance do ente vegetal ou animal? Já existem algumas respostas bem definidas para algumas destas hipóteses.
É de domínio público que a carência de determinado nutrientes, como Ca e Fe nas fases iniciais de crescimento é uma carência determinante na qualidade da estrutura óssea em formação e se traduz em carências e deficiências durante toda vida, um bom exemplo de efeito de grande porte de uma perturbação de pequena monta.
Lorenz descobriu em seu sistema de equações, que os pequenos erros podiam gerar modificações catastróficas das previsões metereológicas. Assim talvez como pequenas modificações iniciais em oligoelementos podem se tornar vitais no decorrer da vida de uma planta, animal ou populações de plantas e animais. As dificuldades de quantificar estas grandezas de forma científica não significam que eles não sejam fatores relevantes.
Estes são sistemas que não se comportam de maneira periódica. Esta não-periodicidade produz alterações dramáticas na formulação e testagem de hipóteses, fazendo com que muitos trabalhos sejam alterados para que possam cartesianamente acabar em equações lineares, tanto correlacionáveis em retas, como em oscilações ou assíntotas.
Muitos destes trabalhos acabam com dados matemáticos abandonados por não se enquadrarem em tratamentos matemáticos ou estatísticos convencionais. São classificados como dados erráticos, não representativos ou que apresentam desvios padrão muito elevados, sempre acabando descartados. O que dizer de nossos monitoramentos ambientais, tomados com dados únicos, pontuais ou no máximo discretos?
Durante muito tempo, as previsões econômicas e metereológicas obtidas através de simulações matemáticas apresentavam resultados semelhantes. Apenas porque existiam muitos fatores relevantes ao mesmo tempo e as funções eram incapazes de considerar a todos. Depois se evolui para a miscelânea de conceitos mal compreendidos: multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar. Por multidisciplinar se entende a contribuição de várias ciências para a elucidação tanto conceitual quanto matemática de um problema.
Interdisciplinar são várias áreas do conhecimento também interagindo na solução de um problema, numa semântica que se confunde. Mas transdisciplinar é outra coisa, vem de transitar. Meio ambiente por exemplo transita em várias áreas científicas, advogados fazem direito ambiental que é diferente dos biólogos quando fazem ecologia ambiental que é diferente dos geólogos quando fazem geotecnia ambiental que é diferente dos químicos quando fazem química ambiental.
O fato das equações lineares não descreverem um fenômeno não quer dizer que ele tem desordem. Sua ordem pode ser melhor descritas por fractais ou equações matemáticas ainda não descobertsas.
GLEICK, J. Caos A criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro. Editora Campus 1989, 312p.
LOVELOCK, J. E. e EPTON, S. R. The quest for Gaia. New Scientist 65:304-306, 1975.
LOVELOCK, J. E. e MARGULIS, L. Atmosphere Homeostasis by and for the biosphere: The Gaya hypothesis. Tellus 26:1-10, 1973.
LOVELOCK, J. E. Gaia: A new look at life on the earth. New York. Oxford University Press, 157p, 1979.
MASANI, P. (org) “Nonlinear Predictions and Dynamics” Collected Works with Commentaries. Cambridge, Mass., The M. I. T. Press, 3:371, 1.981.
Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 09/07/2012

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