terça-feira, 14 de agosto de 2012

Alemanha persegue um cenário energético sem usinas nucleares e com mais energias renováveis


eólica

Alemanha aposta na revolução energética – A Alemanha está perseguindo um cenário energético sem usinas nucleares e com mais energias renováveis. Na primeira metade deste ano, vento, sol, água e até lixo responderam por 25% da matriz elétrica alemã. A maior economia da Europa, com mais de 80 milhões de habitantes, indústria competitiva e invernos rigorosos, aposta em uma revolução energética sem precedentes e parece estar tendo sucesso. Matéria de Daniela Chiaretti, no Valor Econômico, socializada pelo ClippingMP.
Em maio, durante o feriado de Pentecostes, a energia solar supriu um terço da demanda por eletricidade do país. “Foi um sábado ensolarado e era feriado, muita gente estava fora de casa e o consumo de energia foi menor”, relativiza Katharina Umpfenbach, especialista em políticas de energias renováveis do Ecologic Institute, um think tank alemão de pesquisas ambientais. “Mas é um indicador forte que vamos chegar lá.”
“Lá” é um lugar onde se produz muita energia a partir de aerogeradores e placas de energia solar, algumas hidrelétricas e biomassa. Neste caminho de muitos desafios há dois bem grandes: como eliminar a energia nuclear sem emitir mais CO2 e como produzir energia no inverno, quando não há sol, o frio é intenso, os dias são curtos e escuros e o consumo energético é muito maior.
De fato, no começo de fevereiro, o mês tradicionalmente mais frio na Alemanha, o país arriscou sofrer um blecaute. Com oito de suas 17 usinas nucleares fechadas logo depois do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, o cenário se complicou com o frio afetando as entregas de gás da Rússia. Além disso, a maioria das nucleares fechadas ficavam no Sul, onde estão os centros industriais – distantes, por sua vez, das eólicas do Norte e das usinas de gás e carvão, reportou à época o “Financial Times”. Sem reservas energéticas e com a demanda mais forte pelo inverno, a logística ficou difícil.
Por outro lado, a solução renovável que o país busca para substituir seus cerca de 20 gigawatts de capacidade de geração nuclear – com 8 gigawatts já desativados – é uma trilha de êxitos no verão. A fatia de energias alternativas na matriz alemã vem crescendo. Segundo a BDEW, a associação da indústria de energia e operadores de rede, a Alemanha bateu recordes na produção de energias verdes no primeiro semestre de 2012 – 67,9 bilhões de quilowatts-hora e um crescimento de quase 20% em relação ao mesmo período do ano anterior. Eólica é de longe a nova fonte mais importante (9,2% de participação dentro das renováveis), seguida de biomassa (5,7%) e solar (5,3% com painéis fotovoltaicos) que é a energia que mais cresce e superou a hidrelétrica (4,0%) no suprimento da demanda. A meta alemã para produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis é de 35% em 2050. “Mas do jeito que está agora parece que vamos conseguir atingir este objetivo antes”, comemora a cientista política Katharina Umpfenbach.
“Neste momento, temos cerca de 25% de energia renovável e algumas vezes, quando há muito vento e sol, temos mais energia do que precisamos. Por outro lado, quando não há vento e sol, temos que comprar energia”, disse o ministro de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Dirk Niebel, durante a Rio+20, segundo relato do repórter Rodrigo Polito. A energia nuclear responde por 28% da matriz energética alemã. Niebel garantiu que as centrais nucleares que serão desativadas até 2022 serão substituídas por parques eólicos, hidrelétricas e painéis solares. “Vamos substituir por essas fontes”, disse.
Esta mudança de rota, de menos nucleares e mais sol, vento e biomassa, é prioridade no governo de Angela Merkel. Não foi assim no começo de sua gestão, quando ela apoiava a energia nuclear com entusiasmo e reviu a decisão do governo anterior – uma coalizão entre verdes e sociais democratas que queria o fim das usinas nucleares na Alemanha até 2020. Merkel afirmava que energia nuclear era uma “ponte necessária” para um futuro com mais renováveis, e que a Alemanha continuaria assim por mais tempo. A decisão foi bastante impopular e só piorou com as grandes manifestações do pós-Fukushima. A premiê teve que voltar atrás, fechar logo oito usinas e decidir pelo fim da energia nuclear na Alemanha até 2022.
A liderança alemã na tecnologia verde de geração de energia começou há duas décadas, com a política de estímulo às renováveis conhecida por feed-in-tariffs, a FIT. Por este mecanismo, fornecedores de energia renováveis na rede trabalham com garantia de preço por 20 anos. Qualquer alemão, desde 1991, poderia instalar placas de energia solar no teto de sua casa e jogar energia na rede – e conseguir um preço melhor por isso do que aquele que paga ao consumir eletricidade. Os operadores do sistema, por seu turno, teriam que adquirir preferencialmente a energia renovável produzida.
“Este sistema foi crucial porque estimulou a instalação de usinas solares e eólicas e promoveu a produção de energia renovável na Alemanha”, analisa Martin Kaiser, especialista em clima e florestas do Greenpeace alemão. Neste sistema, cada energia renovável tem preço diferenciado, mas quem produz energia solar, eólica ou de biomassa sempre tem vantagem sobre as energias tradicionais. Kaiser dá um exemplo: o preço médio do kWh é 20 centavos, mas quem joga energia eólica na rede ganha 24 centavos por kWh. “A previsão é que as energias renováveis, particularmente solar e eólica, possam substituir as usinas nucleares que ainda estão conectadas à rede, mas que serão todas substituídas em 2022″, diz o ambientalista. “Não é ficção científica.”
Segundo um relatório recente do Pnuma, o braço ambiental das Nações Unidas, em 2011 havia 73 países no mundo que implementaram metas nacionais para ampliar a participação das energias renováveis em sua matriz elétrica. A chamada feed-in tariff é a política pública mais frequente para estimular o uso maior de renováveis. Em 2011, mais de 50 países tinha implantado algum tipo de FIT, sendo mais da metade nações em desenvolvimento, mostra o estudo.
A Alemanha tem várias metas que mudarão seu padrão energético em 2020 e até 2050. Uma das principais estabelece que a participação das energias renováveis deva ser de 35% na produção de eletricidade em 8 anos e de 80% em 2050. Eficiência energética é um dos pilares desta equação, e a que está tendo pior performance. “A tarifa feed in é muito popular porque garante o retorno do investimento”, explica Katharina Umpfenbach. “As pessoas investiram em solar, eólica e em biogás. Muito mais difícil é ter gente investindo em eficiência energética. Parece ser menos sexy.”
“A forma mais limpa de energia é aquela que ainda não foi usada”, disse Christian Noll, CEO da Iniciativa Alemã para Eficiência Energética (DENEFF), em uma palestra recente. Na avaliação da entidade faltam políticas públicas que animem as pessoas a reformarem o sistema de isolamento térmico de suas residências, por exemplo.
Uma das grandes discussões do setor energético alemão neste momento é quem irá pagar pela modernização que tem que ser feita na rede. Energia é cara na Alemanha e uma das questões é qual o impacto que todos estes movimentos terão na indústria. Novas redes de alta voltagem terão que trazer a energia dos grandes parques eólicos do Norte para os centros consumidores do Sul e do Oeste. A rede também tem que ter qualidade técnica, o que não é nada fácil quando as condições de sol e vento são imprevisíveis e não se tem ideia da decisão de muitos pequenos investidores. Para que o sistema funcione e seja barato, a Alemanha terá que contar com vizinhos europeus, como Áustria e Suíça. A “revolução energética” que Angela Merkel prometeu há mais de um ano tem vários orçamentos – todos altos – e atrasos na implementação.
O maior dilema futuro, quando o país estiver perto de atingir 80% de renováveis em sua matriz elétrica, será como conseguir estocar energia. “Um dia podemos ter mais eletricidade do que iremos usar, e no outro, não ter o suficiente. Teremos que ter uma espécie de “back up” energético”, diz Katharina Umpfenbach. Uma das opções em discussão são baterias, mas é muito cara. A outra tem logística geográfica: estocar água em lagos situados em pontos altos dos Alpes, bombeando água para cima quando houver abundância de energia solar e jogá-la montanha abaixo, movimentando turbinas, no inverno.
Uma terceira ideia é uma equação química que prevê gerar energia a partir da produção de metano sintético e transformando-o em hidrogênio – e assim, alimentando carros, por exemplo. Mas ainda se perde muita energia nesta conversão. Os pesquisadores apostam que o futuro será um balaio de opções e que não há bala de prata.
Há um tópico na revolução energética alemã que os especialistas não gostam de comentar: como o país irá cumprir a meta de emitir menos gases-estufa em 2020 e nas próximas décadas se sua matriz energética continua fortemente baseada em carvão e se colocou prazo de validade à energia nuclear. “Ninguém gosta de falar muito nisso”, reconhece a especialista Katharina Umpfenbach. “Estamos fazendo muitos progressos, mas o problema é que as metas e objetivos preveem tudo ao mesmo tempo.”
A jornalista viajou à Alemanha a convite do governo
EcoDebate, 10/08/2012

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