quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Pagar para conservar florestas reduziria a extinção de plantas e animais


Investir na redução das emissões causadas pelo desmatamento evitaria o desaparecimento de mais de três quartos das espécies, segundo estudo
Mudanças na cobertura florestal. De cima para baixo: ano 2000, cenário previsto para 2040, para 2070 e 2100
Conceder pagamentos a quem preserva intactas as florestas de todo o planeta realmente evitaria a extinção de plantas e animais? Segundo levantamento mais detalhado já feito sobre o assunto, publicado neste domingo (5) na Nature Climate Change, é provável que a medida impeça que uma em cada quatro espécies de seres vivos que vivem em florestas desapareça até o ano de 2100. Um grupo de pesquisadores, incluindo um brasileiro, analisou os possíveis impactos do mercado de carbono para manter as florestas de pé, livres do desmatamento e da degradação – duas ações que emitem gases de efeito estufa. O estudo sobre o impacto do mecanismo que recompensa financeiramente países dispostos a reduzir as emissões de gases provenientes do desflorestamento, chamado Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), aponta para uma possível extinção em massa caso nada seja desembolsado.
Nesse trabalho os pesquisadores usaram um modelo de uso do solo – desenvolvido por pesquisadores do Instituto Internacional para Análises de Sistemas Aplicados (IIASA), da Áustria – que levou em consideração informações sobre distribuição das espécies e dados sobre a redução do desflorestamento evitado por meio do REDD. “Encontramos um quadro bem grave”, afirma o economista Bernardo Baeta Neves Strassburg, diretor-executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade, no Rio de Janeiro, e o coordenador do estudo. O trabalho usou como base de estudo 4.514 espécies de mamíferos e anfíbios que dependem exclusivamente de florestas. Os resultados apontam para a extinção de até 27% deles apenas em consequência do desmatamento. Em outra análise focada em plantas e animais endêmicos, os pesquisadores viram que até 36 mil espécies seriam extintas até o fim do século se nada for feito contra o desmatamento.
Mais espécies seriam preservadas conforme maiores os valores pagos por tonelada de gás carbônico absorvida pela floresta se mantida viva. Por exemplo, se cada tonelada de gás carbônico que deixasse de ser emitida pela preservação das florestas custasse US$ 25, isso evitaria a extinção de 85% a 94% das espécies em um século e deixariam de ser emitidos 4,3 bilhões de toneladas do gás por ano até 2020. Como o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) considera economicamente viável iniciativas de mitigação de até US$ 100, o número de espécies preservadas pode ser ainda maior.
Esse mecanismo sozinho não resolveria todos os problemas. A análise mostra que a REDD seria efetiva em evitar extinções em todo o planeta, mas algumas áreas, como a mata atlântica (do Brasil) e as florestas do sudeste asiático, demandariam esforços adicionais. “Nesses locais com grande pressão populacional ou econômica a REDD florestal não resolve todo o problema das extinções”, diz o economista. Ele sugere que sejam realizadas iniciativas complementares. “O esforço do reflorestamento seria importante, principalmente, para a preservação da mata atlântica que conta apenas com cerca de 10% da sua cobertura inicial.”
Além disso, a REDD só contempla florestas. Outros ambientes naturais ricos em biodiversidade, mas pobres em estoque de carbono, poderiam permanecer ameaçados. É o caso do cerrado brasileiro. “Outras estratégias, incluindo a ampliação de REDD para outros biomas, deveriam ser pensadas para preservá-los”, ressalta o economista.
Existe, também, o temor de que a REDD prejudique a agricultura de maneira indireta. Se preservar a floresta gerar mais lucro do que plantar alimentos, a área cultivada poderia ser insuficiente para alimentar a população mundial. Atualmente, o mundo tem 7 bilhões de pessoas e a população continua em crescimento. Para evitar problemas como uma elevação do preço dos alimentos ou a escassez deles, a sugestão de Strassburg é utilizar áreas subaproveitadas, principalmente as terras já dedicadas à criação de gado. “Nosso país tem baixíssima produtividade na pecuária”, diz o economista.
Por enquanto, o mercado internacional de carbono parece estagnado. “Ele está em stand byem escala global pela falta de acordos entre os países”, conta. A Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas aprovou a criação de um sistema de incentivos financeiros para evitar as emissões de carbono provenientes do desmatamento e degradação florestal que deve fazer parte do próximo acordo climático internacional. Antes mesmo de ser amplamente adotada, a REDD segue em fase de aprimoramento. “Algumas alternativas têm se mostrado promissoras como acordos entre países como a Noruega e Brasil ou até entre estados, como Califórnia, nos Estados Unidos, e Acre, no Brasil”, conta o pesquisador. Nesses casos, as nações desenvolvidas investem para que detentores de florestas, como o Brasil, as mantenham preservadas.
O economista, que conseguiu unir na profissão as duas áreas do conhecimento que o atraíam desde adolescente, acredita que com boas intenções “é possível chegar a algum lugar, mas se chegará mais perto da proteção das matas quanto mais forem valorizadas as florestas com informações científicas e políticas públicas”. Para Strassburg, “à medida que se paga mais por tonelada de carbono, a floresta se torna mais valiosa e, consequentemente, o desmatamento é reduzido”.
O resumo do artigo “Impacts of incentives to reduce emissions from deforestation on global species extinctions” está disponível aqui. Apenas assinantes têm acesso ao texto completo.
Matéria de Isis Nóbile Diniz, na Revista FAPESP Online, publicada pelo EcoDebate, 01/08/2012

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