sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Insegurança muda rotina de moradores de Engenho Velho, no Norte


Em menos quatro dias foram registras a tentativa de homicídio a um agricultor, a agressão a um índio, a depredação de duas casas e dois carros foram alvejados a tiros

Foto: Diogo Zanatta / Especial
Escola Cleiton Costa passou a funcionar de portões fechados pela falta de segurança
Deixar a casa aberta deixou de ser costume em Engenho Velho, no norte do Estado: durante seis dias, em meados deste mês, a prefeitura fechou, as escolas ficaram sem aulas e só urgências foram atendidas no hospital. Sem falar do horário da missa, que foi antecipado das 20h para as 19h30min, para que não termine à noite.

A rotina dos 1,5 mil habitantes do município, que decretou situação de emergência por falta de segurança entre os dias 14 e 19, oficialmente voltou ao normal. No dia a dia, porém, a tensão permanece. Uma misto de conflito agrário e político deflagrou o medo na comunidade. Na última terça-feira, após seis dias de estado de sítio, o decreto expirou. Mas o estado de emergência permanece e assusta.

O ato foi a única saída encontrada pelo prefeito Bianor Santin (PP) diante da violência incomum na cidade: em menos quatro dias foram registras a tentativa de homicídio a um agricultor, a agressão a um índio, a depredação de duas casas e dois carros alvejados a tiros.

— Esse conflito é muito feio para o município. Prejudica a todos. Nenhuma empresa vai querer se instalar em uma cidade com esse clima — lamenta Santin.

Ele considera o ato extremo, mas necessário. Diz que a situação é tensa e que só não prorrogou o decreto para não prejudicar o fim do ano letivo. Na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Cleiton Costa, 40 dos 150 alunos deixaram de frequentar as aulas depois da onda de violência. Cinco deles pediram transferência para as escolas de municípios vizinhos.

A diretora Claudete Garbin Giacomoni, 43 anos, conta que os estudantes ausentes são indígenas que moram na Reserva da Serrinha. O motivo do afastamento seria o medo dos pais de que algo aconteça aos filhos no caminho até a escola.

— As mães contam que sofreram ameaças e decidiram deixar os filhos em casa — explica a diretora.



Há relatos de que o ônibus de transporte escolar chegou a ser alvo de pedradas, mas não há registro na polícia. Como cerca de 80% dos alunos matriculados são índios, a direção teme que outras crianças deixem de frequentar as aulas devido aos episódios recentes.

Depois dos atos de violência no município nas últimas semanas, um grupo de 40 índios compareceu ao Ministério Público Federal de Passo Fundo para denunciar a prática de arrendamento de terras na Reserva da Serrinha. Um inquérito instaurado em 2010 pelo órgão reúne outras denúncias semelhantes na área, que também expõem a concentração do dinheiro pago pelos produtores por um pequeno grupo de índios.

— Há indícios de que exista arrendamento na reserva, mas a prática é dissimulada em forma de parceria rural. São poucos os indígenas que têm coragem de se posicionar contra o arrendamento _ explica o procurador Estevan Gavioli.

Com a investigação das novas denúncias, o procurador afirma que pretende ajuizar uma ação contra os arrendatários e, futuramente, cogita outra ação para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) realize efetivamente a gestão territorial na terra indígena.

Enquanto isso, moradores seguem inseguros. O aposentado Luiz Dal'Pupo, 71 anos, teme pela segurança do filho, que dá aula em Constantina quatro dias por semana e retorna por volta da meia-noite a Engenho Velho. Cada noite é uma vigília sem saber qual será o desfecho, revela. Funcionário de um posto de gasolina, um homem de 45 anos que pediu para não ser identificado temendo ser alvo. Ele conta que não deixa mais a filha de sete anos sair sozinha na rua. Quando anoitece, tranca as portas da casa para proteger a família.

— Engenho Velho nunca viveu uma situação assim. É lamentável — conta o morador.

Estado de sítio foi usado para chamar a atenção da polícia
Para o prefeito Bianor Santin (PP), decretar estado de sítio também busca chamar a atenção das polícias diante da precária segurança no município. Ele pediu reforço para a Brigada Militar de Palmeira das Missões, mas nada foi feito.

Comandante da BM em Engenho Velho, o sargento Vanderlei Alves Ferreira, diz que só há três policiais militares na cidade, e um deles está no Litoral Gaúcho trabalhando na Operação Golfinho. Isso agrava o policiamento no município, que chega a ficar até mais de um turno sem vigilância, principalmente à noite. Na porta fechada, um recado: ligar para a polícia da vizinha cidade de Constantina, distante 13 quilômetros.

— Tem carros que passam em alta velocidade e, às vezes, com armas à mostra durante a noite. As pessoas reclamam e o medo é grande — desabafa o prefeito.

O tenente coronel Jerônimo Ferreira Barbosa, comandante da polícia militar em Palmeira das Missões, afirma que iniciará um patrulhamento intermunicipal na região à noite, como alternativa para falta de efetivo. Engenho Velho será vigiada por policiais de Constatina, Novo Xingu e Liberato Salzano, que também passarão pelas outras cidades. Operação deve iniciar na sexta-feira à noite.

— Também entramos em contato com o Comando Regional, mas não temos efetivo no Estado para deixar um policial fixo à noite em Engenho Velho. Priorizamos o horário comercial _ afirma Barbosa.

Para a Polícia Civil de Constantina - em Engenho Velho não há delegacia - os atos violentos têm relação com duelos políticos, especialmente entre um grupo de índios e agricultores. O clima tenso na cidade teria iniciado ainda em agosto, segundo o delegado Marcio Marodin. Depois das eleições, a tensão aumentou quando o vereador da oposição Adair Ludke (PT), que é agricultor, foi ferido com dois tiros em uma área indígena.

Dias depois, índios disseram ter sido agredidos e relataram depredação em suas casas e carros. A Polícia Federal de Passo Fundo instaurou um inquérito para investigar o caso. Apesar do aparente duelo político, o Ministério Público Federal entende que a briga eleitoral é só o estopim de um conflito envolvendo índios e agricultores por terras, que incluiria supostos casos de arrendamento em áreas demarcadas.

Procurada por Zero Hora, a Fundação Nacional do Índio (Funai) não se manifestou sobre o caso até o final da tarde desta quinta-feira.

Reserva da Serrinha
— Abrange uma área de cerca 12 mil hectares dos municípios de Engenho Velho, Constantina, Ronda Alta e Três Palmeiras, no norte do Estado

— Mais de 3 mil índios moram na reserva, 700 somente em Engenho Velho, o que representa cerca de 40% da população

— Fica a menos de um quilômetros do centro de Engenho Velho

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