quarta-feira, 17 de abril de 2013

Ciência, verdades e vaidades, artigo de Montserrat Martins


[EcoDebate] Ciência está relacionada à busca de verdades: “conhecimentos científicos” incluem fatos e explicações para fatos, comprovados por métodos de verificação. Tipo a lei da gravidade, uma verdade compartilhada por todos. É como se existisse uma entidade chamada “Ciência”, infalível, neutra e impessoal, cuja credibilidade cresceu tanto que supera a fé nas religiões e se torna ela própria uma religião, como a “Cientologia” do Tom Cruise. Pois o filme “Nota de Rodapé” (Título original: Hearat Shulayim), de Joseph Cedar, expõe as vaidades que estão por trás das distinções acadêmicas, os sentimentos e as competições entre os cientistas.
Nunca vou esquecer a sensação que eu tinha ao abrir os livros, na Faculdade de Medicina, uma sensação de reverência a verdades reveladas, comparável ao aspecto “sagrado” com que uma criança olha para a Bíblia em um púlpito de Igreja. O que está impresso no papel, sob a capa de um livro científico, adquire ares de verdade, mesmo que não conheçamos o modo como seus conteúdos foram obtidos. O lado humano exposto ajuda a compreender os “fazedores de ciências”, por isso “Notas de Rodapé” é um filme que merece ser visto.
Devo a Solomon e Patch e seu Manual de Psiquiatria a cura da minha fé acrítica e cega na ciência acadêmica. Foi quando li em suas páginas que, considerando que as doenças mentais eram dez vezes mais frequentes nas classes sociais menos favorecidas, isso talvez estivesse relacionado ao estresse (até aí, óbvio), mas talvez se devesse ao fato de que “os gens da doença mental são alelos aos gens da pobreza”.
“Gens da pobreza”, cara pálida? Felizmente naquela época Marilena Chauí havia lançado “O que é ideologia” e pude desenvolver um senso crítico sobre as “verdades” médicas, psiquiátricas, psicológicas e afins, que eu estudava. Além do auxílio das ciências sociais, também me interessei pelos métodos de validação da ciência, a chamada epistemologia científica. Uma obra maravilhosa a respeito, aliás, é “Senso Crítico”, de David William Carraher – que recomendo com entusiasmo. Você nunca mais vai engolir argumentos de “autoridade científica” sem questionar, seja de que fonte vierem.
Existe uma Ciência “neutra”, afinal? Sob o guarda-chuva da ciência reconhecida, da lei da gravidade, se abrigam inúmeras teorias científicas bem mais subjetivas, que passam por verdades inquestionáveis. Eu fico com a resposta de Carl Rogers, autor de “Sobre o poder pessoal”, onde desvenda as relações entre o autoritarismo da sociedade e das ciências que ela produz. “Não existe uma entidade abstrata chamada Ciência que possa de algum modo afetar nosso destino. A ‘Ciência’ nunca poderá impessoalizar, controlar ou manipular indivíduos. Somente as pessoas é que podem fazer isso.
Todo projeto científico tem sua criação, método e conclusões baseadas em uma ou mais pessoas. Conhecimento – mesmo o conhecimento científico – é aquilo que é subjetivamente aceitável e só pode ser eficazmente comunicado para aquelas pessoas que estão subjetivamente abertas para receber tal comunicação, de acordo com seus valores e critérios de avaliação da realidade”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 15/04/2013

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