quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pão e circo não, obrigado! artigo de Montserrat Martins

Da Copa eu abro mão...
Foto em A Pública, Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo

[EcoDebate] Séculos de domínio das massas com o “pão e circo” viciaram os políticos em menosprezar a inteligência das pessoas. Bolsa família e Copa do Mundo, ora vejam, não é tudo que o povo pode querer. “A gente não quer só comida”, já avisavam os Titãs há décadas, mas ninguém acreditou, porque a “geração Coca-Cola” parecia muito feliz consumindo videogames e o mais perto de um movimento de massas era uma lan house lotada jogando Counter-Strike uns contra os outros.
Há poucos anos meu sobrinho Pedro, na época com 12 anos e estudando História no colégio, desabafou que “tenho vergonha da minha geração”, pela passividade e adesão ao mero consumismo. “Inútil, a gente somos inútil”, desabafo do Ultraje a Rigor nos anos 80, era o sentimento do Pedro então. Agora a geração do Pedro pode se orgulhar, a inércia acabou e eles, os jovens, são os protagonistas.
Agora nossas ruas estão cheias de poesia e seus profetas foram os artistas que sonharam com esses momentos de rebeldia e inconformidade com a mesmice. “O dia vai raiar sem lhe pedir licença”, verso do Chico Buarque em música contra a ditadura nos anos 60, é um dentre milhares desses cartazes que os jovens usam, sem pedir licença. “Desculpem o transtorno, estamos mudando o país” é a mais linda ironia contra os avisos nas obras da Copa. “Os estádios estão lindos, falta construir um país em volta deles” é outro. “Queremos educação e saúde padrão FIFA”, uma maravilha. E que na face-linguagem, proclamaram: O Brasil mudou seu status de ‘deitado eternamente em berço esplêndido’ para ‘verás que um filho teu não foge à luta’.
Mas, dizem muitos, o que estraga é que existem vândalos infiltrados. Vândalos existem nas torcidas (lembre os Hooligans), existem em shows, bailões e bailes funk, em qualquer aglomerado onde o anonimato da multidão facilite o crime. Além de educação e saúde, nos falta uma segurança de qualidade, capaz de diferenciar vândalos de jovens que protestam. Ao invés de deter os violentos – o que exige preparo na função – há policiais fazendo o mais fácil, prendendo os pacíficos. Até para protestar em paz falta segurança cidadã, tanto quanto faltam saúde e educação.
Na alma do movimento legítimo não está depredar, ao contrário, está a defesa do patrimônio público que se esvai em obras faraônicas, em corrupção e mau emprego do BNDES, colocando o público a serviço do privado. O Barão de Itararé, expoente maior da inteligência pátria no século passado, satirizava os casos “tipo BNDES” da sua época dizendo que “a minha vida pública é uma extensão da privada”.
Os cientistas políticos ironizavam os protestos na rede como fantasias que jamais se concretizariam. Agora, não sabem como explicar movimentos novos e tentam enquadrá-los em padrões como “quem vai liderá-los?”. O que vai acontecer, ninguém sabe. Mas o que eles tem de novo é que são movimentos coletivos e contra qualquer forma de autoritarismo, a ponto de não terem líderes e rejeitarem a apropriação das causas pelos partidos.
Esse tipo de luta tem raízes na História nas propostas de autogestão hoje  representadas pelos autonomistas, diferentes dos anarquistas pelos métodos pacíficos. Como na carta de Proudhon em 1846, rejeitando as concepções de vanguarda partidária de Marx: “Eu aplaudo, de todo o meu coração, vossa ideia de colocar em evidência todas as opiniões: façamos uma boa e leal polêmica, demos ao mundo o exemplo de uma tolerância sábia e previdente. Mas, porque estamos à frente do movimento, não nos tornemos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que essa religião seja da lógica, da razão”.
Os jovens mostram que a História não para e que há muitos desafios, no século XXI, para evoluirmos.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 24/06/2013

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