Por Professora Lissi Bender Azambuja*
Pare um instante e pense: quantos bens e mecanismos foram criados e se tornaram essenciais em nossa vida, não é mesmo? Exemplos? Vários, a começar pela energia elétrica. Um bem tão essencial que mal conseguimos imaginar nossa vida sem ela. Por isso, pelo seu caráter social, o controle ficou na mão do Estado. A iniciativa privada percebeu a mina de ouro que o gerenciamento da energia representava, assediou o Estado e, em parte, conseguiu apropriar-se da mina. Outro exemplo? O telefone. Maravilhosa invenção sem a qual nos sentimos isolados no mundo, não é mesmo? Percebendo a sua importância fundamental na vida da sociedade, o Estado manteve sob seu manto o controle sobre a telefonia. Com o advento da telefonia celular, a iniciativa privada, percebendo o rico filão que a sua exploração comercial significava, assediou o Estado e conseguiu se apoderar da exploração da mina.
Outro dia assisti ao documentário “Water makes money” (Água dá dinheiro), veiculado pela TV franco-alemã Arte, que mostra os tentáculos criados por duas megaempresas francesas para se apoderarem da água nossa de cada dia, ou seja, do tratamento e fornecimento de água potável. Veolia e Suez estão presentes nos cinco continentes e, a cada semana que passa, estão se apoderando mais e mais dessa nova mina de ouro mundo afora. No entanto, agora estão perdendo terreno exatamente em sua terra natal, na França. No início de 2010 tiveram que devolver à administração pública o serviço de fornecimento de água em Paris. A cidade re-estatizou o tratamento e fornecimento da água. Mas 80% do provimento de água na França ainda está na mão da iniciativa privada. Agora diversas prefeituras, como a de Bordeaux, Toulouse, Montpellier, Bres entre outras, querem retomar o controle de gerenciamento de sua água. Em todo o país a população perdeu a confiança nos fornecedores: contadores contabilizam o dobro da água consumida, custos com concertos nas canalizações são repassados indevidamente aos consumidores, e ultimamente as contas cobradas pela iniciativa privada estão entre 20 a 60% mais caras do que as cobradas pelo serviço público em cidades que não entregaram o “ouro ao bandido”. Sem falar de casos de corrupção, de propinas que envolvem as empresas Veolia e Suez e sua rede de poder, inclusive com políticos. Enfim, cresce na França a consciência entre as pessoas de que, na verdade, se transformaram na vaca leiteira, na “Melkkuh” das empresas privadas e elas não querem mais ser exploradas.
Agora, falando sério, você consegue imaginar sua vida sem energia elétrica ou sem telefone? Se não conseguir pagar a conta imposta pela ganância lucrativa, você vai voltar à lamparina, ao tanque de lavar roupa, vai ficar sem a novela das oito e sem cervejinha gelada, mas dá para sobreviver. Se você não consegue mais pagar a conta do telefone, você vai ficar desligado do mundo, vai ficar no mato sem cachorro, mas pode continuar vivendo. Mas o que acontecerá caso você não mais tiver acesso à água potável para matar sua sede? Dá para viver sem água? Aliás, pode algum ser vivo, seja ele humano, animal ou vegetal existir sem água? Dá para perceber a importância que a água tem para nossa vida e para todas as formas de vida? Água é o alimento número um, sem a qual nenhuma vida é possível. Dá para entender por que ela precisa ser gerenciada pela entidade que foi criada exatamente para cuidar daquilo que é essencial a todos, ou seja, pelo Estado? A Administração Pública que abre mão do gerenciamento, isto é, do tratamento e fornecimento da água, não estará se eximindo de um compromisso fundamental, o de cuidar ciosamente daquilo que é essencial a todos? Mas espera aí, nós todos juntos somos o Estado! Então o questionamento cabe a todos nós! Não estaremos agindo contra nós mesmos, se repassarmos à ganância lucrativa a preciosa água nossa de todos os dias? Que mundo estamos construindo para nossos filhos se até um bem imprescindível à vida, ein Allgemeingut, presente da e na natureza, pode ficar refém da cobiça por dinheiro? A continuar nesse ritmo a voracidade capitalista ainda vai inventar uma forma para comercializar o ar que respiramos. Pssst!! Não espalhe!!
*Profa. Lissi Bender Azambuja é doutoranda em viagem de estudos na Alemanha e comentarista do programa radiofônico AHAI = A Hora Alemã Intercomunitária/Die deutsche Stunde der Gemeinden.
E-mail: lissi@unisc.br
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