INTRODUÇÃO
[EcoDebate] A constante e necessária relação entre o meio ambiente e as atividades econômicas gera impactos ambientais que raramente são levados em consideração quando é feita uma avaliação socioeconômica das atividades que os geram. Isso acontece porque esses bens e serviços ambientais, na maioria dos casos, não possuem valores de mercado por haver falhas neste. Dentre os impactos ambientais que as atividades econômicas (seja na produção, seja no consumo) causam ao meio ambiente, sobressaem a redução na qualidade da água e do ar, a destruição de habitats de animais silvestres, provocada pelo desmatamento desordenado, e outros serviços ambientais que não podem ser analisados utilizando a teoria econômica tradicional.
Alguns economistas argumentam que os recursos ambientais conseguirão gerar seus próprios mercados, de modo que sua exploração/utilização ocorra de forma racional. No entanto, não é possível garantir que isso aconteça antes que esses recursos sejam extintos ou degradados, de tal forma que sua recuperação se torne inviável economicamente. Assim, a valoração monetária ambiental torna-se essencial, caso se pretenda que a degradação da maioria dos recursos ambientais seja interrompida antes que ultrapasse o limite da irreversibilidade.
Muito se discute sobre a pretensão de valorar bens e serviços ambientais, já que não podemos fazer isso com bens intangíveis, como a vida humana, paisagens, ou benefícios ecológicos de longo prazo. Porém, na verdade, valoramos bens e serviços intangíveis todos os dias, ao estabelecermos, por exemplo, padrões para construção de estradas, pontes, etc. Nesse caso valoramos a vida humana, já que estamos gastando mais dinheiro em construções que salvarão vidas. A realidade é que a sociedade valora o meio ambiente todos os dias.
Qualquer decisão quanto ao uso dos recursos naturais disponíveis no meio ambiente envolve estimativas de valor, mesmo quando valores monetários não são utilizados. Sendo assim, ciente de que nem tudo pode ser salvo e mantido intacto, é essencial optar por formas de intervenção que tenham a melhor relação custo/benefício.Nesse ponto é que a valoração econômica de bens e serviços ambientais pode prestar um relevante papel. Vale considerar que este trabalho não tem a pretensão de aprofundar a discussão sobre esse assunto, mas sim, de contribuir para um melhor entendimento do mesmo, a partir da exposição sintética das considerações teóricas em torno da valoração ambiental, alguns dos métodos mais utilizados para tal atividade e suas características.
VALORAÇÃO – CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
O fato de se atribuir valor aos bens e serviços constitui a razão maior da divisão de águas da teoria do valor entre as duas maiores escolas de pensamento econômico – a escola marxista e a neoclássica. Marx ponderava que a única fonte de valor para um bem era o montante de trabalho socialmente incorporado em sua produção – os trabalhadores eram a única fonte do produto econômico líquido. A escola neoclássica sustenta a teoria do valor-utlidade, advogando que os bens têm valor porque têm utilidade e que a medida do valor é dada pela utilidade marginal que este bem proporciona. Para esta escola, a medida exata do valor vai ser dada pelo preço que tais produtos apresentam no mercado.
Coerente com o tema proposto, o que se pretende neste trabalho é discutir os conceitos, métodos, limitações e restrições relativas ao termo valor ou valoraçãoassociados às questões dos recursos naturais e aos impactos ambientais provocados pelas atividades humanas. No sentido aqui proposto, associar valor ou valorar recursos ambientais e naturais significa obter um valor econômico ou monetário. A valoração monetária é a expressão mais corrente desse valor, mesmo porque, não se pode ignorar que grande parte das decisões em nossa sociedade são apoiadas em valores monetários.
O termo valor de um bem ou serviço ambiental é entendido como sendo a expressão monetária dos benefícios obtidos de sua provisão do ponto de vista pessoal de cada indivíduo. Tais benefícios poderão ser advindos do uso direto e do uso passivo de tais bens e serviços. O valor que resulta do uso direto da amenidade é mensurado pelo valor de uso; já o valor que resulta do uso passivo é medido através do valor de opção e do valor de existência (Pearce & Turner, 1990). Então, o valor econômico total dos bens e serviços ambientais é composto por três tipos distintos de valores, a saber:
· valor de uso: refere-se ao valor atribuído pelos indivíduos pela participação numa determinada atividade, isto é, pelo uso atual da amenidade ambiental. Por exemplo: o valor que os indivíduos estão dispostos a pagar para visitar um parque ecológico ou para conservar determinadas espécies vegetais e/ou animais que estão sendo utilizadas para fabricação de remédios;
· valor de opção: diz respeito à disposição a pagar dos indivíduos para conservar um determinado recurso ou amenidade ambiental que poderá ser usado no futuro e cuja substituição seria difícil ou impossível. Assim, valor de opção expressa também uma preocupação com as gerações futuras. Pode-se citar, por exemplo, o valor que as pessoas estão dispostas a pagar para preservar uma floresta na esperança de que as espécies que nela se encontram possam ser úteis para gerações futuras;
· valor de existência: quando os indivíduos obtêm benefícios pelo simples conhecimento de que determinada amenidade ambiental ou certa espécie existe, sem que haja a intenção de apreciá-las ou usá-las de alguma forma. Esse valor é conhecido na literatura como valor de existência e independe do uso direto, seja no presente, seja no futuro.
A iniciativa de valoração deve ocorrer dentro de um referencial mais amplo e estratégico sob a perspectiva da sustentabilidade. Há que se considerar também que os mais diversos conceitos de sustentabilidade, desenvolvimento sustentável e agricultura sustentável, necessariamente, incluem como foco de suas preocupações, as questões relativas ao meio ambiente e aos recursos naturais.
É clara a existência de uma profunda interação entre os sistemas econômicos e os sistemas naturais de tal forma que os sistemas econômicos são dependentes dos fundamentos ecológicos e, em última instância, do sistema global de suporte à vida. Por outro lado, as sociedades estabelecem também normas e regras sociais, ou princípios de comportamento que devem ser seguidos. Ao longo do tempo estas normas devem estar compatibilizadas ou serem consistentes com as leis naturais que governam a manutenção dos ecossistemas, ao mesmo tempo em que estes devem ser conservados se a sustentabilidade for aceita como um objetivo a ser alcançado.
O processo de valoração dos recursos ambientais surge, portanto, da necessidade de contribuir de forma decisiva para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais.
MÉTODOS DE VALORAÇÃO AMBIENTAL
Nas últimas décadas, vem aumentando o interesse entre os pesquisadores e a sociedade de modo geral pelas questões relacionadas com o meio ambiente. Isso está levando a que sejam aprimoradas as técnicas de valoração ambiental até então existentes, como também tem proporcionado o aparecimento de novas técnicas. A tentativa de se estimar o valor corrente total dos serviços ambientais em questão tem uma série de limitações.
Primeiro, vários biomas e diversas categorias de serviços ambientais não são ainda adequadamente pesquisados e objeto de valoração econômica. Segundo, em muitos casos os valores encontrados são baseados em levantamentos da disposição da sociedade em pagar por serviços ambientais, levantamentos esses nos quais se firmam alguns dos métodos de valoração econômica do meio ambiente. O problema nesse caso é que os cidadãos podem estar desinformados quanto à importância dos bens e serviços ambientais, e assim suas preferências não incorporam adequadamente preocupações sociais, econômicas e ecológicas, entre outras, o que pode resultar em valores inconsistentes.
Pode-se admitir, em termos gerais, três correntes metodológicas para interpretar a valoração dos recursos naturais e ambientais sobre a perspectiva da sustentabilidade:
I – valoração com base na identificação das preferências individuais;
II – os valores obtidos por meio da expressão das preferências públicas e;
III – os valores obtidos por meio dos processos biofísicos.
I – PREFERÊNCIAS INDIVIDUAIS:
A literatura associada a esta corrente desenvolveu o conceito de valor total do ambiente em dois componentes: valor de uso e valor de não-uso, o primeiro deriva de seus atributos de consumo e uso, ao passo que o segundo componente associa valor aos atributos do bem ou serviço ambiental devido apenas à sua existência.
Esta proposta deriva do entendimento entre economistas e ecólogos, contemplando, basicamente, valores referentes aos ecossistemas e seu papel como provedor de bens e serviços através de três conceitos: valor I, que abrange todos os bens e serviços ambientais transacionados diretamente pelo mercado, sendo o valor, o preço de mercado do referido bem; valor II, aqueles bens e serviços ambientais que, por não serem transacionados no mercado, não apresentam um preço explícito, porém, os seus valores são determinados através de um mecanismo político de negociação e acordo; e por último, valor III, cujos componentes são excluídos do mecanismo institucional de determinação de valor, seja o mercado ou o processo político.
Embora reconheçam a dificuldade conceitual em distinguir com evidente clareza os valores II e III, economistas e ecólogos afirmam que este último é composto de itens da pauta dos intangíveis e de difícil atribuição de valor. Exemplificam com a manutenção do equilíbrio global de carbono, a manutenção da estabilidade atmosférica, o habitat e a sobrevivência da população nativa, o laboratório natural para estudo da evolução e seleção, o sistema de suporte à vida e o valor inerente aos sistemas naturais.
Todos estes itens são intangíveis ou não passíveis de valores, mas que podem ter esse problema resolvido com o desenvolvimento das técnicas de mensuração econômica e um conhecimento mais amplo e profundo do funcionamento dos ecossistemas. Em casos de falhas de mercado ou não existência de preço de mercado, são possíveis duas abordagens para a determinação do valor:
a) Indicadores de preferência associados à função demanda: mercado de bens complementares – método do custo de viagem e método de valoração contingente por meio da aplicação de questionários, entrevistas e 'surveys' (levantamentos);
b) Métodos associados à função de produção: método de mercados de bens substitutos – custos de reposição, controle, custos evitados e método da produtividade marginal. Os estudos de valoração ambiental que têm por base tal método, são os que mais abundam na literatura tanto nacional quanto internacional.
II – PREFERÊNCIAS COLETIVAS:
Este método pretende mensurar o conjunto de valores locais que vão influenciar as preferências individuais. As regras e as normas são elaboradas de forma coletiva, assim como a valoração do recurso se dá com base em referendos coletivos e audiências públicas. Estudiosos da economia ecológica enfatizam a dificuldade para induzir os indivíduos a revelarem suas verdadeiras disposições no sentido de pagarem pela conservação do recurso ambiental, dada a responsabilidade deles frente a possibilidade de aproveitamento coletivo advindo da conservação ambiental.
Como alternativa sugerem o referendo coletivo, a responsabilidade do grupo e a conscientização da comunidade frente a questão ambiental, tendo em conta tanto a geração presente quanto a futura. Trata-se da possibilidade de pagar impostos, taxas ou qualquer outra forma de encargo financeiro como cidadãos, em companhia dos demais membros da comunidade, com vistas a contribuir para a solução específica de um determinado problema ambiental.
III – PROCESSOS BIOFÍSICOS E SISTEMAS:
Dizem respeito aos valores medidos pelas ciências naturais – leis da termodinâmica (fazendo uso, por exemplo, do princípio da entropia, para analisar a quantidade de energia ou calor perdidos no sistema termodinâmico ou físico em mudanças de um estado para outro), capacidade de suporte ecológico, diversidade de espécie, espécie-chave, energia líquida, dentre outros. Enquanto os métodos associados às preferências individuais caminham preponderantemente no sentido da valoração tendo o econômico como pano de fundo, os métodos de base biofísica privilegiam os aspectos ligados à ecologia e os recursos naturais.
O conteúdo do conceito organizado está intimamente ligado aos requerimentos de energia necessária, na forma direta de combustível e na indireta através de outras organizações que também utilizam energia na sua produção. Por exemplo, a quantidade de energia solar necessária para o crescimento das florestas pode, portanto, servir como medida do seu custo de energia, de sua organização e de seu valor. Em suma, este método pressupõe que todo o ecossistema seja avaliável direta ou indiretamente. O método proposto por esta corrente superestima algum serviço do ecossistema que ainda não tenha valor reconhecido pelos seres humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada método apresenta vantagens e desvantagens. O desafio maior para todas as correntes de pensamento é identificar suas limitações e procurar avanços na compreensão dos fenômenos naturais e do entendimento econômico, orientados pelo objetivo maior que é o desenvolvimento sustentável.
A valoração monetária de bens e serviços ambientais torna-se importante para induzir os agentes causadores de impactos ambientais a cumprir a legislação vigente. Visto que não adianta falar somente em ética e moral, há necessidade de se cobrar desses agentes valores monetários pelos danos causados; daí a necessidade de quantificá-los. Para que os impactos ambientais sejam minimizados, é necessário que os custos incorridos sejam muito superiores aos benefícios obtidos pelos agentes causadores, caso contrário, esses agentes não terão nenhum motivo para minimizá-los.
Os serviços ambientais têm uma posição destacada na contribuição para o bem-estar humano. Por isso, a economia não pode continuar a ser vista como um sistema fechado e isolado, no qual existem fontes inesgotáveis de matéria-prima e energia para alimentar o sistema. O meio ambiente não pode continuar sendo considerado pelos agentes como mero coadjuvante na busca da sociedade pelo desenvolvimento.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CASIMIRO FILHO, F.; SHIROTA, R. Valoração econômica de áreas de recreação: uma proposta metodológica. In: Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 37. Natal, 1997. Anais. Brasília: Sober, 1997. p 277-292. (CD-ROM).
MARQUES, J. F. Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Embrapa Meio Ambiente – Disponível em: <<http://www.cnpma.embrapa.br>> . Acesso em: 19/12/2004.
MARQUES, J. F.; COMUNNE, A. E. Quanto vale o meio ambiente: interpretações sobre o valor econômico ambiental. In: Encontro Nacional de Economia, 23., Salvador, 1995. Anais. Rio de Janeiro: Anpec, 1995. v. 1, p 633-652.
PEARCE, D. W.; TURNER, R. K. Economia dos Recursos Naturais e o Meio Ambiente. 2. ed. Baltimore: Johns Hopkins Univ. Press, 1990.
PEREIRA, L. C. Aptidão agrícola das terras e sensibilidade ambiental: proposta metodológica. 122p. Tese (Doutorado em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável) – Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, 2002.
João Charlet Pereira Júnior, Técnico em Gestão Pública – SEDUC/PA, Economista – CRE 3574. Especialista em Economia Agrobioindustrial (UFPA).
EcoDebate, 15/01/2014