Adequação do ponto de colheita, adaptação da embalagem ao tamanho e ao peso dos produtos, maior zelo na manipulação e no transporte e a classificação padronizada para frutas e hortaliças estão entre os pontos defendidos pelo pesquisador para redução das perdas
“Faz-se necessário o estudo da cadeia de produção e comercialização dos produtos agrícolas para identificar as causas das perdas e as possibilidades de adequar e/ou introduzir novas técnicas, a fim de minimizar essas perdas, inclusive quanto ao melhor direcionamento da produção, especialmente dos produtos frutícolas — que têm pequeno direcionamento para a indústria, exceção para a produção de laranjas. A proposta de trabalho de avaliação e identificação de perdas tem de ser bastante complexa, uma vez que se devem estudar diferentes parâmetros dentro de toda a cadeia de produção e comercialização”, defende o pesquisador Antonio Gomes Soares em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Antonio Gomes Soares é pesquisador do Laboratório de Fisiologia Pós-Colheita de Frutas e Hortaliças da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. É doutor em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e graduado em Química. Atua como pesquisador da Embrapa há 29 anos, com ênfase na área de avaliação e controle de qualidade de alimentos e tecnologia pós-colheita.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que se perdem tantos alimentos no Brasil? Quais são os principais fatores causadores destas perdas?
Antonio Gomes Soares – As principais causas de perdas em produtos hortifrutícolas são o manuseio inadequado no campo, embalagens impróprias, transporte ineficiente, comercialização de produtos a granel, não utilização da cadeia de frio [refrigeração em todo o processo], classificação não padronizada, contaminação, comércio no atacado ineficaz, excesso de “toque” nos produtos por parte dos consumidores, acúmulo de produtos nas gôndolas de exposição de varejo, deficiência gerencial e administrativa nos centros atacadistas e varejistas.
IHU On-Line – Quais são os alimentos mais desperdiçados? De que forma estes alimentos descartados poderiam ser aproveitados?
Antonio Gomes Soares – Em termos de perdas pós-colheita de frutas e hortaliças, muitas vezes os produtos são simplesmente descartados como lixo. Algumas vezes podem ser repassados para entidades que distribuem alimentos para pessoas carentes.
Os índices de perdas de frutos “in natura” comercializados nas Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro – Ceasa/RJ são: morango e banana, 40%; melancia, 30%; abacate, 26%; manga, 25%; abacaxi, 20%; laranja, 22%; mamão, 21%. Já os índices de perdas de hortigranjeiros “in natura” comercializadas na Ceasa/RJ são: couve-flor, 50%; alface, 45%; pimentão e tomate, 40%; repolho, 35%; alho, 30%; batata, 25%; cebola, 21%, cenoura, 20%; chuchu, 15%.
IHU On-Line – Qual é a relação existente entre a perda de alimentos e a situação de alta dos preços agrícolas constatada desde 2008?
Antonio Gomes Soares – A relação é elevada, já que gasta-se dinheiro para produzir no campo, transportar e comercializar produtos que sequer vão chegar à mesa do consumidor. Desta forma, a formação de preços leva em conta o índice de perdas dos produtos que são comercializados. Isto eleva o preço ao consumidor.
IHU On-Line – De que forma a perda de alimentos prejudica a adoção de uma política de abastecimento no Brasil?
Antonio Gomes Soares – O desperdício prejudica muito o abastecimento, uma vez que podemos estar jogando fora um índice elevado de produtos em quilogramas/habitante/ano. O Brasil ainda possui problemas relacionados à fome. O controle de preços pode passar por uma menor perda de alimentos. Podemos aumentar a oferta de alimentos sem a necessidade de aumentar a área plantada, somente diminuindo o desperdício.
IHU On-Line – O baixo nível de estoques de produtos agrícolas não potencializa a especulação no preço dos alimentos?
Antonio Gomes Soares – Pode sim. Assim como pode comprometer as exportações, uma vez que, se não estamos dando conta do nosso mercado, como iremos exportar?
IHU On-Line – Os alimentos desperdiçados poderiam ser usados para a geração de energia, por meio de biodigestores? Por que a biodigestão é pouco usada no Brasil?
Antonio Gomes Soares – O uso de alimentos desperdiçados não compensa para produção de energia ou de fertilizantes. O custo operacional é elevado e o alimento é um produto nobre para ser usado desta forma. Deve haver programas de redução do desperdício, ou pesquisas que contemplem os principais problemas e tentem resolvê-los.
IHU On-Line – A atual carência no acesso aos gêneros alimentícios se deve a deficiências de distribuição da produção atual, e não a uma produção insuficiente. De que forma esta situação é impactada pela perda de alimentos?
Antonio Gomes Soares – Faz-se necessário o estudo da cadeia de produção e comercialização dos produtos agrícolas para identificar as causas das perdas e as possibilidades de adequar e/ou introduzir novas técnicas, a fim de minimizar essas perdas, inclusive quanto ao melhor direcionamento da produção, especialmente dos produtos frutícolas — que têm pequeno direcionamento para a indústria, exceção para a produção de laranjas. A proposta de trabalho de avaliação e identificação de perdas tem de ser bastante complexa, uma vez que se devem estudar diferentes parâmetros dentro de toda a cadeia de produção e comercialização.
IHU On-Line – Que ações ajudariam a prevenir as perdas no transporte e na distribuição dos alimentos?
Antonio Gomes Soares – Alguns procedimentos devem ser cuidadosamente tomados para que essas perdas sejam drasticamente reduzidas, tais como: melhoria nos tratamentos pré e pós-colheita dos frutos e das hortaliças; adequação do ponto de colheita em relação ao mercado consumidor; padronização das dimensões da embalagem, adequando-a ao tamanho e peso dos produtos; adequação da embalagem quanto à matéria-prima de sua confecção e à sua estrutura, para proteção dos produtos hortifrutícolas; reeducação e treinamento de todo o pessoal envolvido com pré e pós-colheita, visando melhorar a manipulação e a movimentação dos produtos hortifrutícolas; realização de melhorias nos meios de transporte, visando melhor proteção física e fisiológica dos alimentos; melhor integração entre varejistas, atacadistas e produtores, visando agilizar as informações sobre a qualidade do produto e permitir intervenções de ajustes mais rápidas e precisas; desenvolvimento de subprodutos industrializados que possam encontrar nichos de mercado e permitir o melhor aproveitamento dos frutos; estabelecer um critério nacional para classificação de produtos hortifrutícolas, quantitativa e qualitativa, e que atenda à realidade do comércio atacadista e varejista.
(EcoDebate, 09/09/2014) publicado pela IHU On-line, parceira editorial do EcoDebate na socialização da informação.
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