Molécula isolada das sementes da Enterolobium contortisiliquum (tamboril) mostrou ação anti-inflamatória, anticoagulante e antitrombótica em testes in vitro e com animais (foto do fruto e das sementes do tamboril: divulgação)
Uma proteína extraída da semente de árvores da espécie Enterolobium contortisiliquum – popularmente conhecida como tamboril ou orelha-de-macaco – demonstrou em ensaios pré-clínicos potente ação antitumoral, anti-inflamatória, anticoagulante e antitrombótica.
Os testes in vitro e em animais foram realizados no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e coordenado por Maria Luiza Vilela Oliva, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os resultados foram apresentados durante a 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Caxambu (MG) entre os dias 21 e 24 de agosto.
Nomeada de EcTI (Enterolobium contortisiliquum inibidor de tripsina, na sigla em inglês), a proteína foi isolada por Oliva ainda durante seu doutorado, no fim dos anos 1980.
“Estávamos buscando moléculas capazes de inibir a ação de proteases – enzimas cuja função é quebrar as ligações peptídicas de outras proteínas. Essas moléculas estão envolvidas em inúmeros processos fisiológicos e patológicos no organismo; um inibidor poderia ter efeitos terapêuticos interessantes”, explicou Oliva.
A ação antitumoral foi identificada no início dos anos 2000, durante outro projeto de pesquisae em 2004 a molécula foi patenteada.
“Denominamos o EcTI como inibidor de tripsina porque essa foi a enzima modelo que começamos a estudar, por ser mais barata. Mas ele está patenteado como inibidor de várias proteases. Também patenteamos sua ação contra o câncer”, contou Oliva.
O efeito antitumoral do EcTI já foi testado em linhagens celulares de câncer de mama, próstata, colorretal, leucemia e melanoma (pele). Em todos os modelos, a molécula inibiu in vitro a proliferação celular. Parte dos resultados foi divulgada em artigo publicado na revistaBiological Chemistry.
Em uma linhagem de células de câncer gástrico, os pesquisadores verificaram que o EcTI impediu a adesão da célula cancerosa ao tecido conjuntivo e, consequentemente, bloqueou a invasão e a migração celular. Os resultados foram publicados no The Journal of Biological Chemistry.
“Antes de migrar para outros tecidos, a célula tumoral precisa aderir ao tecido conjuntivo que lhe dá suporte. O EcTI bloqueia proteases presentes na matriz extracelular e a via de sinalização usada pelo tumor nesse processo sem afetar os fibroblastos, que são as células sadias desse tecido conjuntivo”, explicou Oliva.
Em uma linhagem celular de melanoma, os pesquisadores testaram um tratamento que associava o EcTI ao quimioterápico 5-Fluoracil. “A dose de quimioterápico necessária para matar a célula cancerígena foi cem vezes menor quando associado ao EcTI. Caso esse efeito seja comprovado também in vivo, vai representar uma enorme redução dos efeitos colaterais do tratamento do câncer”, disse a pesquisadora.
Nos testes feitos com camundongos, os pesquisadores induziram o desenvolvimento de um melanoma e, paralelamente, trataram os animais com injeções subcutâneas de EcTI durante 20 dias.
O grupo controle, que recebeu apenas placebo, desenvolveu tumores. Já no grupo tratado com EcTI, o crescimento do tumor foi inibido em pelo menos 90%. “Alguns animais nem chegaram a desenvolver o tumor”, contou Oliva.
No mesmo modelo animal de melanoma, acrescentou a pesquisadora, o EcTI se mostrou capaz de impedir a metástase pulmonar.
Antitrombótico
Também em testes com roedores, os pesquisadores observaram que o EcTI bloqueou o processo de trombose – uma complicação comum entre pacientes com câncer submetidos à quimioterapia.
“Essa proteína inibe a ação da calicreína, enzima que desencadeia o processo de coagulação sanguínea e também ativa a agregação plaquetária. O efeito foi verificado tanto em um modelo de trombose arterial, em ratos, como de trombose venosa, em camundongos”, contou Oliva.
Em um projeto coordenado pela pesquisadora Iolanda de Fátima Lopes Calvo Tibério, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a ação do EcTI sobre a inflamação pulmonar vem sendo testada com resultados animadores em modelos animais de asma e de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
“Agora estamos estudando diversos peptídeos derivados dessa proteína para ver se eles mantêm a ação inibidora de protease e se têm outros efeitos ainda não conhecidos. Um desses peptídeos mostrou em testes in vitro a capacidade de impedir que o parasitaTrypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, invada as células do hospedeiro. Agora pretendemos testar esse efeito em animais”, disse a professora da Unifesp.
Segundo a pesquisadora, até o momento, o EcTI não apresentou nenhum efeito tóxico nos roedores, que receberam doses em torno de 4 miligramas por quilo. Mas ainda precisam ser feitos estudos toxicológicos mais aprofundados antes de testar a proteína em humanos.
“Para fazer estudos de toxicidade são necessárias grandes quantidades da proteína, além de muitos recursos financeiros. Um ensaio clínico só seria possível por meio de uma parceria com a indústria farmacêutica”, disse Oliva.
Enquanto isso não ocorre, o grupo estuda diversas estratégias de obtenção do EcTI em larga escala e de administração da molécula às cobaias. “Precisamos avaliar, por exemplo, se é mais vantajoso cultivar a planta e isolar a proteína ou produzi-la na forma recombinante (usando bactérias ou outros microrganismos como vetores) em laboratório. Também estamos firmando uma parceria para que seja possível inserir a proteína em nanocápsulas e testar sua administração via oral ou por gavagem (diretamente no esôfago) aos roedores”, contou.
Outros inibidores
Outros dois inibidores de proteases foram identificados pelo grupo de Oliva – durante umProjeto Temático FAPESP – em uma planta popularmente conhecida como pata-de-vaca (Bauhinia bauhinioides).
“São duas proteínas diferentes extraídas da mesma planta e batizadas de BbCI (Bauhinia bauhinoides inibidor de cruzipaína) e BbKI (Bauhinia bauhinioides inibidor de calicreína). Elas atuam por vias diferentes e estamos comprovando efeitos terapêuticos em modelos animais de câncer, trombose, inflamação e diabetes”, contou.
Reportagem de Karina Toledo, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 28/08/2013