Brasília – A gestante Camila Coaracy toma vacina contra a gripe no primeiro dia da campanha nacional de imunização contra a doença. Foto de Valter Campanato/ABr
Com sintomas parecidos, mas causadas por vírus diferentes, gripe e resfriado se tornam mais comuns no inverno. Em 1918, foi a gripe espanhola. Em 1957, a gripe asiática e, dez anos depois, a de Hong Kong. Nos anos 2000, a gripe aviária trouxe preocupações intensas e levou à preparação global para uma possível pandemia. No entanto, ao contrário do que as expectativas poderiam apontar, o vírus permaneceu restrito a regiões da Ásia. Foi em 2009 que a gripe inicialmente conhecida como “suína” tomou de assalto a comunidade científica, surpreendida pela entrada de uma nova variação do vírus H1N1 na população humana – fruto da combinação de cepas virais que circulam entre porcos, aves e humanos.
Nos dias mais frios, a aglomeração de pessoas e a circulação em ambientes fechados favorece a transmissão da doença. Mas, nem todo espirro é sinal de gripe. O virologista Fernando Motta, pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), esclarece dúvidas sobre o tema e chama atenção para as recomendações para a prevenção das doenças mais comuns do inverno. O laboratório atua como Centro de Referência Nacional em Influenza junto ao Ministério da Saúde e à Organização Mundial da Saúde.
Existe diferença entre gripe e resfriado?
Fernando Motta: A gripe é causada apenas pelo vírus da Influenza. Ele pode ser tipo A, B ou C, sendo os vírus do tipo A os que, historicamente, provocam os quadros mais problemáticos. Este tipo possui a maior variabilidade genética, incluindo, por exemplo, os subtipos H1N1, H3N2 e o H5N1. Já os resfriados são provocados por outros tipos de vírus, como os rhinovírus; os para influenza tipos 1, 2 e 3 e o vírus sincicial respiratório (VSR), que é o maior responsável por infecções respiratórias em crianças menores de dois anos.
Como saber se é gripe ou resfriado?
Motta: No caso da influenza A e B, os sintomas são mais severos devido, por exemplo, a uma resposta imune mais exacerbada do organismo. Isso significa que o paciente tem mais febre, prostração e dores no corpo, sintomas que se estendem entre três e sete dias, além de mais possibilidades de desenvolver um quadro pulmonar. Pacientes com doenças de base, como diabetes, asma, hipertensão e problemas cardíacos têm 100 vezes mais chances de desenvolverem complicações, como infecção bacteriana secundária associada à gripe. Por isso, é importante procurar um médico, ele recomendará a melhor forma de tratamento.
Isso quer dizer que o influenza é mais agressivo que os vírus do resfriado?
Motta: O quadro clínico desenvolvido por um paciente sempre será resultado de uma conjunção de fatores ambientais, virais e do próprio hospedeiro. No entanto, há, de fato, mais chances de complicações em casos de gripe do que em casos de resfriados. A boa notícia é que o Influenza pode ser tratado com antivirais como o oseltamivir e prevenido com a vacina trivalente, ambos oferecidos gratuitamente pela rede pública para as faixas etárias recomendadas pelo Ministério da Saúde. Estas ferramentas permitem o controle da doença, o que já não é possível com os resfriados. Neste caso, apenas os sintomas serão tratados.
Uma pessoa que já teve H1N1 ou que já tomou a vacina em outros anos pode contrair o vírus novamente?
Motta: Sim. Estudos indicam que os anticorpos produzidos para combater o vírus após a infecção permanecem cerca de oito meses no corpo humano. No entanto, é importante ressaltar que uma das principais características deste vírus é sua capacidade de modificação genética. Desde 2009, ano em que o H1N1 de origem suína atingiu a população humana, sete variações distintas deste vírus foram identificadas. Estas variações vão se substituindo sucessivamente no ciclo de transmissão, substituindo as variantes genéticas mais antigas.
Por isso, anualmente, a OMS recomenda uma determinada formulação da vacina para cada hemisfério, com base nos vírus que estão circulando na população naquele momento. A especificidade para cada hemisfério está relacionada justamente aos períodos de inverno no Sul e no Norte do planeta, quando a circulação dos vírus Influenza se torna mais intensa. Uma rede mundial de identificação das amostras, da qual o Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo faz parte, fornece informações que norteiam a concepção da vacina trivalente, que protege contra o A(H1N1), o pdm09 (o vírus pandêmico), o A(H3N2) e o tipo B da influenza.
Em 2013, vem sendo registrado um aumento no número de notificações de casos de H1N1 em diversas regiões do Brasil em comparação ao mesmo período dos anos anteriores. Por quê?
Motta: Desde o ano passado, o Ministério da Saúde vem expandindo os trabalhos de coleta de amostras e de detecção dos casos por meio da Rede de Vigilância para a Influenza. O aumento no número de notificações deve estar relacionado a uma ampliação destes esforços, no sentido de gerar dados mais fidedignos sobre a circulação viral, e não exatamente a um aumento no número de casos.
É possível prever o impacto do influenza no inverno de 2013?
Motta: Não, pois diversos fatores influenciam a circulação viral em cada ano: a duração do inverno, que promove a aglomeração de pessoas em locais fechados; a incidência de raios solares, que são conhecidos agentes virucidas, ou seja, capazes de ‘matar’ os vírus; o número de pessoas inicialmente infectadas; a migração de populações ou a presença de rebanhos animais nas áreas de circulação do vírus e a eficácia da vacina elaborada para aquele ano. Esta é uma pergunta de difícil previsão, porque os fatores são bastante variáveis.
Conhecidas como ‘gripes aviárias’ com potencial pandêmico, os subtipos H5N1 e H7N9, identificados na Ásia, vêm sendo responsáveis pela morte de 60% e 30% dos pacientes diagnosticados até hoje, respectivamente. As taxas são superiores às verificadas no caso do H1N1, que giram em torno dos 21%. Temos motivos para nos preocupar?
Motta: No Brasil, não há casos diagnosticados dos subtipos H5N1 ou H7N9. Desde os Jogos Pan-americanos, em 2007, o país vem aprimorando o sistema de identificação rápida de vírus respiratórios em viajantes e pacientes. Em virtude dos eventos internacionais programados para acontecer até 2016, o país vem intensificando a vigilância e desenvolvendo ações de controle para o caso de enfrentarmos epidemias.
Estes vírus influenza com origem animal são mais nocivos aos seres humanos do que os outros?
Motta: É de se esperar que cada novo vírus Influenza que venha de um animal provoque, em um primeiro momento, um grande impacto ao entrar na população humana. No entanto, ela pode se adaptar ao hospedeiro, como foi o caso do H1N1 pandêmico. Do ponto de vista global, em termos de mortalidade ou de número de casos, ele não superou o H3N2 – que circula na população desde 1968. Porém, se um vírus era muito agressivo no animal, como o H5N1, por exemplo, podemos projetar um cenário ruim para a população humana também.
Qual o papel do IOC no controle da influenza?
Motta: Fazemos análises laboratoriais avançadas de amostras representativas após a caracterização preliminar realizada nos Lacens em cada estado. Dessa maneira, buscamos, em associação com os serviços de epidemiologia nas esferas federal, estadual e municipal, monitorar a evolução do vírus na população, mensurar os níveis de resistência ao oseltamivir (tamiflu), a reposta à vacinação e o possível aparecimento de novos agentes. Todas as informações são repassadas ao Ministério da Saúde e à OMS.
O influenza H1N1 pandêmico é um vírus gerado a partir de amostras oriundas do porco, da ave e do homem. Criar aves e porcos juntos é perigoso, então?
A criação em conjunto potencializa o risco da adaptação de vírus animais em humanos. No entanto, é difícil regulamentar a atividade de criação de animais em lugares como a Ásia, por exemplo, que tem mais de 180 milhões de criadores domésticos.
Algum dia os vírus Influenza poderão ser extintos?
Não. Diversos animais atuam como reservatórios do Influenza A na natureza, como baleia, golfinho, foca, cachorro, gado, cavalo e outros mamíferos de pequeno e grande porte. Além disso, o vírus transita entre os hemisférios Sul e Norte acompanhando as estações mais frias, o que ajuda a perpetuá-lo na população mundial.
Além de se vacinar, o que a população pode fazer para se prevenir do influenza?
A principal forma de transmissão dos vírus respiratórios ocorre por meio de perdigotos, ou seja, a saliva expelida durante a fala, tosse e espirro. Ela contém partículas de vírus que podem ser aspiradas por outra pessoa durante o contato ou contaminar lenços, talheres e objetos de uso pessoal. Higienizar as mãos regularmente é fundamental. Há estudos que dizem, ainda, que a distância segura de uma pessoa com gripe, a fim de evitar contágio, é de 1m a 1,5m.
Matéria de Isadora Marinho, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 27/08/2013