Instalada no Rio Jequitinhonha, nos municípios de Berilo e Grão Mogol, Irapé gera 360 MW de energia. Foto e informação: Cemig
Decisão cassa sentença da Justiça Federal em Minas Gerais que extinguiu ação de execução proposta pelo MPF contra a Cemig por descumprimento de acordo judicial
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reverteu decisão que impedia a população atingida pela construção da Usina Hidrelétrica de Irapé, no Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, de ter suas reivindicações atendidas pelo empreendedor, a concessionária de energia elétrica Cemig.
Em acórdão publicado no Diário Oficial da União do último dia 20 de agosto, o TRF1 cassou sentença proferida pela Justiça Federal de Belo Horizonte e determinou a produção de provas aptas a comprovarem o cumprimento das condições do termo de acordo judicial celebrado na Ação de Execução nº 2005.38.00.044549-0 proposta pelo Ministério Público Federal (MPF).
Na sentença, o magistrado extinguiu a ação de execução por entender que haviam sido cumpridas em sua integralidade todas as cláusulas do acordo judicial, em que pesem as dezenas de provas em sentido contrário juntadas aos autos.
O MPF apelou da sentença argumentando que o relatório em que se baseou o magistrado, produzido pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), não tinha relação com as cláusulas do acordo, mas sim com o suposto cumprimento das cláusulas de um Termo de Caução firmado pela Cemig com o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Copam) de Minas Gerais.
As irregularidades cometidas pela Cemig na construção da Usina de Irapé tiveram origem desde o processo de licenciamento ambiental. Em 2001, o MPF ingressou com ação civil pública pedindo a interrupção das obras. Um ano depois, em julho de 2002, foi celebrado acordo com o objetivo principal de atender os direitos das populações atingidas pela referida barragem.
No acordo, de 64 páginas, além de reconhecer o caráter tradicional das populações locais e da comunidade de Porto Corís como remanescente de quilombo, condições que lhes eram negadas antes da interferência do Ministério Público Federal no processo, e prever regras de reassentamento das populações procurando respeitar os seus modos de vida coletivos, a Cemig se comprometeu também a efetuar uma revisão completa do programa de controle ambiental apresentado no empreendimento.
Homologado pelo juiz da 21ª Vara Federal de Belo Horizonte, o compromisso pôs fim à ação civil pública em que o MPF pedia a interrupção das obras.
Descumprimento – No entanto, passados três anos de sua assinatura e apesar das insistentes tentativas de negociações, abortadas pelos sucessivos descumprimentos por parte da Cemig das cláusulas previstas, o MPF viu-se obrigado a executar judicialmente o acordo em 7 de dezembro de 2005.
O objetivo primordial da execução era a preservação do interesse das comunidades atingidas, algumas delas reassentadas em áreas de risco. O MPF sustentou que, após a execução, uma “equipe de técnicos da Feam foi designada para vistoriar os locais onde se registravam pendências. Infelizmente, porém, tal equipe limitou-se a vistoriar locais elencados pela própria Cemig, não alcançando sequer a metade dos reassentamentos, o que, a toda evidência, resultou em laudo inconclusivo”.
Na verdade, essa mesma equipe chegou a registrar que algumas informações prestadas pela Cemig não se sustentavam na realidade: várias melhorias – reparos na rede de esgoto de algumas comunidades, proteção dos taludes, construção de estradas – não foram realizadas, apesar da afirmação em contrário feita pela empresa.
Essa situação, contudo, não impediu o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) de aprovar a licença de operação mediante a assinatura de um inusitado Termo de Caução. Na prática, o Copam reconheceu que o acordo judicial não havia sido cumprido, mas concedeu a LO elencando algumas condicionantes supostamente garantidas por “caução”. O valor de tal caução não tinha, também, qualquer fundamentação técnica que garantisse que a quantia delimitada seria suficiente para a realização das obras pendentes.
Qualidade da água – Com o passar dos anos, a situação dos atingidos só piorou. Em 2006, estudos feitos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstraram que, a partir do enchimento do reservatório da UHE Irapé, ocorreram profundas alterações na qualidade da água, dificultando sua utilização pela comunidade ribeirinha que, antes, vivia da pesca e da agricultura. A má qualidade da água também afetou a fauna e a flora da região.
Em março de 2011, nova vistoria realizada pela Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável apontou a inexistência ou ineficiência da gestão do sistema de captação da água, além do alto custo da energia elétrica necessária para bombear a água até as residências. Isso se deu porque o local de reassentamento era impróprio para a instalação de poços artesianos e a água precisou ser bombeada, o que encareceu a conta de luz. Assim, ao invés de a Cemig garantir água para os assentados, como estava previsto no acordo judicial, ela ainda lucra com o aumento do gasto de energia elétrica pelos atingidos.
Para o TRF1, “Isso evidencia que não restaram cumpridas todas as cláusulas constantes do termo de acordo celebrado e homologado judicialmente, notadamente a implementação das ações e programas socioambientais, razão por que incorreta a extinção da execução sem que seja procedido um estudo mais detalhado acerca do empreendimento em questão”.
O tribunal ainda lembrou que a “preservação do meio ambiente, antes de atender a interesses individuais, deve respeitar os interesses de toda a população, objetivando atingir uma melhor qualidade de vida para a população presente e futura”.
Para a procuradora da República Zani Cajueiro, autora tanto da ação de execução quanto do recurso de apelação, a decisão do TRF “ainda que tardia, eis que se passaram quase sete anos desde a interposição do recurso, demonstra que o assentamento dos atingidos pela Usina de Irapé nunca foi, ao revés do quanto afirmado pelo Estado de Minas Gerais em todos os meios de comunicação, um exemplo a ser seguido. Pelo contrário. Por outro lado, é lamentável que um processo com mais de 60 volumes tenha sido extinto em uma sentença de não mais de três páginas. O processo voltará à Justiça Federal de Minas Gerais, da qual se espera um exame realmente aprofundado do cumprimento do acordo. Afinal, as 64 páginas deste acordo representam a expectativa de milhares de atingidos de serem tratados como cidadãos.”
Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais
EcoDebate, 30/08/2013