Desde o início deste ano, Porto Alegre tem assistido a pelo menos dois movimentos sociais que têm ido às ruas da cidade para protestar de forma constante. No final de janeiro, um grupo realizou a primeira marcha contra o aumento da passagem de ônibus. No início de fevereiro, teve início a mobilização contra o corte de árvores no Centro Histórico para ampliação das avenidas João Goulart e Edivaldo Pereira Paiva.
A reportagem é de Samir Oliveira e publicada por Sul 21, 06-06-2013.
Esses movimentos realizaram diversos atos e intensificaram formas similares e distintas de organização e atuação. No plano institucional, decisões do Tribunal de Contas do Estado e da Justiça acabaram fortalecendo os atos contra o aumento da passagem – que modificaram a cobrança e passaram a exigir a redução da tarifa que estava em vigor antes do reajuste.
A repressão policial também acabou ampliando a adesão às manifestações. O maior ato ocorreu no dia 1 de abril, logo após o protesto do dia 27 de março, em que uma ativista foi presa dentro da prefeitura, vidros foram quebrados por militantes e a Brigada Militar disparou pelo menos cinco bombas de efeito moral no Centro.
No que diz respeito à luta contra a remoção das árvores, o maior ato também ocorreu após a ação policial – no caso, em seguida à detenção de 27 pessoas que estavam acampadas na área verde ao lado da Câmara Municipal, na madrugada do dia 29 de maio.
Entretanto, enquanto o movimento contra o aumento da tarifa de ônibus reuniu milhares – até dez mil, de acordo com ativistas – de pessoas nas ruas, a mobilização contra o corte de árvores não conseguiu ultrapassar a marca das centenas. Nesta reportagem, o Sul21 expõe a interpretação de diversos integrantes destes movimentos a respeito da organização, adesão e abrangência de suas mobilizações.
Natureza das causas e acúmulo de experiências
As duas constatações mais evocadas pelos militantes apontam que a diferença entre as pautas e o acúmulo de forças são fatores que ajudam a explicar a intensidade dos movimentos. Enquanto o combate à tarifa de ônibus toca diretamente o bolso da população, a oposição ao corte de árvores pode ter sido interpretada como algo mais restrito e localizado. Na visão de alguns ativistas, talvez tenha sido pouco dimensionado, inclusive pela mídia tradicional, que a pauta ambiental é muito mais ampla e envolve a luta contra um projeto de cidade.
Além disso, muitos observam que a luta contra o aumento das passagens ocorre todos os anos e, historicamente, nunca havia atingido os patamares logrados em 2013. O longo acúmulo e as experiências passadas teriam contribuído para o sucesso do movimento neste ano.
“Eram poucas pessoas, mas muito mobilizadas e envolvidas com a causa”, resume um integrante do Ocupa Árvores, grupo de pessoas que ficaram acampadas durante mais de um mês para tentar impedir os cortes.
Ele avalia que a pauta tinha potencial para cativar a população – assim como a da passagem de ônibus –, mas que uma série de fatores contribuíram para não dar tanta força ao movimento. “As 115 árvores valem a luta por si só, mas, neste caso, eram o símbolo de uma crítica a um projeto de cidade. O acampamento despertava simpatia, outros grupos iam lá nos apoiar, motoristas diminuam a velocidade ao passar por lá e nos elogiavam. Mas tínhamos consciência de que, apesar de termos incomodado o poder público e pautado o debate, só conseguiríamos resistir ao corte criminoso e à realização da obra se fôssemos numericamente maiores”, comenta.
Intersecção entre militantes e formas de organização
Embora as pautas sejam diferentes, muitos ativistas apontaram semelhanças entre as duas reivindicações: ambas dialogam com soluções para a mobilidade urbana de Porto Alegre e surgem a partir de um comportamento restritivo do poder público. Muitos militantes que foram às ruas combater a ampliação das avenidas também estavam nas marchas contra o aumento das passagens.
Mas alguns fatores pesaram para que houvesse um refluxo de ativistas originários na luta contra o reajuste da tarifa de ônibus. “Vários articuladores do movimento estão sofrendo processos judiciais e sendo investigados pela polícia, isso leva o pessoal a ficar mais ressabiado”, aponta um militante anarquista e integrante da Frente Autônoma do Bloco de Luta pelo Transporte Público.
Outro fator que teria diferenciado os dois movimentos diz respeito à forma de organização. Ambos contaram com o apoio de diversos coletivos e organizações e fizeram uso das redes sociais para convocar e informar a população. Mas a mobilização contra o aumento da passagem contava com uma instância organizativa ampla e heterogênea, uma espécie de guarda-chuva que congregava os agentes envolvidos: o Bloco de Luta pelo Transporte Público.
“A condição para a vitória foi a unidade e organização que tivemos em torno do Bloco. Isso foi uma dificuldade enfrentada pela luta (contra o corte das árvores), que não conseguiu ter um espaço de frente única e de articulação entre as organizações. Mas não acho que esse seja o elemento central (para explicar a menor adesão)”, avalia Matheus Gomes, da coordenação do DCE da UFRGS e militante da Juventude do PSTU.
Engajamento institucional de entidades
A mobilização contra o aumento da passagem contou com a participação de diversos setores da sociedade. Entidades estudantis, coletivos anarquistas e autônomos, sindicatos, partidos políticos e pessoas que não integravam nenhum grupo compuseram as marchas. Entretanto, o movimento contra o corte das árvores careceu de um envolvimento orgânico de sindicatos, centros e diretórios estudantis e militantes partidários. Nas marchas contra a duplicação das avenidas, não se viam bandeiras do PSOL e do PSTU – os dois principais partidos que apoiaram o movimento contra o reajuste da tarifa.
“A pauta ecológica ainda não é muito abraçada pela esquerda. Outro fator é que estava ocorrendo o congresso da UNE e da ANEL e a prioridade dos partidos era lotar os ônibus com todos que conseguissem angariar”, aponta um militante anarquista do Bloco de Luta pelo Transporte Público.
A interpretação é a mesma por parte de um integrante do acampamento Ocupa Árvores. “A militância dos partidos ficou completamente alheia. Boa parte da militância da esquerda estava mais preocupada com o congresso da UNE e com a política partidária do que com a pauta urgente da cidade”, avalia.
Matheus Gomes entende que um dos desafios dos movimentos sociais no século XXI é “ampliar as pautas e sair do corporativismo em direção à luta política geral”. Ele reforça que o PSTU elaborou manifestos de apoio ao movimento contra o corte das árvores e explica que não há discordância do partido em relação à causa. “É algo que defendemos. O engajamento se deu de forma diferente (em cada movimento), mas não por discordância política. Existe a luta contra a criminalização que vivemos na mobilização contra o aumento. Somos um partido essencialmente localizado nos movimentos sindical e estudantil, nosso desafio é conseguir politizar as discussões ao máximo e fazer com que isso se reflita nas lutas”, explica.
Nathália Bittencurt, que integra o DCE da UFRGS e é militante do PSOL, observa que o partido acompanhou as mobilizações contra a duplicação das avenidas do Centro Histórico. “Os vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna acompanharam essa pauta de perto. É algo importante e enxergamos isso de forma interligada com a privatização dos espaços públicos da cidade”, ressalta. A vereadora Fernanda assegura que diversos militantes do partido integraram as caminhadas e que foram feitos panfletos sobre o tema.
Abrangência das adesões e atuação parlamentar
Um fenômeno bastante comum nos atos contra o corte das árvores foi a união observada entre os ambientalistas mais antigos, forjados em lutas passadas da cidade e do Estado, e de jovens militantes – muitos não oriundos do movimento ecológico. As mobilizações contra o aumento da passagem, na medida em que foram crescendo, também ampliaram a adesão para além dos jovens, mas os cabelos brancos não eram tão constantes e numerosos nas caminhadas.
“Aqueles rapazes estavam certos, subiram nas árvores e acamparam, por isso apoiamos eles. A duplicação das avenidas está sendo um ato de barbárie. Colocar aquela quantidade de policiais para retirar os rapazes do acampamento na calada da noite foi um ato de terrorismo de Estado”, qualifica Celso Marques, ex-presidente e atual conselheiro da AGAPAN.
Pelo menos três vereadores de Porto Alegre participaram presencialmente de diversas marchas contra o aumento da passagem e o corte das árvores: Fernanda Melchionna(PSOL), Marcelo Sgarbossa (PT) e Sofia Cavedon (PT).
Para Sofia, o movimento contra a duplicação das avenidas assumiu um caráter “vanguardista” das causas ambientais que, na sua avaliação, “ainda não atingem todos os setores da esquerda”. Ela entende que o debate mais amplo envolvendo a causa poderia ter sido melhor pautado.
“A mensagem principal do outro conflito era clara: redução da passagem. Isso unificava as pessoas e todos entendiam. Neste conflito, a mensagem se reduziu ao tema de cortar ou não árvores em oposição à necessidade de uma obra. Mas era um debate mais complexo. A prefeitura nunca flexibilizou a discussão sobre o projeto, que teria que ter virado o centro do debate”, opina.
Para Fernanda, as mobilizações deste ano devem servir como experiência “para acumularmos no futuro”. “Foi um movimento muito importante. Se não fosse a subida de quatro jovens nas árvores, em fevereiro, sequer teríamos tido tempo para debater a contrariedade aos cortes e à duplicação. Participo da luta das passagens há 12 anos e fomos poucos durante muito tempo. Os protestos contra o corte não foram multitudinários, mas foram importantes para marcar opinião. Infelizmente, um setor da imprensa tradicional não cobriu para não ampliar o poder das ruas. Poderia ter sido maior, mas tem que servir para acumularmos no futuro. A melhor aprendizagem é que o movimento de massas é capaz de realizar conquistas”, conclui.
(Ecodebate, 10/06/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]