Cidades como a capital paulista já têm dois habitantes por automóvel, paridade próxima à de regiões desenvolvidas, como Estados Unidos e Europa. Fora dos principais centros consumidores, a média é de 8,8 habitantes por veículo, ante uma média brasileira de 5,2 pessoas por carro. Há uma década, essa paridade nacional era de 8,2 habitantes por veículo.
Apenas cinco Estados – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná – concentram 72% da frota. Nessas localidades, a média de habitante por veículo varia de 2,9 a 5,2 (ver quadro).
A reportagem é de Cleide Silva e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 04-08-2013.
A indústria automobilística conta com as regiões menos motorizadas para manter o ritmo das vendas e chegar em 2017 com números próximos a 5 milhões de veículos ao ano, conforme projeta a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Na última década, as vendas de carros novos cresceram a taxas médias de 7% ao ano, e a de motocicletas, de 13% ao ano. Já o número de passageiros que utiliza o transporte público caiu 25% no mesmo período.
“Nos últimos anos, houve uma tendência clara de fortalecimento do transporte individual em detrimento do transporte público”, diz Carlos Henrique Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especializado em transporte.
O estudo do Sindipeças mostra que a frota brasileira aumentou 80% desde 2002 e encerrou o ano passado com 35,8 milhões de automóveis e comerciais leves, número que sobe para 38 milhões se forem incluídos caminhões e ônibus. A de motos praticamente quintuplicou – de 2,5 milhões de unidades há dez anos para 12,4 milhões.
Mais jovem
Da frota de veículos, 43% têm até cinco anos de uso, participação que era de 33% há dez anos. Modelos com 6 a 15 anos são 37% do total em circulação e aqueles com 16 a 20 anos são 16%. Os mais velhinhos, com mais de duas décadas, correspondem a 4% da frota (ante 6% há dez anos).
“A frota antiga é mais concentrada nas periferias e só deve ser reduzida significativamente se houver um programa de renovação, com incentivos fiscais”, diz o conselheiro do Sindipeças, Elias Mufarrej.
Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, a atual taxa de motorização brasileira, comparada com vários outros países, “ainda é incipiente”, por isso o País continua atraindo novos investimentos no setor. Exemplos são a alemã BMW e as chinesas Chery e JAC, que estão construindo fábricas no País.
A taxa de motorização é de 1,3 pessoa por veículo nos EUA, de 1,6 no Canadá, de 1,7 no Japão, Espanha e França, de 1,8 no Reino Unido e Alemanha, de 2,7 na Coreia do Sul, de 3,6 no México e de 3,7 na Argentina, segundo dados da consultoria PriceWaterhouseCoopers (PwC).
“Em muitos desses países há transporte coletivo eficiente e as pessoas continuam comprando automóveis”, diz Moan. “Olhamos muito para a cidade de São Paulo, que está perto de manter apenas um mercado de substituição, mas nas demais regiões há espaço para crescer.”
As Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste passam a ser alvo da indústria e também têm atraído investimentos. A Fiat está construindo nova fábrica em Pernambuco e a JAC, na Bahia.
Dados da Anfavea mostram que, de 2002 para cá, as vendas de automóveis e comerciais leves na Região Norte cresceram 234%, para 158,9 mil veículos no ano passado. No Centro-Oeste, a alta foi de 223% (362,3 mil) e no Nordeste, de 201% (567,2 mil). No Sudeste, a alta foi de 137% (1,8 milhão) e no Sul de 159% (718 mil). Na totalidade do mercado brasileiro, as vendas desse segmento saltaram de 1,39 milhão de unidades para 3,63 milhões, uma alta de 160%.
‘Desmotorização’
Na opinião do sócio da PwC, Marcelo Cioffi, o Brasil ainda está longe da “onda de desmotorização” que começa a surgir em países desenvolvidos, onde parte da população, especialmente jovens, não quer mais ter automóvel. “O Brasil, assim como os demais países em desenvolvimento, como China e Índia, ainda está na fase da motorização.”
Cioffi concorda que, embora nos grandes centros a paridade entre habitantes e veículos é cada vez menor, nas demais regiões há espaço para crescer. “O processo de ‘desmotorização’ vai depender da evolução dos investimentos no transporte público e das políticas de restrição ao uso do carro, medidas que podem definir mudanças na forma de usar o automóvel.”
Em 20 anos, 65% dos brasileiros vão usar veículo particular
Caso o ritmo atual de vendas de carros novos se mantenha e não ocorram investimentos significativos no transporte público, em menos de 20 anos 65% dos brasileiros vão se locomover por meio de veículos particulares e 35% utilizarão ônibus, trens e metrô, prevê a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
A reportagem é de Cleide Silva e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 04-08-2013.
Seria quase uma reversão da matriz da locomoção verificada em 1990, quando 75% da população usava transporte coletivo e 25% privado. Hoje, essa proporção é de 50% para cada lado.
“Ter 65% da população se locomovendo com veículo particular será o caos total”, diz o presidente da NTU, Otávio Cunha. Para evitar esse cenário, ele aposta nos projetos de mobilidade que começam a ser adotados pelos governos e que ganharam reforço dos recentes protestos pela melhoria do transporte público.
Em 2012, enquanto foram comercializados 3,6 milhões de automóveis e comerciais leves, com alta de 6,1% em relação a 2011, as vendas de ônibus (urbanos e rodoviários) somaram 28,8 mil unidades, queda de 16,8% no comparativo com o ano anterior, segundo as montadoras. “O modal ônibus representa 90% do transporte público e cada veículo transporta em média 70 passageiros, enquanto a média por automóvel é de 1,3 passageiro”, ressalta Cunha.
Segundo ele, nos últimos 18 anos o setor perdeu 30% da demanda de passageiros por causa da má qualidade dos serviços. Os ônibus transportam atualmente 40 milhões de pessoas por dia, ante 60 milhões há menos de duas décadas.
Para o pesquisador do Ipea, Carlos Henrique Carvalho, o favorecimento ao transporte individual pode ser constatado nas políticas de incentivo ao consumo de carros, com benefícios fiscais e crédito farto.
Dados do Ipea mostram que os preços dos carros novos subiram 44% de 2000 a 2012, ante uma inflação de 125% (IPCA). A gasolina ficou 122% mais cara e a tarifa do ônibus, 192%. “Houve uma conjugação de fatores, que também inclui a melhora da renda da população, que levou ao deslocamento da demanda do transporte público para o privado”, afirma Carvalho.
Cunha ressalta não se tratar de inibir a compra do automóvel, sonho de muitos brasileiros, mas de mudança no seu uso. “Se tivermos transporte público de qualidade, as pessoas não precisarão, por exemplo, usar o carro para ir diariamente ao trabalho, mas para lazer e viagens no fim de semana.”
(Ecodebate, 06/082013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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