Uma das primeiras instituições a se dedicar ao tema eficiência energética no Brasil, o Sebrae Rio de Janeiro desenvolve e aplica, há 33 anos, uma metodologia para reduzir e otimizar o consumo de energia elétrica nas micro e pequenas empresas. Entre os responsáveis por esta tarefa está o engenheiro Ricardo Wargas, desde 1983 na instituição e há 11 anos responde pela gerência da Unidade de Inovação e Acesso à Tecnologia.
Segundo ele, a eficiência energética é uma das questões mais importantes da atualidade e está na pauta de chefes de Estados, dirigentes de grande corporações, cientistas e formadores de opinião. No Brasil, o governo criou, recentemente, mecanismos para reduzir a tarifa de energia elétrica, uma decisão que tem como objetivo estimular a economia e aliviar custos do setor industrial.
Para Ricardo Wargas, a política energética nacional deveria, entre outros procedimentos, instituir tarifas especiais para os pequenos negócios. Segundo ele, a maioria das micro e pequenas empresas paga tarifa de baixa tensão (BT), mais cara do que energia de alta tensão, fornecida a empresas e indústrias de grande porte.
Representante do Sebrae RJ no processo de elaboração do Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf), informa, satisfeito, que o resultado foi marcante, pois o terceiro capítulo do documento foi dedicado especificamente à questão da indústria de micro, pequeno e médio portes. “Isso, sem sombra de dúvida, foi um passo importante em nossa luta para conseguir indicadores energéticos estratificados e específicos da MPE”, afirma Ricardo Wargas em entrevista ao Portal do Centro Sebrae de Sustentabilidade (www.sustentabilidade.sebrae.com.br)
CSS : Qual a importância da Eficiência Energética (EE) no século XXI?
RW: A questão energética é um dos principais temas da atualidade, abordada por todos os presidentes de países desenvolvidos e emergentes, pois é estratégica para o desenvolvimento sustentável de todas as nações, envolvendo, inclusive, as grandes produtoras de petróleo. Vale lembrar, que, no momento do lançamento de sua primeira candidatura à presidência dos EUA, o então senador Barack Obama estabeleceu como uma de suas prioridades a busca por fontes alternativas de energia e a EE.
Ressalto que, principalmente no caso das micro e pequenas empresas (MPE), a questão energética é vital para o aumento da competitividade e fator crucial para a permanência e crescimento do empreendimento no mercado, ainda mais em um mundo globalizado, que possibilitou um aumento exponencial da concorrência.
CSS: Os pequenos negócios deveriam ter tratamento diferenciado na política energética?
RW: Sim, com certeza, inclusive considero esta questão fundamental, pois devido às diversas particularidades de operação dos pequenos negócios, onde as dificuldades de entendimento de informações técnicas por parte dos empresários dificultam a tomada de decisão, o fator de maior sucesso para a implementação de medidas de EE é a existência de políticas específicas.
Podemos citar alguns exemplos de tratamento diferenciado: a possibilidade de compra de equipamentos eficientes com custos diferenciados; acesso ou canais de interlocução com as concessionárias de energia, especializados no atendimento às MPE; programas continuados de capacitação de prestadores de serviço para atuar com abordagem especifica em EE para os pequenos empreendimentos; incremento de medidas de diferenciação de tarifas de energia. Com uma política energética diferenciada, a taxa de implementação das ações de EE seria, com certeza, muito maior.
CSS: – Qual o impacto do custo da energia nas micro e pequenas empresas? Os pequenos negócios pagam mais pela energia elétrica do que as grandes empresas e indústrias?
RW: O impacto do custo da energia elétrica em uma MPE varia de acordo com o segmento no qual está inserida. Em uma confecção de roupas, por exemplo, a energia elétrica representa, em média, 0,5 a 1,5% dos custos operacionais. Já em um pequeno hotel, a média oscila entre 5 a 15%.
Como na grande maioria das vezes as MPE estão enquadradas em um subgrupo tarifário de atendimento em baixa tensão, o preço médio do kWh é mais alto do que em uma grande empresa, que recebe a energia em alta tensão e faz, por conta própria, o rebaixamento da tensão, através de transformadores próprios instalados em subestações.
Vale lembrar que em alguns casos encontramos possibilidades grandes de economia de energia. Em alguns hotéis, por exemplo, encontramos potencial de economia nos sistemas de iluminação de 60 a 70%, Já nos sistemas de refrigeração encontramos potenciais na ordem de 10 a 25% e nos sistemas de climatização este potencial fica entre 10 a 50%.
CSS: É mais complexo para os empresários de pequeno porte adotar medidas de EE?
RW: A EE é uma temática complexa e nosso esforço é grande no sentido de mostrar que, apesar da complexidade, é um trabalho importante para a empresa, pois além do ganho econômico, através de uma possível redução da energia, existem diversos outros ganhos indiretos, que podem ser gerenciais, ambientais, tecnológicos, sociais ou operacionais. Nossa experiência tem nos mostrado que, muitas vezes, os ganhos indiretos superam, em importância, os ganhos econômicos. No caso de adequações de redes elétricas, por exemplo, o investimento vai além dos resultados de EE, pois incide diretamente na segurança e confiabilidade das instalações.
Para facilitar a adoção de medidas de EE pelo empresário, desenvolvemos um modelo de Diagnóstico Energético onde apresentamos as soluções, inclusive com informações sobre a possível economia de energia, o valor estimado do investimento e prazo de retorno simples. Em muitos casos, as medidas de EE têm custos bastante reduzidos, com retorno dos investimentos sendo obtidos em prazo inferior a um ano e, outras vezes, a questão maior é de boas práticas, ou seja, a realização de uma manutenção preventiva ou treinamento dos funcionários.
CSS: – Quais são as principais medidas que os empresários de pequeno porte podem adotar para reduzir o consumo energético?
RW: O primeiro passo é o empresário entender quais os principais aspectos que influenciam o uso da energia em sua empresa. Para isso elaboramos uma ferramenta on-line chamada Autoavaliação, que pode ser acessada a qualquer hora no site do Sebrae : www.sebrae.com.br – Serviços on-line – Uso Eficiente de Energia ou entrar no endereço: http://www.autoavaliacao.sebrae.com.br Após cerca de 20 minutos, o empresário terá uma noção geral sobre o que pode impactar o uso da energia elétrica em sua empresa.
Querendo entender melhor o que é EE, o empresário pode participar de nossas Clínicas Tecnológicas onde apresentamos, de forma genérica, lúdica e interativa, o que é Eficiência Energética e como ela pode impactar o processo produtivo da empresa.
Para receber informações técnicas mais precisas e específicas de sua empresa, recomendo ao empresário contratar a realização, por pessoal técnico competente, de um diagnóstico energético, onde serão analisadas as instalações do empreendimento, visando identificar possíveis perdas de energia, seja por uso inadequado de equipamentos, aparelhos com baixo rendimento, processos produtivos inadequados, que ocasionam gargalos de produção que trazem, consequentemente, perda energética, entre outros.
O diagnóstico energético apontará um cardápio de medidas para ganhos de EE, sendo que as medidas podem ser de boas práticas, como por exemplo mudança de hábito, manutenção preventiva ou de substituição ou absorção de novas tecnologias, que ocasionam um maior impacto e trazem interferências no processo produtivo.
A Autoavaliação é gratuita e tanto as Clínicas Tecnológicas como o Diagnóstico Energético podem ser realizados através do Sebraetec, que é um programa de subsídio financeiro do Sebrae que, no Rio de Janeiro, arca com 80% dos custos, ou seja, o empresário paga somente 20% do valor total da consultoria.
CSS: O Sebrae RJ desenvolveu, ao longo de 33 anos, uma metodologia de EE para os pequenos negócios, inclusive com diversos parceiros, entre eles a Eletrobras e o Programa Procel. Quais são as características básicas dessa metodologia? Quantas empresas foram beneficiadas?
RW: Nessas últimas três décadas o Sebrae RJ teve diversos parceiros: a Eletrobras/Procel (desde 1987); a GIZ- Agência Alemã de Cooperação Internacional GIZ (1995 a 2004); o Banco Mundial, na questão da Eficiência Energética em Companhias de Saneamento (2002); Carl Duisberg Gesellschaft – CDG (1999), no contexto da Cogeração de Energia; Grupo EVE do País Basco (1998), na questão de Capacitação Técnica; o Conselho Mundial de Energia, nos anos de 1997, 2000 e 2001, na questão de Indicadores de Eficiência Energética; entre outras instituições nacionais e internacionais.
A nossa principal atuação sempre esteve focada na disseminação da temática, ou seja, tornar as informações sobre EE o mais acessível possível ao empresário da MPE com o intuito de auxiliá-lo a tomar as melhores decisões, visando aumentar a eficiência no uso da energia e, com isto, aumentar a competitividade de sua empresa. Não é uma tarefa fácil, pois existem diversas barreiras técnicas, econômico-financeiras e culturais.
Em nossa última parceria com a Eletrobrás/Procel, aprofundamos muito as formas de disseminação das informações: aprimoramos as Clínicas Tecnológicas, incluindo a vertente lúdica e interativa; publicamos manuais setoriais com exemplos e depoimentos de empresas que implementaram a EE; elaboramos um kit de dicas de EE, que serve de apoio aos empresários, sendo que a grande maioria delas pode ser implementada diretamente pelos funcionários; montamos um banco de dados com informações de mais de 13,4 mil empresas; e desenvolvemos uma autoavaliação on-line, que pode ser acessada pelo empresário que queira entender quais os aspectos influenciam o uso da energia elétrica em seu empreendimento.
Sempre que me pedem para explicar a ação do P3E de forma bem sucinta, eu digo que nossa proposta é responder as três perguntas: O QUE GANHO COM A EE? QUANTO CUSTA, OU SEJA, QUAL SERÁ MEU INVESTIMENTO? COMO FAÇO?
Nos últimos dois anos, aproximadamente 900 empresas foram beneficiadas pelo P3E.
CSS: O custo da energia elétrica brasileira, fornecida principalmente por hidrelétricas, comparado com outros países, é razoável?
RW: Primeiro gostaria de lembrar que aproximadamente metade da matriz energética brasileira é considerada limpa, pois vem principalmente de hidrelétricas, e isso é excelente!
Já quanto ao custo, posso citar um estudo apresentado pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), durante a Rio + 20, que identificou que o brasileiro paga R$ 329 por megawatt/hora (mWh), sendo o preço médio mundial de R$ 215 mWh. Nos países do grupo BRIC (Brasil/ Rússia/ índia/ China), o custo cai para R$ 140. Existe, também, uma carga tributária muito grande embutida no mWh brasileiro.
Além disso, o custo varia conforme o tipo de consumidor. No caso das MPE, geralmente a energia é fornecida em baixa tensão (BT) e a tarifa costuma ser mais cara. Considerando um setor típico de MPE, podemos citar como exemplo uma padaria comum de bairro. Nesse caso seu principal componente consumidor é o forno de cozimento dos pães, que, em média, representa 60% do consumo total da padaria, e por ser elétrico, tem sua instalação feita em BT, com tarifa comercial comum, ou seja, sem diferenciação de valor.
CSS: O Brasil está trilhando o caminho da Eficiência Energética? Estamos atrasados ou avançados nesse sentido?
RW: Eu diria que estamos na metade do caminho, porém ainda muito atrasados em relação a países como Japão, Alemanha, países escandinavos e os Estados Unidos. O Brasil teve seus principais programas de conservação de energia iniciados em meados dos anos 70, focando principalmente a questão de substituição do uso de óleo diesel e aumento da eficiência com uso de óleo combustível em processos térmicos. Foi um grande esforço nacional, principalmente traduzido pelo Programa Conserve e pelas diretrizes do Programa de Mobilização Energética – PME, onde o sistema Sebrae desenvolveu o Programa Proene.
Contudo creio que um dos principais marcos para o incremento das ações de EE no Brasil foi a criação, em dezembro de 1985, do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, o Procel, coordenado pela Eletrobrás, que vem consolidando, há mais de 20 anos, uma ampla cultura de EE em todos os segmentos da sociedade. O Sebrae/RJ tem realizado parcerias com o Procel, desde o ano de 1987, com resultados expressivos, porém podemos dizer que é um grande desafio, que precisa ser constantemente reforçado.
Outro marco importante e mais recente do país foi a elaboração do Plano Nacional de Energia 2030, que incorpora o tema EE em seus estudos e menciona a elaboração do Plano Nacional de EE (PNEf). O Sebrae/RJ participou ativamente da elaboração do PNEf e contribuiu significativamente para a inclusão e desenvolvimento de um capítulo específico sobre a indústria de micro, pequeno e médio portes (Capítulo III). Isso, sem sombra de dúvida, foi um passo importante em nossa luta para conseguir indicadores energéticos estratificados e específicos da MPE.
CSS: Qual a sua opinião sobre as fontes renováveis e limpas de energia, tais como a eólica e solar? Elas são viáveis e podem ser vantajosas para os pequenos negócios?
RW: Considerando como fontes energéticas distintas a energia solar e a energia eólica, são vantajosas, porém ainda não totalmente viáveis para as MPE. A energia solar para aquecimento de água (uso em banhos, piscinas, etc) tem sido cada vez mais utilizada em hotéis, pousadas e clubes. Seu custo inicial é amortizado em torno de quatro anos, por meio de economia na conta de energia elétrica.
No caso da energia fotovoltaica e eólica – já temos, inclusive aqui no Estado do Rio de Janeiro, empresas nacionais fabricando aerogeradores pequenos – ainda precisamos avançar mais na questão da absorção de tecnologias, que sejam viáveis para os pequenos negócios, como já ocorre na Europa. Certamente ações de políticas de subsídio para uso dessas tecnologias também vão avançar. Não tenho dúvidas de que as energias renováveis darão uma contribuição cada vez maior e essencial à matriz energética brasileira.
Informe do Sebrae, publicado pelo EcoDebate, 12/12/2012