Cassuça Benevides e Neri Accioli
Apesar de oito em cada dez propriedades rurais brasileiras serem consideradas pequenas e dedicadas à agricultura familiar, o setor “ainda é o ponto fraco da corda”, segundo o diretor-executivo do IPAM, Paulo Moutinho.
Ao analisar a produção familiar em diferentes biomas, técnicos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Embrapa, Incra, Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de instituições da sociedade civil reunidos no Seminário do IPAM “Caminhos para uma Agricultura Familiar sob bases Ecológicas: produzindo com Baixa Emissão de Carbono”, corcordaram em vários pontos: os recursos para a agricultura familiar são muito menores e falta capacitação para uma produção mais sustentável.
Jorge Artur Oliveira produz hortaliças, frutas e cria gado leiteiro em um sítio de 28 hectares em Braslândia, região do entorno de Brasília. É adepto do sistema agroflorestal, comercializando sua produção diretamente ao consumidor em feiras organizadas por cooperativas: “Não existe incentivo específico para a agroecologia e os incentivos para a agricultura familiar não abrangem os micro e pequenos produtores, que são de fato os principais atuantes dos sistemas agroecológicos”. Como outros 4,3 milhões de pequenos agricultores, ele precisa ultrapassar outra barreira: conseguir adaptar-se às transformações provocadas pelas mudanças climáticas.
Segundo o pesquisador da Embrapa, Eduardo Assad, o total de chuvas não está mudando, mas a máxima diária sim. Isto causa impactos como o aumento da erosão, perda de fertilizantes (levados pelas chuvas) e inundações em áreas produtivas. “Os mais afetados são os pequenos produtores. Eles precisam estar perto da água, porque não usam sistemas de irrigação”, explica. Os modelos mais recentes apontam para redução das áreas de baixo risco, o que vai dificultar a concessão de crédito rural. “Os modelos só indicam impactos positivos para a cana-de-açúcar e tabaco”, afirma Assad, que é ex-Secretário de Mudanças Climáticas do MMA.
Parte da solução
De acordo com Valter Bianchini, Secretário de Agricultura Familiar do MDA, o governo está “em fase final da elaboração de um Programa Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica, construído por representantes da sociedade civil, mais de 10 ministérios e organizações ligadas ao tema”. Além de buscar formas que integrem lavoura, pecuária, florestas, preservem os respectivos biomas, o manejo de solos, a preservação dos rios, a presidente Dilma Rousseff anunciou na semana passada a criação de uma nova agência de extensão rural, que pode ajudar a garantir produtividade e renda.
A preocupação com a agricultura familiar faz sentido. Com 24,3% do total de terras destinadas à produção, os agricultores familiares se dividem em várias categorias: são ribeirinhos, pescadores, quilombolas, assentados, indígenas, populações tradicionais. Também são os que mais empregam (75% dos 16,5 milhões de trabalhadores no campo) e têm uma participação de 38% no total do valor bruto da produção agropecuária – percentual que se mantem estável há 10 anos.
Não existem estimativas oficiais, mas segundo o professor Paulo Kageyama, da Escola Superior de Agricultura da USP (Esalq), a percepção é que a maioria dos agricultores familiares produz sem agrotóxicos e não usa transgênicos por causa do custo. “A produção convencional custa quatro vezes mais do que a orgânica e o retorno não é tão maior”, diz. “O problema é a agricultura familiar querer copiar o agronegócio. Há muito menos pragas quando não se usa monocultura, menos perda da biodiversidade e mais qualidade no produto”, afirma.
Os pequenos também tiveram uma contribuição significativa na queda do desmatamento no país, segundo Moutinho. Nos últimos oito anos, os assentamentos da Amazônia, que englobam 78% da área total dos assentamentos do país, têm seguido a mesma tendência de redução no corte e derrubada de florestas. “Neste período, o desmatamento dentro dos assentamentos foi reduzido em 70%, numa proporção similar à redução do desmatamento da região, que foi de 66%”, afirma Moutinho, com base em análise realizada pelo IPAM em parceria com o Incra.
“A redução do desmatamento recente que vem acontecendo no Brasil até 2012 representa cerca de 2,2 bilhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono) que deixaram de ir para a atmosfera. Isto é mais do que todos os mecanismos do Protocolo de Quioto conseguiram reduzir. Mais do que o ETS europeu (sistema de comercio de carbono) conseguiu fazer,” de acordo com Moutinho.
“E uma boa parte disto vem da agricultura familiar, não no sentido de volume total, mas do que a gente chama de resíduo do desmatamento, que não é pouco – 4 mil km² não é pouco – mas pode ser uma contribuição grande da agricultura familiar acabar definitivamente com as taxas de desmatamento na Amazônia”, conclui.
Os especialistas acreditam que a produção familiar já produza com baixas emissões de gases que provocam o efeito estufa, mas a comprovação ainda está por vir. De acordo com Assad, não há medição de emissões em áreas de agricultura familiar.
Nesta sexta-feira (14), o seminário irá debater a agricultura familiar nos biomas do cerrado e caatinga.
Acesse as apresentações do evento:
O Estado atual das Mudanças Climáticas no Brasil- Paulo Moutinho, IPAM.
Mudança Climática e Agricultura – Eduardo Assad, EMBRAPA.
Painel 1. Produção Familiar de Baixo Carbono no Bioma Amazônia
Francisco de Assis Costa, UFPA/NAEA
Judson Valentim, EMBRAPA Acre
Painel 2. Produção Familiar de Baixo Carbono no Bioma Mata Atlântica
Vanderley Porfirio da Silva, EMBRAPA Florestas
Paulo Kageyama, USP/ESALQ
Painel 3. Produção Familiar de Baixo Carbono no Bioma Pantanal e Pampa
Carolina Joana da Silva, UNEMAT
Enio Sosinski, EMBRAPA Clima Temperado
Painel 4. Produção Familiar de Baixo Carbono no Bioma Cerrado
Rafael Tonucci, EMBRAPA Caprinos e Ovinos.
Thomas Ludewigs, CDS/UnB
Jorge Artur, ECOOIDEIAS
Painel 5. Produção Familiar de Baixo Carbono no Bioma Caatinga
Stéphanie Nasuti, CDS – UnB/Rede Clima
Informe do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), publicado peloEcoDebate, 08/07/2013