[Por Gilmar Ferreira dos Santos, para o EcoDebate] Nos últimos três anos os municípios de Caetité, Guanambi, Igaporã e Tanque Novo sofreram uma mudança radical com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida das populações do campo e cidade. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica nunca antes imaginado pela maioria dos moradores, “o negócio dos ventos”, com a implantação de centenas e mais centenas de aerogeradores. Mais do que aspecto econômico, a energia eólica trás consigo uma carga de contradições, as quais serão descritas ao longo do texto, como, por exemplo, contratos suspeitos, danos econômicos, sociais e ecológicos nas comunidades contando com a total conivência do Estado junto as empresas.
“Energia limpa para o Brasil” esse tem sido um dos principais e contraditórios lemas das empresas eólicas.
Atualmente, cinco grandes empresas vem atuando na região de Caetité: Renova Energia, Iberdrola, Polimix, Atlantic e EPP. Duas delas já iniciaram a implantação dos aerogeradores (Renova e Iberdrola), sendo que a Renova já inaugurou os primeiros 184 aerogeradores com capacidade de 294 MW. Vale ressaltar que tais inaugurações não passaram de mera formalidade, já que as linhas de transmissão para a comercialização da energia são de responsabilidade da CHESF, órgão do governo federal que não fez a implantação no tempo previsto, sendo, portanto, obrigado a pagar multa até que o parque entre em operação. Três novas empresas já encontram-se em fase de pesquisa e na corrida pelo licenciamento.
Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas de energia eólica na região. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas e a sujeira que sempre norteia empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos aerogeradores as empresas utilizaram de diferentes estratégias entre elas a celebração de contratos com proprietários e posseiros, compra de grandes extensões de terras, apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.
Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência daparte das corporações. Os trabalhadores se sentiram pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário de uma das empresas. Tal afirmação se expressa na Cláusula Oitava do contrato da Renova Energia: “Este contrato tem caráter de confidencialidade e deverá ser mantido em sigilo entre as partes, não devendo ser divulgado a terceiros fora do âmbito estabelecido nesse contrato” o que inibiu muitos trabalhadores a não procurarem orientações o que estava proposto no contrato. Em sua grande maioria, os trabalhadores desconhecem o conteúdo do contrato, sendo que algumas cláusulas põem em risco a autonomia dos moradores em suas terras e no direito de uso dos territórios tradicionalmente ocupados, como escrito em uma das considerações do contrato, (iii) o imóvel não estará localizado em áreas onde existam quaisquer comunidades indígenas, comunidades constituídas por remanescentes de quilombos ou outras comunidades tradicionais com direitos de reivindicação de propriedades (RENOVA ENERGIA).Contudo,os aerogeradores foram implantados em áreas de uso comum, o que, desde então, vem inviabilizando a forma tradicional de vida dos trabalhadores, pois os mesmos não podem ter acesso a áreas de solta do gado tendo prejuízos de ordem social e econômica. Portanto, são áreas constituídas por comunidades tradicionais e centenárias com direito exclusivo na posse desse território.
A empresa Iberdrola, por sua vez, se apropriou da parcela de áreas de gerais do município. É uma área de extrema importância ecológica, rica em biodiversidade e onde existe as principais reservas de água para o município. Os desmatamentos foram tão intensos que os sinais foram perceptíveis de maneira imediata principalmente com a diminuição drástica das reservas de água, além da invasão de propriedades particulares como denunciado através da Rádio Educadora Santana de Caetité: “Uma dessas empresas, teve a ousadia de invadir um terreno particular e abrir uma verdadeira cratera para armazenar água para o seu consumo particular. Isso tudo às margens da estrada que liga Caetité/Brejinho das Ametistas, mais propriamente na localidade conhecida por todos como “PASSAGEM DA PEDRA”. Lá existe a primeira Barragem que armazena água para o nosso consumo. O excedente escorre, juntando-se com várias outras pequenas nascentes, formando um pequeno riacho que passa pela fazenda Santarém chegando até a estação de captação da EMBASA.”(http://www.educadorasantana.com.br/?lk=18&id=2261).
Em todo o município, há fortes indícios de grilagem de terra.. A chegada das empresas despertou a especulação imobiliária em todas as comunidades. Valem ser ressaltados três casos emblemáticos: O primeiro envolve a disputa por área entre duas empresas, a Polimix e a Atlantic. A primeira empresa fez contratos de arrendamentos com os posseiros e proprietários, que compraram as suas posses de Newton Oliveira Barros e Lelia Regina Cardoso Vilasboas Barros. Passados mais de 20 anos da compra, os filhos do antigo proprietário venderam pela segunda a vez a área, desta vez para a empresa POLIMIX, que imediatamente entrou com um pedido de reintegração de posse, sendo expedido pelo juiz da comarca local, que de maneira imediata fez cumprir o mandadoderrubando mais de 3800 metros de cercas dos posseiros e as casas de moradia dos mesmos sem deixar tempo ao menos para retirarem seus pertences, que sob ameaças tiveram que sair correndo de dentro de suas casas, como mostra o filme “As contradições da energia limpa” (http://www.youtube.com/watch?v=pbOM-59_rZ8). Dias depois o Juiz qual juizrevogou a liminar; O segundo envolve a empresa EPP (Empresa Paranaense de Participações S/A) que comprou terras de um suposto proprietário, sendo que a área faz parte do território da comunidade quilombola de Malhada de Maniaçú, onde cerca de 40famílias ocupam a área há mais de 200 anos, portanto, há fortes indícios de grilagem de terra, já que o suposto dono era inexistente até então. Em uma reunião entre os quilombolas, a EPP Energia e a Comissão de Meio Ambiente de Caetité, realizada no dia 7 de março de 2012 o suposto proprietário confirmou ser dono da área: “Comprei do senhor Benvindo há uns dez anos uma área no tamanho de 700 hectares, quando medida deu somente 357 hectares, eu nem fiz questão”, disse ElderGuimarães, que atualmente é candidato a vice-prefeito na cidade de Guanambi. A fala de Elder foi contestada pelos moradores da comunidade, com fala como a de D.Odetina “Minhas criação, o poço pra meus animais beber água, está tudo dentro onde hoje esse senhor que está aqui diz que é dono” e do senhor Silvano que afirmou com veemência “nasci e me criei aqui, meu pai morreu com 85 anos, eu trouxe de dentro desta área muitas buracas de mandioca”; O terceiro e mais recente caso envolve também a empresa Polimix, que tem cercado áreas de maneira desenfreada através de compras suspeitas de propriedades. A comunidade de Angicos tem sido vítima num caso semelhante ao ocorrido em Malhada, um suposto dono das terras vem vendendo as áreas dos moradores da localidade, mais uma vez a empresa desrespeita os direitos de posse de comunidade tradicionais, no caso de Angicos os supostos donos forjaram escrituras, sendo que os moradores também possuem documentação das terras muito mais antigas do que as apresentadas pela empresa, o que mostra as tentativas de grilagens das terras.
Os valores estabelecidos pelos contratos pagos aos proprietários das terras são desproporcionais à margem de lucro que as empresas ganharão. A empresa determinou um valor de R$ 5.000,00/torre/ano. Considerando o potencial de cada torre (1,6 MW) em poucos dias de funcionamento um aerogerador paga pelo valor do contrato de um ano deixando uma margem de lucro muito grande para a empresa. Isso prova que o lucro e a riqueza propagandeada são apenas exclusividade da empresa, que acumula toda a riqueza e gera com sua presença o aumento das desigualdades econômicas e sociais.
Quanto a vigência, a cláusula quarta do contrato da Renova diz que o mesmo terá um valor de 35 anos, sendo renovado automaticamente ao final, não havendo mais interesse por parte da empresa a mesma pode rescindi o contrato sem ônus. O contrário para o proprietário, caso queira rescindir estará sujeito a multa de 5.000.000,00 (5 milhões de reais) e ainda pagar pelo valor de cada torre implantada, como descreve a cláusula sétima do referido contrato.
No dia-dia das comunidades os problemas começam a ganhar evidência, a exemplo da grande quantidade de água utilizada pelas empresas que acabou com reservatórios de muitas comunidades por conta da grande quantidade de poços perfurados, utilização de mananciais ou contaminação de reservas. Na comunidade de Brejo dos Padres em Caetité, a empresa chegou a retirar mais de 400 mil litros de água por dia comprometendo toda a produção de hortaliças da localidade, além escassear o abastecimento de água. Na comunidade de Aguani, também em Caetité, as detonações e terraplanagem destruíram as áreas de nascentes e a pouca água que sobrou perdeu completamente as qualidades de água potável, nem mesmo os animais conseguem beber . Existe ainda o risco de rolamento de sedimentos no período chuvoso tendo em vista que material foi depositado nas proximidades dos reservatórios sem a devida contensão. Nas proximidades da comunidade de Brejo dos Padres e Morrinhos no município de Guanambi a ação de Renova Energia provocou a destruição de um sítio arqueológico antes mesmo de um estudo profundo sobre os achados.
O Estado por sua vez opera em favor das empresas legitimando sua ação sobre os territórios tradicionais através do licenciamento e financiamento dos empreendimentos, além de montar toda infraestrutura necessária ao funcionamento.
A partir dos estudos elaborados pelas empresas o órgão de licenciamento só teve o trabalho de licenciar e não fiscaliza a ação das empresas, muito menos a ocorrências dos impactos sobre as comunidades. Além disso, permite que as empresas pressionem as comunidades e se apropriem de seus territórios. A regularização fundiária é um problema constante já que as empresas invadem propriedades e áreas de posseiros. O Estado é ágil para fazer o licenciamento e é intencionalmente inoperante na regularização dos territórios tradicionalmente ocupados o que tem agravado os conflitos em toda a região. Essa realidade não ocorre unicamente em Caetité, se estende por todas as regiões de norte a sul e de leste a oeste não restando um palmo de chão que não esteja sendo especulado.
Tais elementos nos faz reafirmar que jamais existirá energia limpa quando esta alimenta um capital sujo, explorador e depredador de recursos naturais. A energia eólica representa mais atividade que transforma os recursos naturais numa grande mercadoria assim como é feito com a terra e a água.
Por Gilmar Ferreira dos Santos
Agente da Comissão Pastoral da Terra – Equipe sul sudoeste da Bahia.
EcoDebate, 05/10/2012