[EcoDebate] No último dia 4 um grupo de Stanford publicou pesquisa que, por alguns dias, foi considerada um duro golpe para a produção orgânica de alimentos. As primeiras (e sempre mais retumbantes) notícias diziam que o teor nutritivo de alimentos convencionais e orgânicos seria igual.
Você, que não faz parte da massa de leitores apressados, merece mais profundidade. Talvez pela divulgação antes de um feriadão, nossos repórteres não se deram ao trabalho de ler o artigo científico, que já em seu resumo estampa que os níveis de contaminação são menores em alimentos orgânicos, assim como a quantidade de bactérias resistentes a antibióticos é maior em frangos e suínos convencionais que em orgânicos.
Se tivessem lido o resumo, também desconfiariam dos vários adjetivos, como “pequeno” e “alto”. Até meus jovens alunos de graduação já sabem que isso não é aceito em linguagem científica porque o que é pequeno para você pode não ser para mim. No caso, o que é pequeno para o Instituto Freeman Spogli, que recebe recursos da empresa Cargill e cujos afiliados assinam este artigo, pode não ser pequeno para outras pessoas. O que é pequeno para Ingram Olkin, estatístico que já recebeu recursos da indústria do tabaco e que também assina este artigo, pode também não ser pequeno para você.
Para evitar a subjetividade, a ciência inventou, há centenas de anos, alguns métodos estatísticos que hoje se ensinam até em nível médio e que possibilitam usar a palavra “significativamente maior” ou “menor” e também explicitar este nível de significância. Para pesquisadores mortais, aqueles que não ostentam uma grife poderosa como Stanford, não há como publicar um artigo científico sem isso.
Sempre passo o lápis vermelho em expressões do tipo “todas as estimativas de diferenças em níveis de nutrientes e contaminantes em alimentos foram altamente variáveis”. Alguém espera não encontrar variação? Frases como esta flagram um desejo de jogar uma nuvem de fumaça por cima do fato inescapável de que alimentos orgânicos possuem menor quantidade de contaminantes químicos e biológicos que nos fazem mal.
A divulgação enfocou o teor nutricional dos alimentos. Alimentos orgânicos não são, nem nunca pretenderam ser, melhores por terem mais do bom. Eles são melhores por terem menos do ruim, e a raiz do problema é que este ruim nos mata, mas não tem cheiro ou sabor, ao contrário das manchetes falaciosas sobre este artigo cientificamente fraco. Estas, sim, cheiram mal.
Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB – Paulo Afonso e Duke – EUA. http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/
EcoDebate, 09/10/2012