Projeto de proteção e recuperação ambiental aliado ao resgate da dignidade de vida de famílias agricultoras nos assentamentos está sendo viabilizado pela prática agroflorestal em diversas localidades do país.
Famílias agricultoras de assentamentos de Reforma Agrária, em diversos municípios do Brasil, estão sendo beneficiadas pela adoção dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) com apoio da Cooperafloresta – Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo/SP e Adrianópolis/PR.
Trata-se de mais uma ação do Projeto Agroflorestar, patrocinado pela Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental, que busca o equilíbrio entre o desenvolvimento humano e o meio ambiente.
Atualmente, cerca de 180 famílias agriculturas assentadas, distribuídas nos municípios de Morretes, Antonina, Paranaguá, Serra Negra (Litoral do Paraná), Lapa (grande Curitiba/PR), Ribeirão Preto e Apiaí (ambos em São Paulo) estão tornando seus lotes em um modelo viável de produção alternativa à monocultura e um exemplo de reforma agrária bem-sucedida.
Cada localidade com suas peculiaridades climáticas e comunidades diversas, estão se integrando em torno de um só objetivo: proteção e recuperação ambiental aliadas ao resgate da dignidade de vida das famílias. “Para tanto, o trabalho é detalhado, moroso, mas satisfatório”, diz Nelson Correia Neto, engenheiro agrônomo, técnico da Cooperafloresta.
“Apesar dos assentados já terem conhecimento sobre o respeito ao meio ambiente em razão do engajamento na causa da Reforma Agrária, na maioria dos lotes, a exemplo dos de Ribeirão Preto, as terras estão desgastadas pelo uso de agrotóxicos, heranças deixadas pelo cultivo da cana de açúcar”, explica Nelson Correia Neto.
“Diante disso, continua o técnico da Cooperafloresta, como em toda implantação do Sistema Agroflorestal da Associação, o processo, na sua íntegra, necessita do nosso apoio – do modelo de manejo, assessoramento técnico nos processos de organização, formação e, principalmente, na capacitação das famílias agricultoras”, enfatiza.
Ribeirão Preto
Em Ribeirão Preto, 90 famílias agricultoras do assentamento Mário Lago estão engajadas e a satisfação é evidente nas palavras de Zaquel Miguel de Carvalho, assentado oficialmente no município desde 2008. “Desde que estivemos em Barra do Turvo e pudemos ver o quanto nossa terra pode trazer felicidade, comprei a ideia. É disso que precisamos aqui no Mário Lago. Nossas terras foram destruídas e precisamos desfazer o mal que fizeram por aqui. Nossa água está contaminada pelo agrotóxico que aqui colocaram. Mas aprendi: agora estamos plantando água e terra”, comemora Zaquel Miguel de Carvalho.
“Percebemos que o êxito da agrofloresta em Ribeirão Preto será fundamental para o êxito do próprio assentamento, potencializando sua proposta de reunir recuperação ambiental e produção. O que nos deixa exultante é perceber que as lideranças e famílias locais estão se apropriando, cada vez mais, do Projeto Agroflorestar e sua proposta”, comemora o engenheiro Nelson.
Sistemas Agroflorestais no Litoral do Paraná
Em Antonina e Morretes, Litoral do Paraná, a fase é de consolidação regional da agrofloresta, sob a liderança do Grupo Gralha Azul, do Assentamento Pantanal, oficializado desde 2007. Na região, o trabalho de desenvolvimento dos sistemas agroflorestais também contempla os municípios de Serra Negra (comunidade Rio Bananal) e Paranaguá (colônia Maria Luiza), somando 25 famílias, que já estão com áreas implantadas ou em processo de implantação e engajamento.
“A Cooperafloresta trouxe uma nova vida para todos nós. Está sendo uma experiência marcante, pois vemos, dia após dia, maior diversidade de alimentos nas nossas mesas, nossos filhos dedicados a estudar para dar continuidade às atividades no campo, as mulheres envolvidas na transformação dos alimentos e nós desejando replicar nossos conhecimentos”, relata Ademir Fernandes, membro do Grupo Agroflorestal Gralha Azul /MST e articulador regional do Projeto em Morretes.
O agricultor agloflorestal lembra que as terras dos lotes dos assentamentos produziam pouca diversidade de alimentos e com pequena produtividade, o que não permitia que as famílias sobrevivessem da própria produção. Além disso, as terras precisavam ser fortalecidas e a prática agrícola ser harmonizada com a Natureza. “Depois que a Cooperafloresta chegou, temos consciência de que podemos viver das nossas terras, produzir, colher, vender e replicar os ensinamentos da Associação”, completa Ademir Fernandes, que há quatro anos se tornou um agricultor agloflorestal e deixou de trabalhar com outras atividades para se dedicar integralmente aos sistemas agroflorestais.
Intercâmbio é fundamental
No assentamento Contestado, com 108 famílias do MST, na Lapa (Paraná) há outro exemplo da importante atuação da simbiose entre todos os envolvidos no processo dos SAFs. “Os intercâmbios de troca de conhecimento com as famílias agricultoras agroflorestais de Barra do Turvo, cidade sede da Cooperafloresta, são de fundamental importância no processo, socializando suas experiências com agloflorestas com a propriedade de atuação de mais de 15 anos da nossa Associação, como os assentamentos com modelos de reforma agrária com agroflorestas”, friza o engenheiro agrônomo Nelson.
Na Lapa, 40 famílias implantaram áreas piloto de 750 m², em caráter experimental e demonstrativo. No município já havia um espaço consolidado de formação agroflorestal junto à Escola Latino-Americana de Agroecologia, que se localiza no Assentamento, “mas, conta o engenheiro Nelson, proporcionar uma maior integração entre as famílias assentadas da Lapa e as do litoral com potenciais reflexos positivos, até mesmo para a estratégia de comercialização, com intercâmbio de produtos de maior potencial de produção no clima mais tropical no litoral e com produtos de maior potencial de produção no clima mais frio da Lapa é fundamental no processo”, esclarece o técnico da Cooperafloresta.
Desafios
Para o sucesso da implantação dos SAFs, estudos e pesquisas diárias são realizados. Para citar apenas um exemplo, o engenheiro Nelson fala sobre as intempéries climáticas e solos diversos, em cada região. “Geramos, na Cooperafloresta, um planejamento diferenciado para pelo menos quatro situações de clima e exposição solar. Além disso, são fundamentais os planejamentos específicos para a seleção e locação das espécies componentes dos diversos estratos, de acordo com as condições climáticas específicas em cada município”, esclarece.
Para tanto, o engenheiro agrônomo Nelson Correia é apenas um entre dezenas de pessoas envolvidas no processo para a concretização das SAF’s, já que o resultado satisfatório é decorrente de um processo continuado de organização, formação e assessoria técnica para o desenvolvimento das agroflorestas, certificação participativa e comercialização coletiva.
“Em alguns lotes já houve anteriormente experiências diversas em busca de resultados positivos, mas, diante do fracasso, muitos nos ouvem com receio. Mas, após as visitas à Barra do Turvo; vivências com famílias agricultoras que mudaram seus destinos graças aos sistemas agroflorestais da Associação, a esperança toma conta de todos novamente”, relata Nelson.
Na prática
Na prática, permitem um ganho de diversidade em relação à monocultura, uma vez que nos mesmos lotes menores passam a gerar vários tipos de produtos e se tornam fontes de renda sustentáveis. Outra vantagem é que os SAFs não exigem o uso de insumos químicos e nem desmatamento, já que podem aproveitar a cobertura vegetal já existente.
Cultivos em equilíbrio não se exaurem
O sistema agroflorestal mistura espécies agrícolas e florestais em uma mesma área. Com isso, o uso da terra combinado é capaz de otimizar a captação de nutrientes do solo, bem como de promover a reciclagem de nutrientes do material vegetal (troncos, galhos e folhas) que são constantemente podados. No sistema convencional, de monocultivo, o solo geralmente chega a um ponto em que fica completamente degradado e sem nutrientes para produzir e manter as reservas naturais. Os cultivos em equilíbrio não se exaurem, mas colaboram entre si, mutuamente.
“Mas se trata de um modelo de manejo que necessita de apoio, assessoramento técnico nos processos de organização, formação e, principalmente, na capacitação das famílias agricultoras. Além disso, o planejamento dos sistemas agroflorestais, do beneficiamento, agroindustrialização, certificação e comercialização da produção. Esse tem sido o papel da Cooperafloresta, desde que iniciamos nesta empreeitada”, completa Nelson Correia Neto.
Sobre o Agroflorestar
O Projeto Agroflorestar adota a ferramenta de cultivo e produção agrícola sustentável, já que não permite monoculturas, pesticidas, transgenia e garante o trabalho sustentável dos produtores rurais agroflorestais. Consiste na elaboração, implantação e manutenção de ecossistemas produtivos que mantenham a diversidade, a resistência, e a estabilidade dos ecossistemas naturais, promovendo energia, moradia e alimentação humana de forma harmoniosa com o ambiente.
http://agroflorestar.org.br
Sobre a Cooperafloresta
A Cooperafloresta fundada em 2003 atua diretamente com 110 famílias agricultoras e quilombolas. Promove o fortalecimento da agricultura familiar assessorando os processos de organização, formação e capacitação das famílias agricultoras, planejamento dos sistemas agroflorestais, além do beneficiamento, agroindustrialização, certificação participativa e comercialização da produção.
http://cooperafloresta.org.br/
Colaboração de Josi Basso, jornalista, para o
EcoDebate, 28/11/2012