Usinas no rio Madeira. Ilustração no site Nosso Futuro Roubado
Usinas da discórdia – Uma guerra por água está sendo travada na Amazônia brasileira. Jirau e Santo Antônio, as usinas hidrelétricas do Rio Madeira (RO), que somam investimentos de mais de R$ 30 bilhões, discutem um pedido de alteração de cota do reservatório (o nível da água) que pode resultar em uma queda d”água maior em uma usina, com prejuízo para a outra. Cada centímetro a mais na profundidade nas barragens, acompanhado de investimentos adicionais em turbinas, resulta em maior potência na geração de energia elétrica por décadas e, por consequência, maior receita para o empreendedor. Daí a disputa que envolve uma quantia estimada em mais de R$ 2 bilhões, em valores de hoje, pela energia gerada por 30 anos. Matéria de Danilo Fariello, em O Globo, socializada pelo ClippingMP.
O governo assiste à briga entre as gigantes do Rio Madeira na torcida por um acordo entre elas que resulte no aproveitamento máximo da calha do rio, tendo em vista que essa solução apresentaria o melhor resultado para o Sistema Interligado Nacional (SIN), por meio do qual a energia é distribuída para todo o país.
O consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) – que opera Jirau e cujo controlador é a multinacional GDF Suez – sustenta que, sem alterar nenhum centímetro de ambos os reservatórios, seria possível obter ganho de 80 megawatts (MW) médios em sua usina com quatro novas turbinas. Isso evitaria a necessidade de debater novas licenças ambientais, com audiências públicas ou riscos imprevistos. Jirau, no entanto, teve esse pedido negado pelo governo.
Já o consórcio Santo Antônio Energia (SAE), que tem entre seus sócios Furnas, Cemig, Odebrecht e Andrade Gutierrez, fez um pedido de avaliação ao governo para instalação de seis turbinas adicionais, o que exige elevação da cota do seu reservatório de 70,5 metros para 71,3 m. Segundo o grupo, seu projeto foi apontado pelo governo como aquele que propicia o maior ganho energético para o complexo do Rio Madeira, considerado, assim, com “aproveitamento ótimo” para o SIN.
“Essa energia firme adicional equivale a uma nova usina com potência instalada de 800 MW, sem os impactos socioambientais que uma nova usina deste porte acarretaria”, argumentou, em nota, o consórcio responsável por Santo Antônio.
Jirau alerta para risco ambiental
A elevação da cota (profundidade do reservatório) de Santo Antônio reduziria a queda d”água em Jirau, que fica antes (de Santo Antônio) no curso do Rio Madeira. Essa elevação de cota pretendida implicaria, segundo os argumentos de Jirau, queda na sua geração de energia e um impacto socioambiental bastante significativo, com riscos de alagar, no período de chuvas, parte da cidade de Jaci-Paraná (RO), além da rodovia BR-364 e da Ferrovia Madeira-Mamoré, que têm pontes atravessando o rio.
- A proposta de esvaziamento rápido do reservatório na época de cheia, previsto no pedido, criaria um tsunami na região. É um crime ambiental e social, podendo afundar balsas e atingir ribeirinhos e pescadores – afirmou Victor Paranhos, diretor-presidente do consórcio responsável por Jirau.
Por meio de um comunicado enviado ao GLOBO, o consórcio de Santo Antônio, que não concedeu entrevista, informou que o pedido de elevação de cota já teve pareceres favoráveis do Ibama e da Agência Nacional de Águas (ANA), embora esses pareceres não sejam definitivos. “Desde julho, o Ibama, com base em extensos estudos efetuados, se manifestou positivamente sobre esse projeto”, disse.
Paranhos criticou o parecer da ANA, por considerá-lo omisso em relação ao impacto ambiental dessa proposta. A agência transfere ao consórcio de Santo Antônio a responsabilidade pela avaliação dos impactos ambientais sobre a ponte da BR-364, que corta o Rio Madeira. “Para poder aferir esses resultados, somente com um novo levantamento em campo. Nesse sentido, entende-se que o SAE (Santo Antônio) é inteiramente responsável pela veracidade das informações prestadas à ANA”, afirma o parecer.
No último dia 31, a Advocacia-Geral da União (AGU) derrubou na Justiça ação, apresentada pelo Ministério Público Federal e pelo MP de Rondônia, para impedir que o Ibama autorizasse ou emitisse qualquer licença ambiental referente à elevação da cota do reservatório de Santo Antônio, de 70,5 m para 71,3 m, conforme solicitado pela empresa. Os procuradores apontaram risco ambiental em razão do desbarrancamento de margens do Rio Madeira em consequência do represamento de Santo Antônio. De acordo com o MP-RO, a situação foi reconhecida pelo próprio SAE em janeiro, quando se comprometeu a promover uma reanálise do comportamento do fluxo das águas do Rio Madeira, tendo sido apresentado estudo no qual o consórcio diz que passará a evitar a movimentação simultânea de duas ou mais comportas no mesmo sentido.
A AGU venceu o processo no fim de outubro com base no argumento de que ainda não houve solicitação formal pelo SAE do licenciamento ambiental para elevação da cota. “Não haveria, portanto, qualquer ato concreto que indicasse alguma ilegalidade praticada pelo Ibama”, indicou a AGU em nota. Ainda segundo a Advocacia-Geral da União, o pedido “ainda não foi objeto de análise pelo Ibama e pela ANA, órgãos competentes para deliberar a respeito do assunto, sendo certo que sequer se sabe se o pleito será deferido ou não, baseando-se os agravantes em presunções”.
Beneficiada pode ter de indenizar
Já o consórcio de Jirau enviou, no fim de outubro, cartas ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e demais autoridades envolvidas na avaliação do pedido de Santo Antônio, solicitando esclarecimentos sobre a posição do governo. Na ANA e na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a empresa responsável por Jirau entrou com recursos administrativos questionando as avaliações feitas.
Afora os riscos ambientais que aponta, o consórcio solicita que, se o reservatório de Santo Antônio for elevado de forma a reduzir a queda d”água de Jirau, a usina com a qual compartilha o leito do rio entregue compensações financeiras à companhia prejudicada.
- Achamos que não vai haver quebra de contrato, por isso vamos tomar as medidas necessárias para alertar as autoridades. Mas, se não aceitarem nossos recursos administrativos, a legislação brasileira nos dá direito de irmos à Justiça – afirmou Paranhos.
EcoDebate, 12/11/2012