Mais de 1,2 mil crianças e adolescentes viciadas em crack vivem nas ruas de São Paulo (Tânia Rego/ABr)
Os problemas com a família antecedem o uso de drogas por crianças e adolescentes, a conclusão é de Ana Regina Noto, professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, um estudo feito no ano de 2004, em 27 capitais.
Segundo Ana Regina, existem nas ruas crianças e adolescentes que trabalham, não se envolvem com drogas e têm consciência que elas causam problemas, pois têm uma base familiar que lhe serviu de exemplo. “Temos o grupo de adolescentes que estão nas ruas, trabalhando, e que pegam esse dinheirinho e levam para suas casas e ajudam no sustento das famílias. Esses adolescentes estão usando o espaço das ruas, mas não se envolvem com o crack porque tiveram gerações anteriores que lhes serviram de exemplo. E eles sabem que se se envolverem com o crack, isso vai afetar o rendimento e o trabalho deles. Em geral, têm uma história de escola, alguns frequentam a escola, têm vínculos de família um pouco mais preservados. Já o menino que está na rua porque não teve mais condições de ficar com a família é o menino de rua”, explicou.
Para a coordenadora, quando essas crianças e adolescentes passam a viver nas ruas, geralmente isso é resultado de sérios problemas na família. Durante o estudo que coordenou em todo o país, ela disse ter constatado que muitas vezes eles tentam voltar para o ambiente familiar. “Eles estão bem na rua? Não. Eles tentam voltar constantemente para casa. Mas o que ocorre é que eles voltam para casa esperando por uma família diferente. Mas eles vão encontrar exatamente aquela família com quem um dia tiveram dificuldade de convivência. E aí acabam voltando para a rua”, declarou.
De acordo com Ana Regina, elas então começam a viver nas ruas, de fato, e ficam mais vulneráveis ao uso de drogas, entre elas, o crack. “A maior parte dessas histórias é muito triste, de relações com a família muito complicadas. Há desde os meninos cujos pais morreram, e ninguém quis ficar com eles, até aqueles que ficaram com a mãe, que assumiu outro relacionamento, e que não os aceita; e têm aqueles cujas famílias não conseguem dar conta por doenças relacionadas à saúde mental ou de violência São histórias que variam bastante, mas o que têm em comum são casos severos de que a família não deu conta de cuidar dessas crianças ou adolescentes”, disse.
Com as relações com a família conturbadas, o espaço da rua acaba se tornando mais atrativo para a criança e o adolescente do que a própria, ressaltou a pesquisadora. “Na casa falta comida, afeto, segurança e uma série de carências. Então ele vai buscar, na rua, um espaço de convivência com outras crianças e adolescentes que estão em situação parecida, o que não rem em casa. Lá ele não apanha e é acolhido pelo grupo”, declarou. “O menino de rua tem perspectivas mais limitadas, uma outra perspectiva de rua e, portanto, ele tem menos motivos para não usar [drogas]. E a rua convida para o uso”, completou.
Na avaliação da pesquisadora, um tratamento para essas crianças e adolescentes só teria sucesso se for acompanhado por um resgate de sua cidadania. “Como tratar o crack se você não oferecer alguma coisa além? A base do problema desse menino não é o crack, são os vínculos com a família, com a escola. Não adianta um tratamento focado no crack. Deve-se fazer um trabalho que envolva a família ou que dê condições para ele se desenvolver”, ressaltou.
Reportagem de Elaine Patricia Cruz, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 11/03/2013