Em 70,19% dos casos, o agressor é o atual ou o ex-companheiro e, quase sempre , o crime ocorre dentro da r esidência do casal. O perfil da mulher que apanha e o do homem que bate e mata podem ser facilmente identificados . Com base em estatísticas oficiais da Polícia Civil do DF e na opinião de especialistas, a Revista do Correio mostra o que está por trás desse processo em que o assassinato da parceira pode ser o desfecho mais trágico. Matéria de Olívia Meireles, no Correio Braziliense, socializada pelo ClippingMP.
Quando um homem mata a mulher/namorada/ex-companheira, é comum ouvir nos relatos dos parentes que eles nunca imaginaram que isso pudesse acontecer , que foi uma surpresa. Até que um vizinho resolve falar: “Tinha muita gritaria à noite. Volta e meia, acordávamos assustados ” . Nos registros da polícia, alguns boletins de ocorrência descrevem ameaças, injúrias e difamações, mas a denunciante nunca aceitou as medidas protetoras. Não quis ser encaminhada para um abrigo . Avaliou que não corria risco de morte . As ameaças eram vazias. Só foi à delegacia para assustá-lo . Logo depois, uma amiga mais próxima conta que ele a obrigava a manter relações sexuais mesmo sem a sua vontade. Ela sentia que era o seu dever como mulher. Aí, descobrem que ele já tinha rasgado as suas roupas e quebrado o seu computador quando estava mais nervoso. Tinha ciúmes além do normal. Ele a seguia no trabalho , ligava diversas vezes por dia e envolvia amigos, parentes e familiares nas brigas do casal. “Mas isso é coisa de homem apaixonado . Ele nunca encostou um dedo nela ” , diziam. Os sinais estavam ali. Só que ninguém somou os acontecimentos. A mulher nunca quis relatá-los com detalhes para ninguém. Uma ou outra pessoa sabia alguma coisa, mas não muito a fundo . A vítima ficava constrangida de contar a violência psicológica e mo-r al que sofria e também queria protegê-lo .
Pois, como se costuma ouvir: “Nos momentos em que ele não estava agressivo , era bastante carinhoso . Além disso , nunca tinha batido nela. Um tapa ou um empurrão eventualmente, mas nada muito grave ou que tirasse sangue. Ele não a cortou com faca ou tentou sufocá-la com o fio de telefone . Isso é coisa que só aparece no jornal” . Na percepção da mulher, o companheiro pode até parecer inofensivo, justificar que foi o calor da emoção, mas esse tipo de comportamento é um sinal claro de que essa história de amor pode acabar em tragédia. Os relatos estão aí estampados nas capas dos jornais. Na semana em que se co-memorou o Dia Internacional da Mulher , vimos uma jovem ser esfaqueada dentro de um shopping pelo ex-marido, uma outra ser enforcada por um fio de telefone pelo companheiro, e também acompanhamos, passo a passo , o julgamento do goleiro Bruno . Em 70,19% dos casos da violência doméstica contra a mulher, o agressor é o companheiro ou o cônjuge da vítima. Acrescentando os demais vínculos afetivos (ex-marido , namorado e ex-namorado), esse dado sobe para 89,17%. No Brasil, uma mulher é agredida a cada cinco minutos e, quase sempre, o crime acontece dentro da própria residência do casal.
Segundo estatísticas da Polícia Civil do Distrito Federal, um homem com características possessivas e violentas em até cinco anos está agredindo fisicamente a mulher. Outro dado alarmante: se em até um ano após o fim do relacionamento ele continuar perseguindo , ameaçando e procurando a ex-companheira de forma inadequada, o risco de ela ser assassinada cresce exponencialmente. Isso não é comportamento de homem apaixonado. É coisa de gente perigosa. São os sinais claros de um potencial assassino . É importante entender que ele não se tornou violento do dia para a noite. Desde o início da relação , apresentou comportamentos possessivos e enxergava a mulher como sua propriedade, e não como companheira. Ele começou dizendo quais roupas ela podia e não podia usar, quais comportamentos desaprovava e quais amizades queria que ela mantivesse. Depois, partiu para violência psicológica para diminuir a sua autoestima (chamá-la de burra, gorda e feia). Até que passou a agredi-la moralmente (vadia, puta, sem vergonha). Nesse momento, o relacionamento deixa de ser apenas complicado para se tornar um caso de polícia. “Terminar um relacionamento violento é o único jeito de acabar com esse tipo de abuso .
Mas é nesse processo de terminar que a maioria das mulheres é morta ” , escreve Gavin de Becker em seu livro The gift of fear (sem versão brasileira). De acordo com estudos da violência doméstica, a maioria dos crimes não acontece no calor de uma briga. O homem que mata, normalmente, to-ma a decisão de matar. O assassino planeja, persegue e ameaça a vítima. Ele pode ser “provocado” porque ela resolveu terminar a relação e ele não aceita. Ou após um longo período depois o fim do relacionamento, ele volta a procurá-la porque descobriu que ela arrumou um namorado novo. “O crime doméstico é o mais fácil de se prever . É um ciclo , que vai ficando cada vez mais violento. Mas, mesmo assim, as pessoas custam a acreditar que ele pode acontecer” , finaliza Gavin. Afinal, quem entende como um homem pode matar a própria mulher? Mas, acredite, esse cri-me tem um padrão, personagens fixos, um ciclo e até uma solução.
EcoDebate, 11/03/2013