Estudo sobre aplicação do programa ABC mostra que número de contratos está muito abaixo do necessário para cumprir compromisso até 2020 de diminuir gases de efeito estufa
A meta brasileira de redução das emissões de gás carbônico por parte do setor agrícola está ameaçada de não ser cumprida até 2020, como estabelece lei federal. E o problema nem é falta de dinheiro, mas a baixa adesão dos produtores a uma linha de crédito voltada justamente para financiar ações. Matéria de Giovana Girardi, em O Estado de S. Paulo.
A estimativa é de um trabalho do pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa, que analisou a evolução do chamado plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). Lançado no final de 2009, ele é parte de um compromisso maior que o Brasil assumiu na Conferência do Clima da ONU em Copenhague de reduzir suas emissões de gases de efeito até 2020. A maior fatia viria da redução do desmatamento, mas outros setores também receberam metas próprias, como energia, indústria, transporte. À agricultura coube a missão de reduzir a emissão de 133 milhões a 166 milhões de toneladas de carbono até 2020.
A premissa é que a atividade agrícola pouco eficiente emite muito carbono – por exemplo, ao revolver o solo, libera o carbono que está aprisionado debaixo da terra – e outros gases que tem um potencial ainda maior de promover o efeito estufa, como o metano proveniente da digestão do gado e o óxido nitroso dos fertilizantes. Mas algumas práticas, como a recuperação de pastagem e a integração lavoura-pecuária-floresta, entre outras, podem reduzir esse impacto.
Para incentivar essas ações, o governo chegou a criar uma linha dentro do crédito rural, o programa ABC, voltada especificamente para financiar essas mudanças no campo. O novo estudo concluiu, porém, que da forma como que ele está sendo conduzido, o governo não conseguirá cumprir a meta.
Desde 2010, quando ele foi lançado, houve somente cerca de 3000 contratações financeiras. A expectativa era que até 2020 em somente uma atividade, a recuperação de pastagem – considerada a de maior potencial de mitigação das emissões – deveria haver 78 mil contratos. Esse é o número que se calculou ser necessário para recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas no País. Estima-se que o País inteiro tenha quase 60 milhões de hectares nessa situação.
A boa notícia é que de 2010 para cá novos estudos de campo mostraram que o potencial de redução das emissões com a recuperação de pastagens é muito maior do que se imaginava anteriormente. Com alta adesão dos pecuaristas e um número de contratos anual mais de quatro vezes maior do que o verificado até 2013 (12.488 contra 2.800), o ABC pode cumprir até 239% de sua meta, evitando a emissão de 241,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente. “A agricultura poderia contribuir muito mais com a meta total do País”, afirma Assad.
E o problema, explica o pesquisador, nem é falta de verba. Só para o ano agrícola 2012/2013 o valor disponível era de R$ 3,5 bilhões no Banco do Brasil e no BNDES. Mas até janeiro, quando foi finalizado o levantamento, somente R$ 1,7 bilhão havia sido contratado. A dificuldade maior, acredita o pesquisador, é a burocracia de acesso ao crédito ABC e a pouca informação que chega aos produtores.
“Em 2010, 2011 houve pouquíssimos contratos, só agora começou a deslanchar, mas ainda é pouco, nesse ritmo não vai dar para cumprir a meta, que é lei federal. Há um certo desconhecimento do agricultor do que é o plano. A política de explicar tem de ser mais agressiva”, afirma Assad.
Tradicionalmente a política de crédito agrícola no Brasil foi voltada para o que os especialistas chamam de “lavoura solteira”. Ou seja, para o financiamento só de soja, ou só de cana, etc. Coisas que os bancos já sabem bem como financiar e os produtores sabem bem como pedir.
O plano ABC é mais amplo, pensado para sistemas de produção, como a integração lavoura-pecuária-floresta. O que exige um projeto por parte do produtor. E muitos ainda não sabem como fazer ou nem conhecem o programa. “Por outro lado, há um gargalo ainda nos bancos, que analisam de maneira burocrática e muito demorada”, diz.
Transmissão de conhecimento
Ele defende que para alavancar o programa, é preciso ter um esforço de treinamento dos dois lados, mas principalmente ensinar o produtor a trabalhar com isso. A ideia é que universidades que tenham cursos ligados ao setor, escolas técnicas, sindicatos, cooperativas, escritórios de assistência técnica (Emater), e a própria Embrapa atuem nesse sentido. Por isso, o estudo divulgado hoje traz um levantamento dessa base de conhecimento instalada no País ¬– foram localizadas mais de 7000 instituições desse tipo – e também uma lista de 1.400 municípios prioritários para a implementação do ABC.
O mapeamento mostrou que no Nordeste é onde tem mais pasto degradado no País, ou seja, onde a taxa de ocupação de boi por hectare é a menor. Em seguida vem os Estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Há dois caminhos, ou começar por onde não tem nada de estrutura, mas o campo está mais precário, ou onde já tem alguma base de conhecimento.
“É uma ideia muito boa que não pode empacar por burocracia. Com essas mudanças, será um bom negócio para o próprio setor, que vai ter uma agricultura limpa, conseguir certificação para vender no exterior e ainda mitigar efeito estufa”, afirma Assad.
Observatório
O trabalho foi divulgado na manhã desta terça durante o lançamento do Observatório ABC, uma plataforma virtual capitaneada pela FGV-Agro com o objetivo de ajudar nesse processo de alavancar o plano.
“Há um diagnóstico de que o programa não está indo no ritmo necessário e temos um levantamento que mostra que há sindicatos, cooperativas, escolas agrícolas cobrindo quase todo o País. A ideia é aumentar a capilaridade do programa por meio desses agentes para que eles possam transferir o conhecimento”, afirma Angelo Costa Gurgel, coordenador do observatório.
O site trará estudos sobre o tema e sugestões da sociedade de como o plano pode melhorar para atingir a sua meta.
EcoDebate, 15/05/2013