O Brasil, uma superpotência agrícola de altos e baixos com terras férteis em abundância, está lutando para fornecer alimentos de forma consistente a preços acessíveis para sua população. Reportagem da Reuters, no UOL Notícias.
Para entender como, considere o tomate.
Os preços da fruta vermelha dispararam 122 por cento em março ante o ano anterior, colocando-o na capa de duas revistas nacionais, estimulando relatos de tráfico de tomate da Argentina e acendendo indignação nacional sobre como qualquer produto poderia custar mais nos trópicos do que em, digamos, o frígido Alasca.
A produção do Brasil de commodities de exportação como soja, milho, açúcar e café está crescendo mais rápido do que em qualquer lugar do mundo, e ninguém está alertando sobre uma iminente escassez de alimentos em um país tão rico em recursos naturais.
Mas a maior economia da América Latina está se tornando um conto de duas contrastantes políticas agrícolas. Culturas de exportação são um modelo de capacidade tecnológica e alta rentabilidade, enquanto as fazendas responsáveis ??pela alimentação de uma classe crescente de consumidores permanecem quase nas mesmas condições há décadas: em sua maioria pequenas e familiares.
Oprimidos por dívidas, vulneráveis ??a danos do tempo e espremidos para fora de suas terras pelas culturas de commodities, essas fazendas são o primeiro elo de uma longa cadeia de ineficiências que fizeram os preços dos alimentos subirem em um país ainda marcado pela sua longa história de inflação galopante –complicando os esforços da presidente Dilma Rousseff para retomar o crescimento econômico.
“O governo não sabe o que é agricultura, ele só sabe o que é agricultura na balança comercial”, disse o agricultor Cyro Cury, que cultiva 10 tipos de tomates em uma fazenda em Salto, no interior de São Paulo.
“Não temos nenhuma estratégia de trabalho, nenhum levantamento de dados das regiões… A gente não pode ser chamado de celeiro do mundo, não temos as políticas para isso”, acrescentou ele, ao examinar tomates recém-colhidos das dezenas de estufas que administra.
Alguns dos problemas enfrentados pelos pequenos agricultores agrupados em torno de grandes cidades brasileiras, tais como mão de obra escassa e linhas de transporte pobres, também são sentidos por indústrias e empresários. É o chamado custo Brasil, que tem sufocado o crescimento econômico e tornou fazer negócios no país tão caros.
O governo federal em grande parte culpa o recente aumento de preços do tomate, da cebola e da cenoura –que ajudou a inflação em 12 meses a ficar acima do teto da meta do Banco Central em março pela primeira vez em um ano e meio– a fatores sazonais que não pode controlar.
“Houve alguns problemas em função da clima, um pouco da seca que aconteceu depois da chuva em algumas regiões. Mas é uma política bem definida para essas culturas através de linhas de crédito, intervenção por preço mínimo”, disse o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, sugerindo que os preços irão cair em breve.
Há um consenso crescente entre agricultores e economistas, no entanto, de que problemas estruturais mais profundos, e não apenas chuvas irregulares, deixam o Brasil vulnerável à oscilação dos preços dos alimentos em um momento em que alguns poucos países comparáveis ??estão preocupados com a inflação.
Como em muitos países em desenvolvimento, a comida ainda é responsável por uma grande fatia do índice de preços ao consumidor do Brasil –22 por cento– e frutas e vegetais frescos são amplamente consumidos por todas as classes.
FALTA DE MÃO DE OBRA
Dentre os fatores que estimulam o alto preço dos alimentos está a falta de trabalhadores agrícolas em um país agora desfrutando de quase pleno emprego. Depois de anos de forte crescimento, as empresas de serviços têm atraído os trabalhadores não qualificados, oferecendo-lhes melhores regalias e uma carga de trabalho mais leve, muitas vezes dentro de lojas com ar-condicionado e não sob o sol escaldante.
“Hoje, o tipo mais escasso de trabalhadores no Brasil é o trabalhador não qualificado”, disse o engenheiro agrônomo Mauro Lopes, da FGV, no Rio de Janeiro.
Diferentemente de plantações de soja e açúcar de grande porte que são em sua maioria mecanizadas, bem capitalizadas e muitas vezes administradas por empresas estrangeiras, cerca de 60 por cento das fazendas de vegetais do Brasil ainda são familiares e contam com o trabalho manual.
Cury, o agricultor de tomate, disse que a escassez de tomates e preços recordes nesta temporada são principalmente resultantes de um surto de um fungo mortal, menos sementes plantadas com agricultores tentando emergir de dívidas e a crescente dificuldade em encontrar trabalhadores.
Ele diz que gostaria de plantar tomates em mais oito estufas nesta temporada para ajudar a atender a crescente demanda. Mas não conseguiu encontrar novos trabalhadores por um salário de cerca de 1 mil reais por mês.
Terras para culturas destinadas ao mercado interno também são cada vez mais escassas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a área plantada com arroz e feijão –alimentos básicos da dieta nacional– caiu cerca de 30 por cento desde 1990, quando a população era 25 por cento menor.
No Estado de São Paulo, uma potência econômica que é o lar de 40 milhões de pessoas, campos de cana e laranjeiras dominam a paisagem. Açúcar e suco de laranja concentrado e congelado são as duas principais culturas de exportação para o Brasil.
“Há uma clara divisão na agricultura brasileira”, disse o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile. “Há 16 milhões de trabalhadores na agricultura familiar, eles têm apenas 15 por cento da terra, mas plantam 80 por cento do que é consumido no mercado interno.”
Cury e outros agricultores não podem se mover muito longe das cidades em busca de terras mais baratas e trabalhadores também porque os vegetais iriam estragar antes de chegarem aos mercados consumidores.
“As restrições de transporte são um problema crônico no Brasil”, disse o professor Geraldo Barros, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba.
Embora os preços do tomate nos supermercados brasileiros tenham caído desde março, quando eles custavam mais do que nos supermercados no norte do Alasca saindo a cerca de 8 dólares por quilo, os preços da cebola permanecem em torno de 3 dólares por quilo, o dobro do valor na Cidade do México e três vezes o que custa em Lima.
Além da falta de trabalhadores, terra e dificuldade no transporte, há uma outra parte da história da inflação de alimentos no Brasil: a grande diferença entre os preços no atacado e ao consumidor. Ao mesmo tempo em que os brasileiros comemoram uma certa estabilidade e segurança no mercado de trabalho, parece que há sempre alguém disposto a pagar preços altíssimos para bens ou serviços.
“O poder de compra mais forte fez as companhias passarem todos os aumentos de custos para os consumidores, e também inibiu as empresas de baixarem os preços quando os custos começaram a cair no portão da fazenda”, disse o economista Mauricio Nakahodo, do Bank of Tokyo-Mitsubishi, em São Paulo.
Apesar de os produtores de tomate terem saudado os preços mais altos do produto neste ano, Cury disse que isso não vai fazê-los ricos. Uma caixa de seus tomates padrão no atacado custa 3,50 reais, mas estava sendo vendida por quatro vezes esse valor em um supermercado local, disse ele.
Cury afirmou ainda que a pequena margem de lucro limita a capacidade dos agricultores para aumentar a produção de alimentos para os brasileiros, garantindo um ciclo de preços elevados para os próximos anos, se nada mudar. “Se a gente não tiver uma política agrícola de pequenas culturas para garantir alimentação, nós vamos ter sérios problemas em 10 anos.”
(Reportagem adicional de Alexandra Alper na Cidade do México e Mitra Taj em Lima)
EcoDebate, 08/05/2013