“curva de Keeling”
A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ultrapassou pela primeira vez (talvez em alguns milhões de anos) a marca de 400 partes por milhão (ppm), vista como um limite emblemático do fracasso dos esforços globais de controlar as emissões do principal gás relacionado ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Por Herton Escobar, em O Estado de S. Paulo.
O anúncio foi feito hoje (10 de maio) pela NOAA, a agência de ciências oceânicas e atmosféricas dos Estados Unidos, que monitora a concentração desde 1958, de um observatório na ilha do Vulcão Mauna Loa, no Havaí, a 3,4 mil metros de altitude. Ontem, a concentração média diária registrada pelos instrumentos do observatório ultrapassou 400 ppm pela primeira vez, fechando o dia em 400,03 ppm.
Antes da Revolução Industrial, no século 19, a concentração era de aproximadamente 280 ppm. Desde então, segundo a NOAA, esse número tem aumentado a uma taxa cem vezes maior do que no fim da última Era Glacial. Segundo a reportagem do jornal The New York Times, estudos científicos indicam que essa concentração é a mais alta dos últimos 3 milhões de anos.
Segundo os cientistas, não há dúvida de que o aumento é causado por emissões resultantes de atividades humanas – principalmente da queima de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão mineral, que emitem grandes quantidades de CO2. A meta da ONU é impedir que a concentração passe de 450 ppm, que é considerado o limite de segurança para evitar mudanças climáticas mais catastróficas. No ritmo atual, esse patamar deverá ser alcançado nos próximos 25 anos, segundo o pesquisador Ralph Keeling, do Instituto Scripps de Oceanografia, em entrevista ao NYT.
O Scripps também monitora as concentrações de CO2 atmosférico e também registrou a quebra da marca de 400 ppm ontem.
Ralph é filho de Charles Keeling, o pesquisador que deu início ao monitoramento de CO2 em Mauna Loa em 1958 e continuou a realizá-lo até sua morte, em 2005. O trabalho, agora conduzido por Ralph, é representado por um gráfico que ficou conhecido como “curva de Keeling”, que mostra a evolução das concentrações atmosféricas de CO2 ano a ano ao longo das últimas cinco décadas.
Desaceleração (temporária?). Vários estudos indicam que há uma relação direta entre a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera e a temperatura média do planeta, porque o gás funciona como um “cobertor” que aprisiona calor na atmosfera, contribuindo para o chamado efeito estufa. Curiosamente, porém, apesar de as concentrações continuarem a crescer, o ritmo de aumento da temperatura na última década (2000-2010) foi mais lento do que nas décadas anteriores de 1990 e 1980 – um fenômeno batizado de “hiato do aquecimento”.
“Isso mostra que o CO2 não é a única variável que afeta a temperatura do planeta”, disse ao Estado a pesquisadora Maria Assunção da Silva Dias, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). O fato de a marca de 400 ppm ter sido ultrapassada nesse momento de hiato, segundo ela, sugere que a relação entre dióxido de carbono e temperatura não é tão rígida quanto se imaginava. “Significa que o sistema é mesmo muito complexo, que há muitas coisas acontecendo dentro dele.”
A desaceleração do aquecimento nos últimos anos pode estar relacionada a fatores como a concentração de materiais particulados na atmosfera, que refletem radiação solar e podem exercer um pressão oposta à do CO2, além de uma menor intensidade de atividade solar e outros fatores que precisam ser melhor estudados e incorporados aos modelos de previsão climática. Pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder, por exemplo, atribuem o hiato a erupções vulcânicas ocorridas na última década, que lançaram grandes quantidades de dióxido de enxofre (SO2) na atmosfera (o dióxido de enxofre reage com outros elementos na atmosfera, produzindo partículas de ácido sulfúrico e água, que refletem a luz solar de volta ao espaço).
O que não quer dizer, ressalta Assunção, que a relação entre o CO2 e o aquecimento global é falsa. Segundo ela, trata-se de um ciclo, perfeitamente compatível com as oscilações naturais de temperatura do planeta. “Uma hora esse ciclo vai acabar e a temperatura voltará a subir como estava subindo nas décadas anteriores”, diz.
A mensagem mais preocupante do anúncio da NOAA, segundo ela, é que as concentrações de CO2 continuam a subir, apesar de todos os alertas da ciência sobre os perigos do aquecimento global. “As emissões continuam a subir a todo vapor, e não parece que nós, como sociedade, teremos condições de segurar isso”, diz.
EcoDebate, 13/05/2013