[EcoDebate] No último dia 21 de maio completaram-se 10 anos da aprovação, pela OMS – Organização Mundial de Saúde -, da Convenção Quadro para Controle do Tabaco http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/convencao_quadro_texto_oficial.PDF). Foi a primeira convenção que este órgão da ONU – Organização das Nações Unidas -, conseguiu estabelecer com a assinatura de 192 países, antes mesmo – como lembrou um representante da indústria tabagista – que se formulasse e aprovasse uma convenção global para a AIDS, malária, doença de Chagas, etc.
Parece estranho mas o tabagismo – ou o hábito de fumar – é considerado há mais de 50 anos uma doença; e é, ainda, a principal causa de mortes por doenças evitáveis no mundo. Segundo a OMS, cerca de 6 milhões de pessoas morrem por ano no mundo devido ao vício de fumar; e aproximadamente 600.000 morrem pela exposição à fumaça dos cigarros (fumantes passivos).
A devastação e os danos que o tabagismo promove não são só à saúde humana, mas também à saúde planetária. Cerca de 5% do desmatamento mundial são causados pelo corte de madeira nativa para gerar lenha para secagem das folhas de tabaco. As mais de 5000 substâncias tóxicas existentes nos cigarros e outros derivados do tabaco, acabam, de alguma forma, contaminando as águas e o solo. Uma porcentagem grande de queimadas e incêndios florestais é causada por bitucas de cigarro lançadas por usuários inconsequentes ou displicentes. O uso intensivo de agrotóxicos afetam gravemente a saúde de trabalhadores e o ambiente, nas lavouras de tabaco do sul do Brasil e em outros países produtores.
O Brasil x Indústria Tabagista
No Brasil, apesar da queda de 50% no número de fumantes nos últimos 20 anos, temos ainda 17,5 milhões de prevalência (pessoas que continuam fumando), com a morte de 200.000 pessoas/ano devido ao consumo de cigarro e derivados do tabaco; que geram um custo anual para o Estado brasileiro de cerca de R$ 2, 3 bilhões anuais só com gastos na área de saúde. Não por acaso, o Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde, é o órgão que no Brasil coordena as atividades de prevenção e combate ao tabagismo. Além do câncer do pulmão, em que 90% dos casos tem sua causa correlacionada com o hábito de fumar, o uso continuado dos derivados do tabaco, além de causar dependência, podem causar diversas cardiopatias, doenças respiratórias e cancros na boca e laringe. São atribuídas ao consumo de cigarro: 45% das mortes por infartos do miocárdio; 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema), 25% das mortes por doença cérebro-vascular (derrames) e 30% das mortes por câncer.
A Indústria Tabagista e a Manipulação da Sociedade
Há cerca de dois meses, casualmente, tive a oportunidade de assistir a um trecho de uma audiência em uma comissão do Congresso Nacional, pela TV pública da Câmara Federal ou do Senado, na qual o atual Diretor-Presidente da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o nosso Dirceu Barbano, filho de nossa vizinha Ibaté (SP) e ex-Secretário da Saúde de São Carlos, na gestão Newton Lima, cheio de dedos, por estar no ninho das ‘cobras’, procurava defender o direito da ANVISA, garantido constitucionalmente, de controlar a produção e comercialização de produtos, como o fumo (tabaco) e seus derivados, que afetam a saúde humana.
O que está acontecendo é que com o relativo sucesso, nos níveis nacional e global, das ações para o controle do tabaco, especialmente após a aprovação da Convenção Quadro supra citada, a indústria tabagista tem desenvolvido estratégias para garantir seu futuro milionário e homicida, através de políticas que induzam adolescentes e jovens ao uso e, consequente, dependência do cigarro. Estatísticas indicam que 90% dos fumantes têm sua iniciação, ao vício, antes dos 19 anos.
Dentre as táticas da indústria do fumo para seduzir adolescentes e jovens, desde 2009, está a de produzir e comercializar cigarros com aditivos flavorizantes que conferem sabores (morango, chocolate, tutti-fruti, etc), que tornam as primeiras tragadas (normalmente pouco ‘amistosas’ à nossa garganta ) mais suportáveis e, quem sabe, até mesmo gostosas.
No âmbito de seu dever e competência a ANVISA, após um ano de estudos e debates – e algumas concessões ao setor fumígeno – aprovou a resolução RDC 14/2012, para entrar em vigor em 2013, que proíbe no Brasil a produção e a comercialização de cigarros com estes novos aditivos flavorizantes. Os antigos aditivos, tradicionais na produção tabagistas, não sofreram restrições.
Por seu nefasto lado, a indústria da morte está questionando judicialmente a competência da ANVISA para controlar a produção de cigarros. Mas, como já sofreu quatro derrotas jurídicas tentando continuar sua propaganda enganosa e mortífera, em doses, literalmente, ‘cavalares’ – quem tem mais de 20 anos deve lembrar-se de como ‘éramos fortes, jovens, livres e virís, como cavalos selvagens correndo nas pradarias americanas, fumando Malboro’ – acionou seu lobby legislativo (quantos e quais deputados e senadores estão na ‘carteira’ da indústria do fumo), que através do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP/RS), elaborou o projeto de decreto legislativo nº 3.034/2010, que tem por objetivo explicito suspender a Resolução da ANVISA (RDC 14/2012).http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0CCFC975799463B2C8330CB1B443019A.node2?codteor=831206&filename=Avulso+-PDC+3034/2010
Dia Mundial Sem Tabaco 2013
O tema que a OMS – Organização Mundial de Saúde – aprovou para a edição de 2013 da campanha do Dia Mundial sem Tabaco (iniciada em 1987) busca exatamente se contrapor às estratégias de promoção da indústria tabagista: ”Dia Mundial Sem Tabaco: Banir Toda Publicidade, Promoção e Patrocínio do Fumo”. Vejam no seguinte linkhttp://www.who.int/campaigns/no-tobacco-day/2013/en/index.html vídeo da campanha deste ano.
É interessante notar que, pelo menos até agora, nossos meios de comunicação pouco ou nenhum destaque tem dado a essa salutar campanha. No passado, certamente, ganharam muito dinheiro com as glamorosas e esfumaçantes campanhas e propagandas de cigarro. Até hoje, para mim, o Evandro Mesquita não se livrou do (mau) ‘$heiro’ da nicotina, que deixou onde “a gente (não) se encontra na 66”. Quantos adolescentes e jovens, na época (década de 90), ‘sublim(in)aram’ seus desejos, conscientes e inconscientes, de liberdade, aventura e rock & roll, em tragadas esvoaçantes, frustrantes e ‘cativantes’ (aquilo que torna cativo, preso) para a nicotina-dependência e para sustentação da ‘multimilionária indústria do fumo? Não é improvável que, nas circunstâncias atuais, globalmente menos favoráveis à hollywoodiana indústria tabagista, nossos meios de comunicação dominantes (e dominados por interesses econômicos privados externos e internos) faturem evitando noticiar dados, campanhas e fatos que prejudiquem a poderosa indústria do tabaco.
São inegáveis os avanços, que tivemos no Brasil, nas últimas décadas, na luta pela redução do consumo do tabaco e à exposição à fumaça de cigarros, especialmente após a aprovação da lei federal 9.294 de 15 de julho de 1996http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9294.htm , que proibiu a propaganda de cigarros em rádio, televisão, jornais e revistas; bem como o impedimento de patrocínios de eventos culturais ou esportivos; e passou a exigir a , nas embalagens de cigarros, a adição de imagens, que esclarecem os consumidores, das doenças que o hábito de fumar pode causar. Nos EUA, pátria-mor da livre-iniciativa e do mercantilismo, estas proibições e exigências existiam desde o inicio da década de 70.
Contudo ainda temos muito a conquistar no âmbito da proibição à publicidade, promoção e patrocínio da indústria tabagista. Na Austrália, p.ex., os cigarros só podem ser comercializados em embalagens sem cores, marcas e logotipos que induzam ao seu consumo. Na Inglaterra os cigarros só poderão ser comercializados sem exposição visual: devem ficar, como remédios controlados, embaixo do balcão. Chile e Uruguai proibiram os fumódromos.
Através do artigo 49 da lei federal 12. 546 de 14 de dezembro de 2011, a Presidenta Dilma Roussef modificou o artigo 3º da lei 9.294/96, proibindo completamente o uso de cigarro ou qualquer produto fumígeno em qualquer recinto coletivo fechado, público ou privado (como já haviam proibido os estados do Rio de Janeiro e São Paulo), coibindo a brecha que na lei de 1996 permitia o uso do fumo “em área destinada exclusivamente a esse fim, isolada e com arejamento conveniente”. Também acrescentou a exigência de (só a partir de 2016!!!) ocupar 30% da área frontal dos maços de cigarro (hoje a exigência é apenas de 100% das ‘costas’ do maço de cigarro) com imagem ou texto esclarecedores sobre os riscos à saúde dos fumantes. Porém, mesmo com as evidentes concessões, passados quase um ano e meio da sua sanção, o artigo 49 da lei 12.546/2011, ainda não foi regulamentado, tendo seus efeitos praticamente nulos. Não é difícil de imaginar a causa dessa inércia governamental ao ver o ‘sufoco’ do Diretor Presidente da ANVISA, Dirceu Barbano, junto ao Congresso Nacional. Infelizmente a tal da ‘governabilidade’ faz exigências que custam muito caro e, neste caso, muitas vidas, à nação brasileira.
O Anti-Tabagismo em São Carlos, SP
Lembro-me que uma das primeiras campanhas públicas realizada pela APASC – Associação para Proteção Ambiental de São Carlos, se não me engano, no ano de 1978, foi a impressão de um cartaz em A4 colorido, com o título “Por Amor Não Fume” e a imagem de um coração com um cigarro em seu interior, atravessado pelo símbolo da proibição.
À época não tínhamos qualquer legislação que coibisse o hábito de fumar. Era só mesmo ‘por amor’ que podíamos apelar. Fumar, em qualquer local: ônibus, restaurantes, salas de aula, e até em hospitais e consultórios médicos, era o normal: e “os incomodados que se retirem” !!! Já éramos os ‘eco-chatos’.
Incentivo aos que Querem se Libertar
Em São Carlos, como provavelmente no restante do Brasil e no mundo, destacam-se alguns membros da Igreja Adventista do 7º Dia, que há décadas, oferecem, sempre gratuitamente, tratamento ou cursos para aqueles que pretendem enfrentar a difícil meta de se livrar da dependência do cigarro, sem qualquer financiamento público governamental. Algumas vezes, já os vi oferecendo maçãs ou flores, junto com folhetos convidando fumantes a participar de seus cursos, que são completamente livres de proselitismo religioso, ainda que muitas vezes sejam realizados nas sedes de suas Igrejas.
Para quem quer, por consciência pessoal ou política, ou precisa, por motivos de saúde pessoal ou de terceiros, livrar-se do pernicioso – para si e para outrens – vício de fumar, a Igreja Adventista do 7º Dia localizada no bairro Santa Felícia, à rua Luiz Pedro Bianchini, 591, oferece nos dias 27 a 31 de maio, das 19h30 às 21h, um curso de 5 aulas, para libertar-se deste mau hábito (que também causa mau hálito) de fumar, com orientador de formação médica, com profundo conhecimento do tabagismo, seus malefícios e sua cura. Creio que mesmo depois do prazo, interessados podem procurar a referida Igreja para verificar a oportunidade de novos cursos durante o ano.
Quando a indústria tabagista vai patrocinar cursos como estes, totalmente custeados por iniciativas da sociedade civil cidadã? Quando irá indenizar as famílias daqueles que morreram prematuramente devido ao hábito de fumar induzido pelo seu despreparo diante das sedutoras campanhas publicitárias promovidas pela indústria do tabaco, no passado?
Conclusão
Por princípio, sou contra qualquer proibição de consumo de qualquer substância nociva ou não à saúde humana – desde que não prejudique terceiros – por ferir a liberdade individual, princípio basilar de uma sociedade democrática. Mas, não deveríamos permitir a publicidade, promoção ou patrocínio, de qualquer produto que direta ou indiretamente seja prejudicial à saúde humana ou planetária. Como conciliar as tragédias causadas diariamente pelo consumo de álcool no país, e seus imensuráveis custos materiais e imateriais, com a intensa e ‘cativante’ propaganda de bebidas alcoólicas (ainda que de baixo teor) como as cervejas? As chamadas ‘leis do mercado’, também chamado de ‘o Deus Mercado’, nos impõe muitos sofrimentos, dores e mortes evitáveis.
Parabéns à OMS, OLAS – Organização Latino Americana de Saúde, à ANVISA, ao INCA – Instituto Nacional do Câncer e à todas instituições da sociedade civil, cidadãs e cidadãos que batalham para que diminuam e acabem as doenças e mortes provocadas pelo hábito de fumar. Meu pesar àqueles – indústria tabagista, produtores do tabaco, agências de publicidade e meios de comunicação – que induzem a desgraça alheia, do nosso já sofrido planeta-mãe e, por conseguinte, a sua própria.
São Carlos, 27 de maio de 2013
Paulo José Penalva Mancini é Professor de Biologia formado pela UFSCar; Mestre em Engenharia Civil pela USP; Ex- Coordenador de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Carlos (2001 – 2012)
EcoDebate, 31/05/2013