terça-feira, 14 de agosto de 2012

‘Não existe bronzeado seguro’, diz especialista em câncer de pele

Durante participação no Congresso Mundial de Câncer de Pele, Fernando Stengel, conselheiro da Skin Cancer Foundation, defende necessidade de se rever a forma como a fotoproteção é praticada (reprodução/Wikimedia)

Durante participação no Congresso Mundial de Câncer de Pele, Fernando Stengel, conselheiro da Skin Cancer Foundation, defende necessidade de se rever a forma como a fotoproteção é praticada (reprodução/Wikimedia)
Quando o assunto é a prevenção do câncer de pele, mais importante do que defender o uso de filtro solar é “fotoeducar” pacientes, médicos, indústria farmacêutica, políticos e autoridades de saúde, defende o dermatologista Fernando Stengel, presidente da Fundação Argentina de Câncer de Pele e membro do Conselho Internacional da Skin Cancer Foundation.
Durante participação no 14º Congresso Mundial de Câncer de Pele, realizado em São Paulo no início de agosto, Stengel questionou a eficácia da fotoproteção como praticada hoje. “Filtros solares são um produto e são vendáveis. Por isso foram superpromovidos. Agora estamos voltando atrás”, disse em entrevista à Agência FAPESP.
Stengel afirma que o sol não é mais perigoso hoje do que no passado. “Mas a preocupação com o câncer de pele, no entanto, é maior, pois as pessoas estão mais expostas à radiação solar e a expectativa de vida aumentou”, disse.
Segundo dados da Skin Cancer Foundation, nos Estados Unidos mais pessoas tiveram câncer de pele nos últimos 31 anos do que todos os outros casos de câncer somados. Um em cada cinco americanos desenvolverá a doença ao longo da vida e uma pessoa morre de melanoma a cada hora.
Também no Brasil o câncer de pele é o tumor mais frequente, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). A estimativa para 2012 é de 134,1 mil novos casos de câncer de pele não melanoma e 1,3 mil casos de melanoma.
Um único episódio de queimadura solar na infância ou na adolescência dobra o risco de melanoma, segundo especialistas da Skin Cancer Foundation. O risco também dobra caso existam cinco ou mais episódios de queimadura solar em qualquer idade.
Ainda assim, a cultura do bronzeado está em toda parte, disse Stengel. “É preciso rever a forma como a mensagem sobre fotoprevenção tem sido difundida”, disse.
Agência FAPESP – A fotoproteção é a principal forma de prevenção do câncer de pele? 
Fernando Stengel – O melhor seria a “fotoeducação”. As empresas farmacêuticas tentam vender a ideia de que existe bronzeado seguro ou de que os filtros são capazes de bloquear totalmente o sol, mas isso não é verdade. Se os médicos apenas reforçam a ideia de que as pessoas devem usar protetor solar, mas elas não sabem por que nem como fazer isso, não adianta. É preciso “fotoeducar” o público geral, os médicos, a indústria, os políticos e as autoridades de saúde. E há muitos aspectos a serem considerados, não apenas o câncer de pele. Há, por exemplo, a questão da vitamina D. Se você se proteger demais do sol, pode não produzir suficientemente vitamina D.
Agência FAPESP – O uso frequente de filtros solares pode causar falta de vitamina D? 
Stengel – Se você usar da forma adequada, não terá problema. Mas, por exemplo, idosos em tratamento para câncer de pele severo, que precisam prevenir o aparecimento de novas lesões, talvez precisem de suplementação. Eles não podem expor suas peles ao sol e já não saem tanto na rua. A suplementação com vitamina D é barata e pode ser feita. Não estou dizendo que todos que usam protetor solar precisam tomar vitamina D. Me refiro a grupos de risco, que praticam fotoproteção intensiva. Por outro lado, sabemos que há hoje muitos jovens enfurnados dentro de casa com seus jogos eletrônicos e computadores. São jovens que quase não fazem exercício e não se expõem ao sol. Essa população, principalmente se tiver uma dieta pobre em vitaminas, pode ter problema. É preciso equilíbrio. Afinal, a espécie humana evoluiu ao longo de milhares de anos com sua pele interagindo com o sol e ele tem efeitos positivos sobre nós também.
Agência FAPESP – O sol é hoje mais perigoso do que no passado? 
Stengel – Não. Se o sol realmente tivesse mudado de forma significativa, seja na qualidade ou na quantidade dos raios, haveria impacto nas plantações, flores e frutos. E não vemos isso. Temos problemas localizados com a camada de ozônio. O buraco existe sobre a Antártica e aparece no fim de setembro, fica maior em outubro e, no fim de dezembro, desaparece. Na região da Terra do Fogo, entre o Chile e a Argentina, temos alguns dias com picos altos de radiação ultravioleta. Mas você sabe quando e onde vai ocorrer. No caso do Brasil, o sol é o mesmo de sempre. O aparecimento do buraco na camada de ozônio foi um alerta para as civilizações. Se as coisas continuassem no ritmo que estavam, haveria uma redução difusa por toda a atmosfera. Isso seria dramático. Mas o processo foi interrompido e está sendo revertido. Só que a natureza é lenta, leva dezenas de anos para se recuperar.
Agência FAPESP – Então por que há hoje uma preocupação maior com o câncer de pele? 
Stengel – Por exemplo, pessoas negras têm pouco problema com câncer de pele, mesmo tendo vivido sempre em zonas equatoriais. Em áreas altas, como o Himalaia, a pele dos nativos também é escura. Isso é resultado da evolução, é como o homem se adaptou. O problema é que o cenário mudou. Há populações de pele muito clara vivendo no Rio de Janeiro ou na Austrália. Há muito mais migração. Além disso, as pessoas estão se expondo mais ao sol desde muito cedo e também estão vivendo mais. Meu avô se aposentou aos 60 anos, em que foi considerado velho. Hoje, você vê pessoas de 80 anos jogando golfe, indo à praia, saindo para caminhar. Há uma série de esportes novos, que antes não existiam. Mesmo o golfe ou surfe não eram tão populares. Então, além do estilo de vida, tem a quantidade de anos que você fica exposto.
Agência FAPESP – A exposição na infância e na adolescência é mais perigosa? 
Stengel – O efeito da radiação é cumulativo, então, se alguém começar muito cedo, tende a ter uma dose maior quando chegar aos 50 anos. Além disso, queimaduras solares na infância e na adolescência ou episódios repetidos de queimadura em qualquer época da vida aumentam muito o risco de desenvolver melanoma. Isso é o que se deve evitar ao máximo, mas quando converso com pessoas de meia-idade a maioria relata diversos episódios de queimadura solar. Ainda há muita gente que sai ao sol sem preocupação ou que procura câmaras de bronzeamento artificial. Será que a comunidade está assimilando nossa mensagem sobre fotoproteção?
Agência FAPESP – Como podemos melhorar e difundir a fotoeducação? 
Stengel – Vou fazer uma analogia com a segurança no trânsito. A primeira medida para se proteger não é colocar o cinto de segurança e sim respeitar as leis, como parar no sinal vermelho. A segunda medida mais importante é adaptar seu modo de dirigir às condições do trânsito. Mesmo que a velocidade permitida seja de 60 quilômetros por hora, você tem de diminuir se houver congestionamento. Em terceiro lugar, vem o cinto de segurança. No caso da fotoeducação, a primeira medida é respeitar as horas em que o sol está forte. Olhe para sua sombra. Se ela estiver menor que seu corpo, o sol está bem acima de sua cabeça e está forte. Você não deve ficar exposto. Mas, se for inevitável, então é preciso adaptar sua proteção. Eu prefiro usar roupas em vez de me lambuzar todo com protetor solar, exceto quando entro na água. Veja os tuaregues, no Saara. Andam todos cobertos. Por que você acha que o traje típico do gaúcho inclui lenço no pescoço, mangas longas e chapéu? Eles se queimam loucamente se não fizerem isso. Somente em terceiro lugar vem o protetor solar. Filtros solares são produtos e são vendáveis. Por isso a ideia de que fotoproteção é simplesmente usar filtro solar foi superpromovida. Agora estamos voltando atrás e tentando educar a comunidade.
Agência FAPESP – Filtro solar não é uma opção eficaz?
Stengel – Protetores solares são eficazes em bloquear a radiação, mas infelizmente não os usamos corretamente. Mesmo se você usar o melhor protetor solar do mercado, se o sol estiver forte e você começar a transpirar ou entrar na água e usar uma toalha, o produto vai sair. Além disso, muitos não estão dispostos a usar, porque o produto deixa a pele oleosa, brilhante e irrita os olhos. Isso é um grande fator limitante.
Agência FAPESP – Quais são os erros normalmente cometidos na hora de aplicar o filtro solar? 
Stengel – Usar uma quantidade inferior ao ideal é um dos piores erros. Os testes que permitem dizer se um produto tem fator de proteção solar (FPS) 50 são feitos com 2 miligramas do produto por centímetro quadrado (mg/cm²) de pele. Nos testes são usadas luvas especiais de borracha, com aplicações de forma gentil e uniforme. Por isso, não recomendo produtos com FPS menor do que 30. No Brasil, eu usaria 50. Além disso, muitos não reaplicam o produto após duas ou três horas de exposição, ou após entrar na água. Outro erro comum é o que eu chamo de coquetel. As mulheres, na Argentina, usam filtro com FPS 60 no rosto, 40 no colo e mãos e 2 nas pernas, pois querem se bronzear. Qual é o local mais comum de melanoma em mulheres? As pernas. Algumas áreas do nosso corpo são cronicamente expostas, como a face e as mãos. Mas a pele é a mesma em toda parte. O ideal seria que houvesse um agente sistêmico de proteção. Você toma uma cápsula de manhã e está protegido, mas isso ainda não existe, mesmo que alguns produtos à venda prometam isso.
Agência FAPESP – Existe bronzeado seguro? 
Stengel – Não, mas não devemos olhar o sol como um demônio. É uma questão de equilíbrio. A questão é quanto e com que frequência tomamos sol. As pessoas que moram em São Paulo podem pensar que precisam se proteger apenas no verão, mas isso é um grande erro. O solstício de verão é em 21 de dezembro, mas por aqui o sol começa a ficar forte em setembro e continua até abril. A fotoproteção deve ocorrer ao longo de todo o ano, mas deve aumentar nos meses que tem a letra “r” no nome. Isso deveria ser ensinado na escola, nas aulas de geografia. O esforço tem de ser integrado, mas há algo muito errado na forma como estamos nos comunicando. E quando as pessoas não querem ouvir fica ainda mais difícil. O culto ao bronzeado está em toda parte.
Matéria de Karina Toledo, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 14/08/2012

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