[EcoDebate] Não foi por acaso que perdemos dois “match points” e a final, no vôlei masculino nas Olimpíadas: foi o retrato do esporte no país, onde pesa sobre os ombros dos vitoriosos o fardo de “heróis”. Na hora de definir o jogo é impossível manter a concentração, o foco, quando somos criados desde pequenos vendo matérias de TV e manchetes sensacionalistas sobre os poucos que conseguem vencer, num país carente de heróis. Em algum lugar da mente dos nossos atletas estão imagens de desfiles em carros de bombeiros, Jornal Nacional, Fantástico, capas de revistas e todas as glórias reservadas aos poucos que, com histórias de superação, preenchem o vazio nacional do heroísmo.
Em contraste com nosso país, naqueles onde o esporte é estimulado nas escolas – e estas são social, econômica e culturalmente mais valorizadas que aqui – é normal que os atletas se sintam preparados para tudo, inclusive para as vitórias, naturalmente. No Brasil de hoje, com todos avanços que já possamos ter tido em relação a nós mesmos, ainda estamos longe de formar esportistas competitivos como parte de um processo natural de aprendizado, os vitoriosos continuam sendo fruto de histórias pessoais que vão além dos limites esperados. Mas essas situações são raras, o que nos leva a outro ponto, porque somos carentes de heróis ?
Interessante um post que circula na internet: o Brasil foi o 22º colocado nas Olimpíadas apesar de sermos a 6ª economia do mundo, mas ao mesmo tempo somos o 84º país em desenvolvimento humano e o 88º no ranking da educação da Unesco. O ambiente desfavorável poderia ser propício a histórias de superação, mas estas dependem também de valores culturais. Quer dizer, falta um “caldo de cultura” no qual se embasem virtudes sólidas, estáveis, mais que impulsos corajosos esporádicos, eventuais.
Na nossa história, quem poderíamos reconhecer hoje como heróis nacionais? Lembro de Tiradentes como símbolo que precedeu à Independência. Outro candidato ao posto seria Getúlio Vargas por seu nacionalismo e a frase final dramática ‘saio da vida para entrar na História’, um personagem que comoveu multidões no século XX, apesar de não ser consenso. Não temos nenhum Prêmio Nobel e não podemos alegar injustiça nisso. Aliás, leio que o Ministério da Educação está propondo agregar 13 disciplinas em 4 no ensino médio, por exemplo física, química e biologia em “ciências da natureza”. Sempre foi assim no ensino fundamental e sinceramente, desconhecendo conhecimentos específicos em nome de uma “integração” teórica também no ensino médio, é difícil visualizar o desenvolvimento científico do país.
O mais triste nas vezes em que o Pedro Bial chamava os participantes do BBB de “meus heróis” é o fato de que isso não causava repugnância imediata em milhões de pessoas, que seguiam ouvindo babaquices como essa. Lembro disso como prova cabal da carência de heróis nacionais, de histórias de virtudes verdadeiras.
Não existem milagres, colhemos o que plantamos. Não vamos “revolucionar” a educação a golpes de caneta como esse do MEC, que pretende a integração das matérias de biologia, física e química no país que é o 88º do ranking mundial da educação. Não parece que estamos prontos a ensinar ao resto do mundo qual é o modo certo de estudar, desvalorizando nossos professores estaduais e federais e lhes impondo currículos “de vanguarda”, ao mesmo tempo.
As Olimpíadas foram importantes também por isso, nos vimos um pouco no espelho nelas, vimos o nervosismo e insegurança dos nossos atletas nas horas decisivas. O “chão” emocional de cada um não é algo fora do contexto, pois faz parte de algo mais amplo que é nossa base cultural, educacional – fora disso, só heroísmos eventuais. Até na seleção de futebol, conquistar o ouro não parecia natural, mas uma façanha, como se estivéssemos nos metendo “de Pato a Ganso”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra
EcoDebate, 20/08/2012