quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Visão holística, artigo de Roberto Naime


[EcoDebate] A palavra “fractal” começou a sintetizar uma forma de descrever, calcular e pensar as formas aparentemente irregulares, fragmentadas, recortadas e descontínuas. Uma curva fractal significa uma estrutura organizadora escondida atrás da complicação inerente a estas formas aparentemente irregulares.
As estruturas maiores tendem a se reproduzir em estruturas menores, e todas elas estão organizadas, mesmo que muitas vezes não se consiga compreender ou descrever a organização, esta parece ser a tendência da natureza e do meio ambiente em geral.
Robert May, trabalhando com James Yorke trabalhando com populações ordenadas e caóticas encontraram regularidades que só se deixavam descrever em termos escalares. Qualquer semelhança com os princípios holomórficos seculares de James Hutton não é mera coincidência.
O holomorfismo permanece enquanto a auto-semelhança desapareceu como princípio científico porque não conseguia abranger os fenômenos naturais por completo. Por exemplo, espermatozóides não apenas eram geradores de embriões humanos em pequena escala como eram muito mais interessantes do que isso, o desenvolvimento ontogênico é mais abrangente do que a simples ampliação. Entretando, originalmente em sistemas que pareciam não ter regras, a aparente mudança de escala significava que alguma característica estava sendo preservada enquanto o restante se alterava.
Na biologia evolucionária a ideia de auto-semelhança tão próxima ao princípio do holomorfismo do farmacêutico e geólogo amador escocês James Hutton, começou a se tornar claro que uma teoria completa teria que identificar padrões de desenvolvimento em genes, em organismos individuais, e em espécies e em famílias de espécies ao mesmo tempo. A natureza se organiza frequentemente em formas complexas, mas amplamente codificadas nos genes.
As formas representam processos dinâmicos em formas físicas e combinações específicas de ordem e aparente desordem (ordem em uma figuração geométrica não euclidiana). Ambas geneticamente padronizadas e reproduzidas. Lembre-se, um indivíduo de uma espécie que você vê em um jardim ou ao espelho nada mais é que o meio caminho entre duas espécies diferentes do passado e do futuro, mas esta fluidez do conceito de espécies é tema para uma discussão que perpassa os objetivos deste livro.
A analogia da circulação sanguínea com princípios da turbulência e da mecânica dos fluidos rendeu muitos trabalhos. A turbulência é uma porção de desordens em todas as escalas, desde pequenos redemoinhos até grandes conturbações instáveis, aparentemente dispersivas e antigamente interpretadas como aleatória. Quando o escoamento é suave ou laminar (lembrar a utilização do número de Reynolds em engenharia) as pequenas turbulências desaparecem. Quando a velocidade cresce, as perturbações aumentam de maneira catastrófica. Influenciam outros fatores como a viscosidade, a topologia do canal de escoamento e outras.
Qualquer líquido ou gás é um conjunto de partículas que tende ao infinito. Se cada uma se movimentasse de forma independente então o fluido (sangue, água ou gás) teria possibilidades infinitas, ou seja, “graus de liberdade” infinitos.
Na natureza, as transições de fases, ou os momentos de ruptura, sempre que limites limiares são ultrapassados, implicam em comportamentos que se alteram e por isso acabam não se enquadrando em equações lineares. Esta mudança de comportamento acaba exigindo outra equação, e os conjuntos de equações raramente são compatíveis entre si. E as vezes tem dificuldades em representar a própria alteração representada pelo limiar que foi ultrapassado. Não deixa de ser o princípio da “gota de água” que faz o copo transbordar.
Sistema complexos têm muitas variáveis independentes, e isto dificulta os tratamentos matemáticos ou estatísticos. A ciência com sua modelagem sempre procurou colocar ordem no que interpretava como caos. Se a interpretação semântica da palavra caos for alterada para sistemas dinâmicos complexos de natureza não-linear, é preciso revisar os conceitos utilizados na ciência.
A física newtoniana já foi exaustivamente abordada por Fritjof Capra no célebre “Tao da Física” (CAPRA, 1975) onde existe uma razoavelmente fundamentada defesa de como a influência reducionista do mecanicismo newtoniano influencia a medicina. Onde Newton era reducionista, Goethe era holista.
Newton decompôs a luz e descobriu a explicação física que faria Thomas Young descrever a teoria das cores. Goethe caminhou para os jardins de luz com múltiplas flores e adotou uma postura que hoje seria rotulada de romântica, mas parece que se aproximou mais da realidade. Muitos estudiosos do caos já se perguntaram como se pode mensurar a percepção humana ou as expectativas que fazem da biologia um campo único na medida em que os seres tem funcionalidade (ditadas pela fisiologia e pelos processos) acrescida da vontade.
Em geologia são bem conhecidas as glaciações as quais a Terra é submetida no decorrer dos tempos. Existem sólidos argumentos a explicar este fenômeno, como a oscilação do norte magnético (induzida pelo núcleo da Terra que funciona como um dínamo) que pode expor as geleiras ao sol (e neste caso produzir aumento dos níveis dos mares) ou esconder a Terra do sol (induzindo glaciações).
Existe o tamponamento do vulcanismo associado com a geodinâmica ou deriva continental, que propicia a formação do gelo. Existem explosões solares (ou a ausência delas) para explicar fenômenos climáticos. Mas de certa forma, as eras glaciais são sempre subprodutos de fatores múltiplos, com muitas variáveis independentes e, portanto com alto grau de liberdade nas equações.
A fronteira entre os ciclos não ordenados nas populações animais em modificação, conforme já destacado por Robert May, guardam uma aparentemente estranha analogia com a passagem do fluxo laminar para o turbulento. Ambos os fenômenos representam limiares.
Em disciplinas muito diferentes, a ciência começou a alterar seus paradigmas de forma relevante. Parou de isolar e reduzir componentes para explicar fenômenos. Parou de excluir dados que atrapalhavam correlações estatísticas. Parou de imaginar que as coisas que não compreendemos são detalhes irrelevantes.
A arte não deixa de ser uma teoria abstrata de como os seres humanos enxergam o mundo. Devemos transformar nossa ciência antes de tudo na arte de ver o mundo e a humanidade com harmonia e equilíbrio que expressam o mais singelo e completo conceito de felicidade.
CAPRA, FRITJOF. O Tao da Física, Ed Cultrix, São Paulo, 1975.
GLEICK, J. Caos A criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro. Editora Campus 1989, 312p.
Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 26/07/2012

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