Arquipélago que se estende do norte do Espírito Santo ao sul do Bahia guarda o maior banco de rodolitos do mundo, além de biodiversidade marinha única. Estudo mostra que exploração predatória pode destruir grande parte dessa riqueza
O mapeamento identificou que o aumento de sedimentos derivados de atividades de dragagem e do turismo impacta a vida subaquática
Belo Horizonte — O arquipélago de Abrolhos, paraíso que atrai visitantes de todo o mundo, conhecido por suas ilhas de águas cristalinas e recifes de corais coloridos, abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul e a maior variedade de recifes de toda a costa brasileira. Mas não é só isso. Em um grande mergulho no oceano, cientistas brasileiros mapearam a região que vai do norte do Espírito Santo ao sul da Bahia, descobrindo que Abrolhos guarda outras preciosidades. A região tem o maior banco de rodolitos do mundo, uma espécie de rocha construída a partir do crescimento de algas calcárias encontradas em águas rasas de 20m a 110m de profundidade. Ao mesmo tempo, o estudo alerta que esses grandes bancos submarinos, abrigo de milhares de organismos, estão ameaçados por ações predatórias e mudanças climáticas. Matéria de Marinella Castro, no Correio Braziliense, socializada pelo ClippingMP.
Os rodolitos estão no alvo da queima de combustíveis fósseis, que aumenta a acidez do mar; da má conservação das bacias hidrográficas, que afeta a qualidade da água; e também da exploração econômica do calcário. O grande mapeamento do banco de Abrolhos foi publicado recentemente na revista científica americana PloS One. Liderado por pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e de outras cinco universidades brasileiras, contou com o financiamento da Conservação Internacional Brasil e de órgãos como o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
No banco de Abrolhos, os rodolitos ocupam 70% do fundo marinho e os mais antigos têm por volta de 8 mil anos. Sozinhos, eles fornecem 25 milhões de toneladas de calcário ao ano, o que corresponde a 5% da produção mundial do mineral, largamente usado na agricultura e também na indústria de cosméticos e medicina. Na natureza, porém, eles são abrigo para a vida de uma infinidade de organismos e funcionam como corredores de recifes e rota de migração de centenas de peixes e espécies como as lagostas.
Corais contaminados pela praga branca: pressão sobre o frágil ecossistema
“Os rodolitos são estruturas aproximadamente esféricas construídas pelo crescimento de algas calcárias. Os bancos diferem dos recifes de coral por construírem um ambiente de estrutura mais baixa e com menos relevo que os recifes coralinos”, explica Paulo Yukio Sumida, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), integrante da equipe responsável pelo estudo. Segundo Sumida, assim como os recifes, os rodolitos fornecem abrigo a uma infinidade de invertebrados. “Eles propiciam a criação de uma maior quantidade de nichos ecológicos em que diferentes espécimes podem coexistir”, diz.
O mapeamento identificou a grande relevância das algas calcárias, apontando que o ecossistema sofre ameaças da sobrepesca, do aumento de sedimentos derivados de atividades de dragagem e do turismo. Outros impactos incluem as mudanças climáticas e pressões para exploração de petróleo e calcário. “Os impactos já podem ser sentidos na forma de doenças nos corais, branqueamento e retirada de espécimes-chave no ecossistema coralino”, aponta Sumida. Segundo os pesquisadores, a ampliação e a criação de outras áreas de proteção, a recuperação das margens dos rios e o controle de efluentes são ações urgentes para preservar o ecossistema.
Os bancos de rodolitos são encontrados também no Espírito Santo. Essas algas calcárias são ainda elementos importantes das comunidades bentônicas (do fundo do mar) da plataforma continental do Nordeste brasileiro. Além do Brasil, os rodolitos podem ser encontrados no México e na Austrália. Eles são importantes para a vida de outros organismos por servir de abrigo e proporcionar um ambiente mais rico biologicamente do que um fundo de areia.
Segundo Gilberto Amado Filho, biólogo do Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, coautor do mapeamento, as estruturas ajudam a retirar carbono da atmosfera, influenciando na regulação do clima do planeta. Eles absorvem o gás carbônico diluído na água e o transformam em calcário, o que tem atraído a atenção da indústria em busca do valioso mineral.
A exploração direta de calcário para uso na produção de cimento e de cal, na indústria metalúrgica e na produção de vidro ameaçam o ecossistema marinho. Outro perigo vem do aumento da concentração do dióxido de carbono na atmosfera. O crescimento dessas concentrações de CO² causando a diminuição do pH do mar é um fenômeno chamado de acidificação dos oceanos.
A exploração direta de calcário para uso na produção de cimento e de cal, na indústria metalúrgica e na produção de vidro ameaçam o ecossistema marinho. Outro perigo vem do aumento da concentração do dióxido de carbono na atmosfera. O crescimento dessas concentrações de CO² causando a diminuição do pH do mar é um fenômeno chamado de acidificação dos oceanos.
“Esse processo afeta principalmente os organismos marinhos que depositam carbonato de cálcio em suas estruturas corpóreas (que são muitos), em especial corais, moluscos e algas calcárias. O pH mais baixo (em relação ao existente atualmente) provoca a corrosão dessas estruturas, podendo levá-las à morte”, explica Paulo Sumida. Durante o estudo, os pesquisadores fizeram mapeamento por sonar e usaram dois robôs submarinos para avaliar a distribuição, a extensão, a composição e a estrutura do banco de Abrolhos.
Estruturas não renováveis
A área do estudo foi além das cinco ilhas que formam o arquipélago, onde podem ser observadas as baleias jubarte, entre julho e novembro. O mapeamento abrange todo o banco de Abrolhos, uma projeção quadrangular da plataforma continental ao largo do sul da Bahia que tem cerca de 46 mil quilômetros quadrados. Os recém-descobertos rodolitos foram formados há milhares de anos, e não são estruturas renováveis. Sua preservação é importante para a vida de muitas de espécimes, além da qualidade do clima do planeta. Com o calcário produzido por corais e moluscos com conchas, os rodolitos contribuem para a formação do fundo do oceano. Eles se formam pela aglomeração de pequenas algas que crescem umas sobre as outras ou incrustadas em fragmentos de concha ou grãos de areia.
EcoDebate, 10/08/2012