Usina de Fukushima, após o desastre nuclear. Foto no Der Spiegel
[O Globo] Estimativas de risco de acidentes graves em usinas como Angra 3 baseiam-se em abordagens probabilísticas, e as normas de controle e garantia da qualidade dos milhares de componentes mecânicos e elétricos das usinas nucleares limitam em centésimos de milésimos a probabilidade de um acidente grave. Depois do acidente de Fukushima, entretanto, quase todos os países nuclearizados resolveram aproveitar a lição daquela catástrofe e testar a segurança de suas centrais nucleares.
Os países europeus encaminharam os resultados desses testes à Comissão Europeia, em Bruxelas – que os submeteu à avaliação de especialistas, que recomendam ações urgentes, tais como reforços das proteções das usinas contra enchentes e fenômenos sísmicos e a introdução de bombas mais robustas para os sistemas de refrigeração, inclusive para as piscinas de armazenamento de combustíveis exauridos e sua instrumentação. Também urgente é a fixação de diretrizes para o procedimento de evacuação dos habitantes de regiões vizinhas às usinas.
Com a aplicação dessas recomendações, o custo da eletricidade gerada nas usinas nucleares aumentará muito. Na França prevê-se um aumento de 20%. Se as novas normas forem aplicadas no Brasil, estima-se que o aumento de custo inviabilizará as usinas nucleares, até em relação às termelétricas a bagaço de cana.
Por outro lado, por mais rigorosas que sejam as novas normas de segurança, sempre haverá uma probabilidade de acidente grave, porque não existe obra de engenharia 100% segura. Ocorre que acidentes nucleares se propagam pelo espaço e pelo tempo. Muitos anos depois de um acidente, dezenas de milhares de pessoas em regiões inteiras sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes, como está acontecendo em consequência do acidente de Chernobyl. Até 2005, foram registradas mais de 100.000 mortes entre os cerca de 600.000 empregados na descontaminação da usina – e estima-se que nas próximas décadas o câncer de tireoide afetará muitas dezenas de milhares de habitantes de regiões vizinhas.
Para Fukushima os números ainda não são conhecidos, porque as aberrações cromossômicas causadas pelas radiações e as consequentes lesões cancerígenas só aparecerão daqui a alguns anos e, pior, persistirão por várias décadas. Entretanto, já foram constatadas aberrações genéticas e disformias em insetos, como as borboletas que vivem naquela região.
O Brasil não precisa correr risco semelhante, porque dispõe de abundantes recursos energéticos renováveis e capacidade técnica para aproveitá-los. De fato, se aproveitarmos apenas 80% da capacidade hidráulica ainda por explorar e 50% da capacidade eólica, poderemos estruturar uma “malha inteligente” interligando um sistema capaz de gerar anualmente cerca de 1,4 bilhão de MWh.
Isto será suficiente para que – na década de 2040, quando, segundo o IBGE, a população estará estabilizada em 215 milhões de habitantes – atenda-se a uma demanda per capita de 6.600 kWh por habitante por ano.
Joaquim de Carvalho é pesquisador associado ao Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP. Emico Okuno é professora do Instituto de Física da USP.
Artigo originalmente publicado no jornal O Globo de 29/8 e socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4573.
EcoDebate, 31/08/2012