[O Estado de S.Paulo] É impressionante como boa parte da sociedade e dos meios empresariais – no Brasil e fora daqui – continua a entender que temas como conservação de florestas, biodiversidade e mudanças climáticas nascem da fantasia de “ambientalistas” desocupados e extravagantes. Não levam em conta, na sua visão crítica dos “ambientalistas”, os impactos negativos da predação dos ecossistemas, principalmente na área da produção econômica – ainda que sejam cada vez mais frequentes os estudos que alertam para essas consequências.
Quem estiver nessa posição deve prestar atenção às palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, diplomata competente e experimentado, capaz de coordenar a convivência de quase 200 nações, com autoridade sobre departamentos e órgãos científicos, conferências e acordos internacionais. Nas recentes comemorações do Dia Internacional da Água, Ban Ki-moon fez um apelo em favor da redução do desmatamento e da perda de florestas no mundo, pois elas cobrem um terço da superfície do planeta e influem decisivamente em serviços vitais para a sobrevivência humana – fluxos de água, regulação do clima, fertilidade do solo etc. (e esses serviços prestados gratuitamente pela natureza, já foi comentado neste espaço, valeriam três vezes mais que todo o produto bruto mundial se tivessem de ser substituídos por ações e tecnologias humanas).
Segundo o secretário-geral da ONU, 2 bilhões de pessoas dependem de florestas para sua subsistência e sua renda e 750 milhões nelas vivem; ali nasce mais de metade das águas do planeta; nelas está grande parte da diversidade de ecossistemas e metade das espécies terrestres de animais e plantas. Mas além da exploração comercial em busca de madeiras, da derrubada para implantar culturas e pastagens, as florestas sofrem porque 3 bilhões de pessoas ainda usam madeira como combustível. Pelas mesmas razões, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tomou idêntica posição, lembrando ainda que a perda de florestas afeta a segurança alimentar, principalmente das populações mais pobres, já prejudicadas pelo desperdício de mais de 1 bilhão de toneladas anuais de alimentos.
Deveríamos prestar muita atenção a essas palavras, já que o Brasil tem cerca de 500 milhões de hectares de áreas florestais – embora os “verdes” não venham conseguindo discutir na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados a redução, com o projeto do novo Código Florestal, de 58% nas áreas de floresta desmatadas a serem recuperadas, conforme pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Estado, 21/3). Só no Cerrado a expansão das culturas de soja se traduz em 40 mil hectares desmatados ilegalmente (Estado, 13/3). A área a ser recomposta com vegetação cairá de 50 mil para 21 mil hectares em Mato Grosso, no Pará, em Minas Gerais e na Bahia. Não por acaso, a Comissão de Meio Ambiente é presidida pelo maior plantador de soja em Mato Grosso. E o Brasil ainda não ratificou – o governo agora promete para 2014 – as novas exigências da Convenção da Biodiversidade, aprovadas em 2010 em Nagoya, que estabelecem a conservação em 17% das áreas terrestres e 10% das áreas oceânicas.
Também não é casual a revelação de um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul mostrando (Agência Fapesp, 26/3) que o Bioma Pampa – que em certas áreas tem maior diversidade vegetal do que a floresta – já está com 35% de sua superfície ocupada por florestas plantadas de eucaliptos e pinus. Como não é acaso que o desmatamento ilegal na Amazônia, entre agosto de 2012 e fevereiro último, tenha sido de 1.351 quilômetros quadrados, 91% mais que em igual período anterior (Estado, 13/3), segundo o instituto Imazon – mesmo que nesse período 72% da área estivesse encoberta por nuvens e não pudesse ser avaliada com precisão. De acordo com esse instituto, entre 2001 e 2010 a degradação subsequente das áreas florestais atingiu 30% da área desmatada.
Estudo da Academia de Ciências dos EUA, que analisou 292 áreas protegidas no Brasil, mostrou há pouco, mais uma vez, que entre todos os modelos de proteção florestal as áreas indígenas e os parques nacionais são os mais eficazes, melhores que os chamados projetos de “exploração sustentável”. Ainda assim, o Serviço Florestal Brasileiro acaba de homologar a concessão de mais duas áreas florestais públicas para esse tipo de “exploração sustentável” por empresas (o autor destas linhas conhece diretamente algumas dessas áreas; numa delas, considerada “exemplar”, a empresa foi multada depois pelo Ibama por retirar sete vezes mais madeira do que estava autorizada). Mas alimenta esperanças o acordo da Associação Brasileira de Supermercados de não trabalhar com carnes provenientes de áreas desmatadas.
A agropecuária deveria prestar muita atenção a todas as informações dessa área, uma vez que o desmatamento tem relação direta com mudanças do clima. Um estudo da Global Change Biology mostrou há pouco que na França cresce de ano para ano o impacto do aumento da temperatura sobre o milho, e que ele se vai multiplicar. Na Bahia (Estado, 17/3) a seca de 2012 levou à perda de R$ 1 bilhão na safra de grãos. E um estudo do governo norte-americano demonstrou que o clima mais quente já tem reduzido nas últimas seis décadas em 10% a capacidade dos trabalhadores de resistirem a temperaturas mais altas – e isso pode dobrar até 2050. Não é por acaso, assim, que mudanças climáticas tenham entrado até na estratégia dos órgãos que planejam a segurança dos EUA. A China já vai introduzir uma taxa sobre o carbono emitido por empresas do país. Os EUA já a discutem no Congresso.
Curiosamente, é o Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta uma das raízes do problema: um dos fatores mais fortes na geração de poluentes e de mudanças do clima está nos subsídios que quase todos os países concedem ao consumo de petróleo e seus derivados.
* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 08/04/2013