A caminho da serra: plantar em lugares mais altos pode ser a solução para escapar do aumento da temperatura
O Brasil é o maior produtor de café do mundo, responsável por 25% da produção global. Mas isso pode mudar com as alterações no clima previstas por pesquisadores.
O café é a bebida preferida do mundo e a commodity mais requisitada depois do petróleo. Mas ele pode estar ameaçado pelas mudanças climáticas. Com um quarto da produção mundial, o Brasil é o maior produtor e exportador de café do planeta, e o consumo da bebida aumenta cada vez mais. Segundo o IBGE, a estimativa para o ano de 2013 no Brasil é de colher 47,8 milhões de sacas de 60kg de café, mais de 2 milhões de toneladas.
No entanto, pesquisadores afirmam que as alterações no clima podem influenciar na produção do grão. Especialmente o café do tipo arábica, sensível a altas temperaturas, pode ter a produção seriamente prejudicada. Para evitar problemas no futuro, pesquisadores fazem simulações e tentam achar uma maneira de manter o cultivo, mesmo em situações adversas.
Previsões pessimistas
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estima que as temperaturas ao redor do globo podem subir de 1,8ºC a 4ºC até o final do século 21. O que, segundo especialistas, apresenta sérios desafios para a indústria cafeeira nas próximas décadas.
No Brasil, o tipo café mais ameaçado é o arábica, que representa 73% do grão colhido no país. A temperatura ideal para este tipo de café é de 18ºC a 22ºC. De acordo com o professor Hilton Silveira Pinto, pesquisador e professor da Unicamp, o aumento de 1ºC na temperatura já implicaria na perda de cerca de 25% da produção.
Isso porque se durante o florescimento das árvores houver um único dia de temperatura acima de 23ºC, a perda de flores é significativa. O professor comenta ainda que, nos últimos anos, em algumas regiões como São Paulo, foram registrados até 10 dias com temperaturas acima de 23ºC no período de setembro a outubro.
Pinto explica que, numa previsão mais pessimista e extrema, em que o aumento da temperatura fosse de 3ºC – o que aconteceria entre 2030 e 2040 –, a queda na produção de café poderia chegar a 30 milhões de sacas. O que significaria uma quebra de safra de 90%, ou seja, 10,6 milhões de hectares de café a menos.
Atualmente são produzidos cerca de 2 milhões de toneladas de café por ano. Com o aumento de 1ºC, esse número cairia para 1,54 milhão. Com 3ºC a mais, a produção seria de apenas 840 mil toneladas por ano. E num caso crítico, com 5,8ºC de aumento na temperatura, a produção cairia para 160 mil toneladas.
Soluções encontradas
Para fugir das altas temperaturas, a solução encontrada pelos especialistas é ganhar altitude. Pinto diz que já se está perdendo café nas áreas mais baixas de Minas Gerais e São Paulo. No entanto, o Paraná está ganhando áreas para os cafezais, já que, com o aquecimento, em muitas regiões altas praticamente não há mais geadas.
O pesquisador explica que as plantações são feitas agora em áreas acima de 650 metros, com temperaturas mais amenas, o que favorece também a qualidade do café.
De acordo com o professor, em uma situação extrema, a saída seria mudar a região de plantio para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mas embora a temperatura venha a ser adequada, no Sul não ocorre o período de seca necessário para a secagem do café.
Projeto piloto
Com o objetivo de capacitar produtores de café, sobretudo de base familiar, para reagir aos impactos das mudanças climáticas, foi criada em 2010 a iniciativa internacional Coffee & Climate (Café e Clima). O projeto está sendo executado em quatro países-chave para a cafeicultura: Brasil, Guatemala, Tanzânia e Vietnã.
O Coffe & Climate criou uma série de práticas que ajudam os produtores rurais a buscar saídas contra a falta de água e o aumento da temperatura. Os produtores locais participam ativamente do projeto.
“Nós desenvolvemos uma metodologia de triangulação de informações entre produtores rurais, extensionistas de campo, pesquisadores e cientistas para analisar os pontos convergentes em relação às alterações climáticas e buscar formas para atenuar ou se adaptar a esta mudança” diz Patrik Avelar Lage, coordenador do projeto no Brasil pela Fundação Hans Neumann.
O Brasil é o primeiro país em que o projeto entrou em execução. De acordo com Lage, foram desenvolvidas no país oito práticas para monitorar e ajudar na adaptação às mudanças no clima. “A ideia é estabelecer unidades demonstrativas para colher informações sobre as novas práticas, como a utilização de mudas de café de um ano, em vez de mudas de seis meses. Assim, as raízes já estão mais profundas e reagem melhor às condições adversas do clima, como em períodos de seca”, diz.
Segundo o coordenador, produtores rurais e líderes comunitários estão ajudando a monitorar o clima, ao registrar regularmente temperatura e precipitação local. “As estações de coleta de dados climáticos geralmente têm um nível muito abrangente, então nós identificamos produtores que podem fazer este monitoramento local”, diz Lage. Ele comenta que, pelos resultados obtidos, as oito práticas desenvolvidas no projeto podem ser uma boa saída para salvar as plantações das alterações climáticas.
O projeto é desenvolvido em Minas Gerais, nos municípios de Perdões, Santo Antônio do Amparo, Lambari, São Francisco de Paula, Ribeirão Vermelho e Cana Verde.
Matéria de Kamila Rutkosky, da Agência Deutsche Welle, DW, publicada pelo EcoDebate, 22/04/2013