O debate contou com a participação das comunidades que vivem diariamente os problemas socioambientais da região (Foto: Peter Ilicciev)
“Chorei, com saudades da Guanabara, refulgindo de estrelas claras, longe dessa devastação. Chorei, com saudades da Guanabara, da lagoa de águas claras, fui tomado de compaixão”. A letra da música Saudades da Guanabara, de Moacyr Luz – tocada na manhã de quinta-feira (21/6), na roda de conversa A luta da favela pela saúde ambiental: pela participação popular no comitê de sub-bacia da Baía de Guanabara, realizada durante a Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo – reflete um dos grandes problemas ambientais enfrentados pela cidade do Rio de Janeiro: a poluição da Baía de Guanabara, a segunda maior do litoral brasileiro. Os problemas socioambientais sofridos por essa região hidrográfica, a luta, a visão e as vozes das comunidades localizadas em seu entorno, que sofrem com problemas de saúde decorrentes da falta de gestão pública ambiental, foram trazidos à tona durante o encontro, realizado na Tenda Saúde, Ambiente e Sustentabilidade, fruto de articulação entre a Fiocruz, Abrasco e Cebes.
Participaram da mesa-redonda moradores do Alemão, Manguinhos, Maré e Vila Residencial do Fundão e o pesquisador e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, todos membros do Grupo da Sub-Bacia do Canal do Cunha, criado para atuar em defesa da natureza, da saúde humana e ambiental e da cidadania como forma de emancipação das comunidades do entorno da Baía de Guanabara, vulneráveis ao processo de degradação sofrido pela região. “Um debate marcado por luta e poesia”, definiu Alexandre Pessoa durante o encontro, que, além da discussão, teve música e poesia em homenagem ao geógrafo e ambientalista Elmo Amador, morto em 2010.
Segundo Pessoa, o papel da Fiocruz e de outras instituições na abordagem socioambiental em territórios vulneráveis é essencial, porém, os debates também exigem a participação das comunidades que vivenciam diariamente os problemas socioambientais da região e são elas que devem ter papel protagonista nessas discussões. “É um engano pensar que o conhecimento vem somente da academia e das escolas. O Estado deve reconhecer que o saber também vem da comunidade, que é um lugar que se constitui na história de vida desses moradores”, afirmou. Ao abrir o debate, ele defendeu enfaticamente a união dos povos pela Baía de Guanabara e explicou aos visitantes um pouco sobre o trabalho do Grupo da Sub-Bacia do Canal do Cunha, apoiado pela Cooperação Social da Fiocruz e integrado por atores de comunidades de toda a região da Baía de Guanabara, da Serra da Misericórdia (Complexo do Alemão), Manguinhos, Jacaré-Jacarezinho, Maré, Vila Residencial do Fundão e Ilha do Governador. “Nossa luta é territorial, das águas que nascem em Manguinhos, passam pela Maré, Vila Residencial do Fundão e desembocam na Baía de Guanabara, elas são reflexo das políticas públicas que podem ser melhoradas”, destacou.
Também presente à mesa, Edson Loiola, da ONG Verdejar, atuante em defesa da Serra da Misericórdia, no Complexo do Alemão, trouxe à tona o problema da falta de saneamento básico, principal causa de enfermidades nas comunidades da região. “Esse esgoto que não é tratado pelo governo poderia gerar riquezas dentro da comunidade se houvesse uma gestão ambiental e participativa, e não afetaria a saúde dos moradores”, disse. Ele ainda apresentou a campanha O Lago é Nosso – em referência a um lago surgido no Complexo do Alemão há dois anos – promovida pela Verdejar em prol da criação de um Parque Ecológico na Serra da Misericórdia e da desativação das mineradoras atuantes na região. Segundo ele, a área sofre com o crime ambiental legalizado. “O governo ainda libera licenças para empresas que atuam em nossas comunidades destruírem e poluírem nosso meio ambiente”, criticou. “Existe sim meio ambiente na favela, só no alemão encontramos 15 nascentes somente na área urbanizada da comunidade. A questão é que elas estão cheias de lixo e degradadas”, complementou.
Darcília Alves, do Fórum de Manguinhos, apontou os problemas ambientais e de saúde sofridos pela região, como falta de saneamento básico, acúmulo de lixo, enchentes e a tuberculose. “A obra do PAC não correspondeu a nossas expectativas, ainda vivenciamos muitos problemas”, alertou. Assim como Darcília, Carlos Alberto, professor de física do Centro de Estudos de Ações Solidárias da Maré (Cead), relatou os mesmos problemas, vivenciados pela Maré e defendeu maior participação da comunidade em decisões que as afetam. “A favela é deixada de lado em muitas situações. Ela acaba não participando de grandes decisões e é sobre ela que recaem as piores consequências”, advertiu.
Moradora da Vila da Sapucaia, na Vila Residencial do Fundão, Rejane Gadelha discursou sobre a especulação imobiliária que, desde a década de 1970, tem forçado a remoção dos moradores das diversas vilas pertencentes à região e provocado graves impactos ambientais. “Nós, moradores, servimos apenas para esse capital que vai para a universidade da região, somos vistos como excremento social. Somos 2 mil moradores e temos nossa história, não somos apenas uma vila de funcionários”, defendeu. A convite do grupo, o educador ambiental Beto Aranha, também da Vila Residencial do Fundão, apresentou seu programa educacional, que leva as crianças da comunidade aos manguezais da região, ensinando os pequenos a repovoarem os manguezais com a flora e a fauna características desse tipo de vegetação. “A cada três meses, realizo esse evento ambiental. Com ele, a criançada mudou a visão que tinha dos mangues”, contou.
Homenagem ao ambientalista Elmo Amador
A homenagem a Elmo Amador, realizada durante o encontro, foi marcada por emoção e lembranças do geógrafo e ambientalista que lutou fervorosamente pela melhoria das condições ambientais da Baía de Guanabara. Com a presença da família e amigos, foi lançado seu livro Baía de Guanabara: ocupação histórica e avaliação ambiental, fruto de sua tese de doutorado escrita em 1997. A poesia de Moacyr Gadelha, declamada durante o encontro, expressou a dor e a luta de Elmo pela causa ambiental. “A Baía de Guanabara ainda pode ser ‘salva’ graças ao legado de Elmo e à mobilização social”, disse o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha. A filha do ambientalista, Denise Amador, falou sobre o legado deixado pela obra do pai. “O livro mostra a união entre produção científica e a luta política, é um acúmulo de vida”, disse. A esposa do ambientalista, Zumira, ressaltou a característica militante e idealista do esposo. “Ele sempre foi contra o capitalismo e a favor da coletividade”, disse. “Ele incentivou a mobilização social em plena ditadura militar lutando pelo ecossistema e impedindo o desmatamento dos manguezais”, contou um dos amigos de Amador.
Fundador e membro de diversas entidades ambientais, como a Federação das Associações Fluminenses de Meio Ambiente (Fama), Apedema e o movimento Baía Viva, Amador participava do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara, era membro e secretário-executivo da Bacia Hidrográfica dos Rios Macaé e das Ostras e do Conselho Gestor da Apa de Guapimirim e Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema). Suas pesquisas e militância política e ambiental resultaram em importantes conquistas para a Baía de Guanabara, entre elas a declaração da Baía de Guanabara como Patrimônio da Humanidade pelo Fórum Global, durante a Conferência Rio-92, a inclusão do assoreamento como problema ambiental da baía, a criação da APA de Guapimirim (que protege os manguezais da baía) e a inclusão da Baía de Guanabara na Constituição estadual como Área de Preservação Permanente e de Relevante Interesse Ecológico.
Matéria de Danielle Monteiro, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 26/06/2012