terça-feira, 26 de junho de 2012

Rio+20: As delícias da crítica fácil ou manifesto da contra-indignação, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos


A melhor maneira que a gente tem de tornar possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu farei amanhã o que hoje também não pude fazer…“. (Paulo Freire)
[EcoDebate] Graças aos deuses e para a felicidade e esperança da Humanidade há aqueles que, com responsabilidade e espírito de compromisso, esmeram-se por tornar reais os avanços possíveis de serem estabelecidos nos contornos de uma determinada conjuntura política. Na Rio + 20 estavam representados os governos dos países participantes, governos que, por sua vez, expressam a correlação política dos diferentes segmentos sociais, econômicos e políticos de seus países. Diga-se de passagem, em um quadro marcado por uma das mais graves crises econômicas do mundo moderno. Cometem uma ingenuidade incrível aqueles que julgam que algum desses governos viesse a aplicar em seus países decisões da Conferência que não fossem assimiláveis pelo jogo político e econômico real vivido em suas terras.
Faz-se necessário compreender-se que resultados mais ambiciosos para um enclave como a Rio + 20 somente acontecerão como consequência de alterações políticas no interior dos países participantes. Ou seja, na medida em que seus os governos expressem uma correlação de forças internas sustentadoras das decisões mais avançadas então deliberadas. Seria de Pirro uma vitória plenária que fosse consignada por outros fatores circunstanciais de ocasião.
São ingênuas e/ou descompromissadas, sob esse ponto de vista, as enxurradas de críticas e avaliações negativas que a Rio + 20 vem recebendo de movimentos e personagens ambientalistas e da cobertura midiática em geral. Óbvio que análises e boas críticas são essenciais e impelem para o futuro, mas o fato real é que avançou-se agora o que agora foi possível. E devemos gratidão àqueles que, no vórtice dos ventos, tornaram ao menos isso possível.
A propósito, nestes últimos anos o Brasil vem vivendo uma verdadeira overdose do humano exercício da indignação. Incrível o que se escuta, se vê e se lê de pungentes perorações indignadas. Por certo, bons motivos não lhes faltam. Dos mais afamados editorialistas, cronistas e colunistas, aos mais afamados empresários, aos mais afamados artistas, aos mais afamados etc. e etc., a até os apenas brindados com seus 5 minutos de fama por uma câmera de TV, todos peroram suas indignadas indignações. O arco social-cultural foi grande: de bons e conscientes cidadãos a contumazes canalhas sociais, todos esgrimem suas mais sentidas indignações.
Enfim, Freud (ou algum de seus indignados desafetos) há de explicar: indignar-se, e expressar publicamente sua indignação, trás um conforto psíquico imenso. O pulha indignado safa-se da execração e redime seus pecados perante a sociedade, o classe média frustrado alça-se, ao menos por momentos, ao andar de cima, o desconsiderado ganha seus compensadores minutos na ribalta, o medíocre sublima sua cruel mediocridade.
Será que ainda poderemos sonhar com um tempo onde o atrativo e cômodo estado de indignação seja substituído (ao menos em boa parte) por um espírito de honestidade íntima, de construção solidária, em que cada anterior indignado traga desinteressadamente uma boa proposta para se fazer algo de bom, por pequeno que seja, e dessa realização participe apaixonadamente?
Os motivos das indignações, justas ou malandras, não deixarão tão cedo de passear por aí, mas sua maior vitória estará em continuar a nos imobilizar, anestesiar, ou satisfazer, com a doce ilusão de, pela simples exteriorização da indignação, entendermos nossa tarefa como cumprida.
No mesmo sentido da sábia afirmação do grande educador Paulo Freire, aposta ao início desse artigo, arriscar-me-ia a propor à consideração dos bons de espírito que me lêem: “Decida-se por suas guerras pelo que lhe estabelecem seus valores, e escolha suas batalhas pelo que conheces de seu exército”.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
  • Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
  • Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
  • Articulista do Portal EcoDebate
EcoDebate, 26/06/2012

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