Tim Benton, da Universidade de Leeds, afirma que sustentabilidade agrícola é conceito mais complexo do que parece e, se for mal compreendido, pode agravar impactos ambientais (Un.Leeds/Wikimedia)
A agricultura sustentável é um conceito mais complexo do que parece à primeira vista. Se o princípio não for bem compreendido, implementado com uma abordagem sistêmica e gerenciado na escala correta, pode até agravar os impactos ambientais das atividades agrícolas, em vez de reduzi-los.
O alerta foi feito pelo cientista britânico Tim Benton, coordenador do Programa de Segurança Alimentar Global da Universidade de Leeds (Reino Unido), durante o “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, realizado no Rio de Janeiro.
De acordo com Benton, o conceito de agricultura sustentável é frequentemente mal construído e, portanto, mal compreendido e mal aplicado.
“É preciso atingir um equilíbrio entre o uso da terra para produção e o uso para a conservação da biodiversidade. Paisagens diferentes têm vocações para diferentes esquemas agroambientais. A agricultura sustentável precisa ser gerenciada de forma sistêmica, na escala da paisagem, não apenas com foco isolado nas fazendas, nem só em escala nacional”, disse à Agência FAPESP.
Segundo Benton, agricultura sustentável é um conceito que todos pensam entender, mas é muito raro que as pessoas – incluindo os gestores – percebam sua verdadeira complexidade. Em primeiro lugar, de acordo com ele, é preciso levar em conta que uma fazenda causa inúmeros impactos cruzados no meio ambiente, por exemplo, na qualidade da água nos corpos d’água, no uso da terra e na biodiversidade.
“Há muitos impactos e, para diminuí-los, é preciso abrir mão de algum ganho. A atividade agrícola de baixo carbono, para produzir o mesmo rendimento da agricultura tradicional, tipicamente vai demandar mais terra, para compensar as perdas”, disse.
“Ao usar mais terra, a atividade agrícola terá mais efeito na biodiversidade. A agricultura de baixo carbono pode, no fim da cadeia, causar um grande impacto na biodiversidade. A partir de uma perspectiva mais ampla, não é trivial calcular qual tipo de agricultura é mais sustentável”, afirmou Benton.
Outra questão que dá complexidade à ideia de agricultura sustentável é a escala em que ela é gerenciada. As consequências do gerenciamento de uma gleba de terra não se limitam apenas àquele local, de acordo com o cientista britânico.
“Quando se gerencia uma fazenda, os impactos dessa atividade extrapolam o território em questão. É o que ocorre com os gases de efeito estufa sendo liberados na atmosfera, que têm impacto global. Os impactos na qualidade da água dos córregos e rios podem chegar a uma distância muito longa, causando nitrificação de costas marítimas de pesca a partir da poluição dos cursos d’água no continente”, afirmou.
O quadro fica ainda mais complexo quando se consideram os impactos nos mercados. “Pode-se reduzir o rendimento agrícola em um país por achar que isso é mais sustentável. Mas a demanda continuará a mesma, ou até aumentará ainda mais. Assim, se você reduz o rendimento, alguém, em algum lugar, vai precisar aumentar o rendimento. E isso vem com impactos ambientais negativos”, disse Benton.
Gerenciamento de terra
Em uma base local, algumas parcelas de plantações podem ser gerenciadas de forma insustentável, enquanto outras partes podem compensar sendo gerenciadas de maneira altamente sustentável. Mas o que é verdade para uma parcela de terra isolada nem sempre é verdade na escala de paisagem, de país, de continente e na escala global.
“Juntando isso aos impactos ambientais de longo alcance e os impactos econômicos que também reincidem nos aspectos ambientais, terminamos com um conceito muito complicado”, disse Benton.
Apesar da complexidade, a sustentabilidade agrícola não é inviável, segundo Benton. Para isso, é fundamental pensar em gerenciamento de terra de forma sistêmica, a partir da pequena escala até a escala global, com foco especial na escala da paisagem.
“No nível da paisagem, podemos gerenciar não apenas a terra agriculturável, mas também gerenciar as terras não agrícolas que são fundamentais para o funcionamento da atividade agrícola, porque mantêm os polinizadores, os inimigos naturais, os microclimas e assim por diante”, disse.
Na escala nacional, é preciso haver determinadas áreas voltadas para produção agrícola e algumas preservadas para garantir outros serviços. Cada área tem sua vocação e uma deve equilibrar a outra. Mas, em escala continental, as especificidades também mudam. Algumas áreas são muito boas produzindo frutas, outras áreas muito boas para armazenar carbono, por exemplo.
“É fundamental gerenciar de forma que as várias vocações sejam cumpridas. Fazer com que tudo funcione igualmente seria um desastre. Não é porque não podemos definir a agricultura sustentável que isso implica que não possamos praticá-la”, disse Benton.
“Mas, para ser sustentável, não se trata só de uma questão de minimizar o carbono que é produzido por ela. É muito mais complicado que isso. É preciso levar em conta os efeitos em longo prazo e é preciso levar em conta ter que gerenciar as coisas no nível da escala de paisagem”, afirmou.
Determinar os critérios de gerenciamento agrícola é o grande desafio para desenvolver uma agricultura sustentável, de acordo com Benton. Segundo ele, para que isso seja possível é preciso ter governos fortes. Na base local, quando se tem sucesso em uma atividade em uma parcela de terra, há uma tentação de expansão.
“Quando uma parcela cultivada rende dinheiro, o fazendeiro tende a querer dobrar essa parcela. Conseguindo sucesso, multiplica a área por quatro e, quando nos damos conta, temos uma grande área convertida em uso da terra uniforme”, disse.
“Isso pode ser bom no início, mas em longo prazo, se todo mundo faz a mesma coisa, todos vão sofrer as consequências. É bom pensar no crescimento agrícola, mas em algum momento alguém tem que dizer: já houve crescimento suficiente”, destacou.
A saída para a agricultura sustentável com manutenção dos ganhos, segundo Benton, é a chamada intensificação sustentável. Quando há limites para a conversão de terras para a agricultura, é preciso produzir mais na mesma área.
“Mas essa intensificação não pode ser feita de um jeito que seja ambientalmente danoso, temos que fazê-la de forma a minimizar os impactos. A intensificação sustentável pode ser feita com novas tecnologias, com agricultura inteligente e com gerenciamento da paisagem”, afirmou.
Matéria de Fábio de Castro, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 19/06/2012