ENTREVISTA EXCLUSIVA COM IMMANUEL WALLERSTEIN Y MERCEDES CANESE, VICE MINISTRA DE ENERGIA
[Por Cristiano Morsolin, para o EcoDebate]Apenas um dia depois de que a Câmara de Deputados solicitasse um julgamento político contra o presidente do Paraguai, o Congresso paraguaio destituiu a Fernando Lugo por mau desempenho, e o ex vice-presidente, Federico Franco, do Partido Liberal, assumiu o mando do país.
“Não é Fernando Lugo quem recebe um golpe, é a história paraguaia e sua democracia que foi ferida”, disse Fernando Lugo a poucos minutos de sua destituição, no marco do julgamento político “ilegítimo” ao qual foi submetido pelo Congresso paraguaio. “Espero que seus executores tenham presente a gravidade de seus atos”, agregou na sexta-feira.
Em diálogo com Página/12, o presidente constitucional destituído resumiu seu plano desse modo: “Resistência pacífica e não reconhecimento da presidência que se instalou após o golpe de Estado”(1).
A vice-ministra de Minas e Energia, Mercedes Canese, indicou que se a Unasul não reconhece ao governo paraguaio, após a destituição de Fernando Lugo, todos os projetos de integração energética em curso com esses países serão interrompidos, comenta ao Observatório Selvas.
“O que estávamos avançando na recuperação de nossa soberania e o investimento em infraestrutura, a rede ferroviária, as pontes, tudo o que estávamos fazendo, que, como país mediterrâneo são temas chaves para nosso desenvolvimento, ao não reconhecer nosso governo, não assinarão nenhum acordo com nosso governo, não haverá nenhum convênio, não vamos ser mais sujeitos de cooperação bilateral ou multilateral com os países e se chegará a uma queda econômica”, asseverou a subsecretária de Estado.
Canese afirmou que tudo isso coloca em grave perigo todos os projetos em comum que o Paraguai tem para alcançar seu desenvolvimento. “Creio que os que propiciaram esse julgamento político totalmente fora do que a Constituição estabelece, não analisaram o contexto regional, não pensaram nas consequências”, disse.
Canese manifestou que a crise política desatada afetará profundamente o relacionamento internacional do país; indicou que os países da região “não vão reconhecer ao novo governo que surja de um golpe de Estado como o que está sendo orquestrado nesse momento; é inimaginável a repercussão de tudo isso no plano econômico, energético e financeiro”, explicou a funcionária que anteriormente era militante de Jubileu Sul(2).
Franco, o novo Stroessner
Ricardo Canese, secretário geral da Frente Guazú, enfatiza que “Alfredo Stroessner foi recebido, em 4 de maio de 1954 –e até alguns meses depois- com júbilo por pessoas com trajetória democrática de toda uma vida. O próprio Augusto Roa Bastos, nosso principal escritor nacional e barbaramente perseguido pela ditadura stronista, dedicou-lhe um poema que aplaudia ao novo governo –ditadura- no seu início. Sem dúvida, Roa Bastos se equivocou, se bem que seu apoio à incipiente ditadura foi uma carga moral que lhe pesou até o fim de sua vida e era algo sobre o qual não gostava de falar, pela profunda vergonha que lhe causava. Outros que, hoje, atuam como democratas, apoiaram publicamente ao ditador Alfredo Stroessner durante anos e décadas e quando a mesma era evidente que se acabava, tornaram-se furibundos “democratas”.
A atual maioria parlamentar, produto das “listas”, perpetrou um autêntico golpe de Estado parlamentar. Definitivamente, a época dos quartelaços já passou de moda. Há países com democracia consolidada onde nunca se produzirá um golpe de Estado, inclusive na maioria dos países de nossa anteriormente instável América Latina.
Porém, no Paraguai, como constatamos lamentavelmente, podem acontecer golpes muito similares ao que Hitler executou na culta Alemanha, há uns 80 anos, tendo sido também um golpe parlamentar. Contra o governo de Fernando Lugo não foi apresentada prova alguma, como confessam impudicamente os deputados que apresentaram e aprovaram um arremedo de acusação no prazo de somente duas horas. O Senado deu menos de um dia para que o presidente da república exercesse seu direito de defesa, quando que em julgamentos sumários abreviados, como o de faltas no trânsito, todo cidadão tem 5 dias para apresentar sua defesa. Também ao ex-presidente Cubas, lhe outorgaram 5 dias para defender-se, na época.
É provável que os insignes parlamentares, aprendizes de ditadores, considerem que uma falta de trânsito merece mais garantias constitucionais do que quem exerceu a presidência da República durante 4 anos com alta aceitação popular. Foram violadas todas as normas ao devido processo e à legítima defesa porque os golpistas sabiam que sua única oportunidade de chegar ao poder era fazer o julgamento político meteoricamente, mesmo a custas de violar a Constituição. De outra forma, a reação democrática de nosso povo e do mundo não o teria permitido.
Stroessner qualificava a seu regime como uma “democracia sem comunismo”. Do primeiro, não tinha nada e do segundo –a eliminação do comunismo- não era nada mais do que uma desculpa para eliminar, inclusive fisicamente, a todo democrata e não somente aos valentes membros do Partido Comunista, que foram os que com mais convicção e empenho se opuseram à ditadura stronista. O então Partido Liberal teve os traidores da democracia que, desde o início, prestaram-se ao jogo do ditador. Os liberais mais dignos –como Domingo Laíno- lutaram com todos os meios a seu alcance contra a ditadura, o que custou centenas de vidas, torturas, prisão, exílio não somente a membros desse libertário partido tradicional do Paraguai, mas a militantes de todos os demais partidos políticos e de organizações sociais do país, como as Ligas Agrarias.
Hoje, o ditador Federico Franco –e o bando que o propiciou desde a cúpula de seu partido- trai os princípios libertários de seu partido e o mancha para sempre com a ditadura, um opróbrio que causou profunda marca no Partido Colorado. Ao perpetrar-se o golpe, já existiam ameaças de morte a pessoas íntegras que se opõem à ditadura. Não sabemos até quando teremos segurança para nossas famílias e para nós mesmos. Mesmo assim, como fizemos durante a ditadura de Alfredo Stroessner, reiteramos nosso chamado a manifestar-nos pacificamente em toda a República para exigir que o único Presidente constitucional da República do Paraguai, Fernando Lugo, assuma novamente suas funções e que seja restituído o estado de direito no Paraguai, quebrado lamentavelmente pelo ditador Franco e seu grupo”, conclui Ricardo Canese(3).
Comentário de Immanuel Wallerstein
Immanuel Wallerstein, Sociólogo estadunidense reconhecido em âmbito mundial, foi presidente da Associação Sociológica Internacional (1994-1998); me comentou que “o escandaloso golpe de Estado contra o presidente Lugo deve ser resistido por todas as pessoas democráticas e progressistas de todo o mundo. Os atores cruciais, no entanto, além dos cidadãos paraguaios, são os outros Estados sul-americanos. Têm que ser muito firmes com a tentativa do Senado do Paraguai para desfazer os direitos democráticos no Paraguai. Nessa luta, o mundo respirará melhor e a Unasul se fortalecerá em grande medida”.
Rechaço da Europa
O Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica GUE-NGL do Parlamento Europeu rechaça firmemente o Golpe no Paraguai, junto a diferentes partidos da Europa como o Partido Comunista da França PCF (4).
A Esquerda Unida da Espanha condenou o golpe constitucional no Paraguai após a decisão Express do Congresso. Willy Meyer, eurodeputado de Esquerda Unida – GUE-NGL felicitou pela condenação do mesmo por parte da Alta Representante da União Europeia para política Exterior e de Segurança, Catherine Ashton, que instou a UE a que retire sua representação do país até que o presidente eleito seja restituído ao seu cargo.
Meyer tachou de intolerável que “uma instituição tenha conspirado para derrocar a um presidente que foi eleito pela expressão da vontade popular”. Além disso, o Vice-presidente da Assembleia Parlamentar Birregional Eurolatino-americana felicitou pela decisão dos países da região “de não reconhecer a autoridade do governo de Franco” e instou “a União Europeia a que se some à posição de todos os organismos regionais, como Unasul, Mercosul, Celac e, inclusive, a OEA, que condenaram o golpe de Estado e que reclamam o restabelecimento da ordem constitucional no Paraguai”.
O responsável pela Política Internacional da Esquerda Unida, Meyer, quis reiterar toda a solidariedade da esquerda espanhola com o presidente Lugo e com o povo paraguaio: “deploramos esses fatos que constituem um julgamento político sem garantias, no qual foi despojado um presidente eleito de seu direito à legítima defesa”, assinalou.
Para Meyer, “estamos ante uma nova manobra antidemocrática com o claro objetivo de desestabilizar a região e acabar com os governos progressistas na América Latina, seguindo a estela do golpe de Estado em Honduras, em 2009, da tentativa golpista no Equador e dos movimentos desestabilizadores na Bolívia, segundo o programa das oligarquias latino-americanas de derrocar aos governos da Alba”.
“Esse ataque a Lugo responde a essa vontade da oligarquia paraguaia de terminar com o processo de transformação do país, que começou com sua eleição, em 2008, vitória que pôs fim a mais de 60 anos de constantes injustiças”. Willy Meyer viajará, na próxima semana, a Caracas, para participar no XVIII Encontro do Fórum de São Paulo, representando o Grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica, onde coordenará ações conjuntas de solidariedade com o presidente Lugo com as diferentes forças políticas da Esquerda Latino-americana que integram o Fórum de São Paulo. (5).
O Ministério francês de Assuntos Exteriores destacou hoje que seu país partilha a preocupação da União Europeia e da Organização de Estados Americanos (OEA) sobre a destituição do presidente paraguaio. O Ministério chamou a todas as partes a respeitar “os direitos constitucionais”. Um porta voz indicou em um comunicado a inquietação pelas eventuais consequências que essa destituição possa ter sobre “os compromissos democráticos” do Paraguai e fez um chamado também ao respeito à “vontade soberana” do povo paraguaio. “A França apoia os esforços das organizações regionais, principalmente da União de Nações Sul-americanas (Unasul), para permitir ao país encontrar uma solução constitucional, democrática e pacífica à crise que atravessa”, conclui a nota.
O Partido Socialista Alemão Die Linke (A Esquerda) condenou o golpe de Estado através do qual houve uma ruptura da ordem democrática com a destituição do presidente constitucional, Fernando Lugo. Em uma declaração oficial, a qual Prensa Latina teve acesso, essa informação política desaprovou o “golpe frio no Paraguai, apresentado com a destituição do presidente Fernando Lugo”.
Segundo a análise dos socialistas alemães, que dispõem de 76 deputados na Câmara baixa do parlamento, o Bundestag, as razões para o derrocamento de Lugo “são somente um pretexto”. O partido alemão se apoia também nas posturas criticas de governos sul-americanos e mencionou o rechaço do golpe por parte dos governos da Argentina, do Brasil, da Bolívia, do Equador, do Uruguai, da Venezuela e de outros Estados dessa região.
Com esse ‘pano de fundo’, os socialistas demandaram ao governo federal da chanceler Angela Merkel que não reconheça o novo regime de fato em Assunção e criticaram ao ministro alemão de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, Dirk Niebel, que reconheceu a Federico Franco como sucessor de Lugo no poder. “Nós somos solidários com o movimento democrático no Paraguai e com o presidente democraticamente eleito e ex-bispo, Fernando Lugo”, indica o documento aprovado por unanimidade.
De acordo com o partido Die Linke, “temos que evitar que regressem os tempos da ditadura de Stroessner, quando se torturou, desalojou e assassinou a milhares de seres humanos” nesse país sul-americano. Os socialistas alemães recordam também que o “Paraguai foi um dos destinos preferidos dos esbirros nazistas alemães depois de 1945”. Adverte sobre uma guinada à direita em países da América Latina, como a Guatemala, Honduras, Chile e provavelmente El Salvador.
“Temos que evitar o regresso das ditaduras na América Latina”, sentencia o partido Die Linke.
[Cristiano Morsolin, jornalista e colaborador internacional do Portal EcoDebate, é operador de redes internacionais. Trabalha na América Latina desde 2001 com experiências no Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Paraguai e Brasil. Colabora com as redes Jubileo Sur, Latindadd, CETRI, CADTM sobre o tema da dívida externa. Autor de vários livros, entre os quais "Sobre la deuda ilegítima. Aportes al debate: argumentos entre consideraciones éticas y normas legales. Quito: Centro de Investigaciones CIUDAD, Observatorio de la Cooperación al Desarrollo en Ecuador, Jubileo 2000 Red Guayaquil. 2008. Co-fundador do Observatorio sobre Latinoamérica SELVAS].
NOTAS
(1)http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-197172-2012-06-25.html
(2)http://www.aporrea.org/internacionales/a95500.html
(3)http://www.abc.com.py/edicion-impresa/opinion/franco-el-nuevo-stroessner-418040.html
(4)http://www.alainet.org/active/55869
(5)http://www.willymeyer.es/index.php?sec=15&l=es&id=653
(6)http://www.prensa-latina.cu/index.php?option=com_content&task=view&id=519911&Itemid=1
(2)http://www.aporrea.org/internacionales/a95500.html
(3)http://www.abc.com.py/edicion-impresa/opinion/franco-el-nuevo-stroessner-418040.html
(4)http://www.alainet.org/active/55869
(5)http://www.willymeyer.es/index.php?sec=15&l=es&id=653
(6)http://www.prensa-latina.cu/index.php?option=com_content&task=view&id=519911&Itemid=1
25.06.2012
EcoDebate, 27/06/2012