Propagada aos quatro ventos como fonte de energia limpa, as hidrelétricas também são responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, e a omissão deste dado prejudica as tentativas de recuperação do clima, destaca o biólogo e pesquisador do Inpa.
Confira a entrevista.
Por estes dias, o mundo volta seus olhares para o Rio de Janeiro e para tudo o que está sendo discutido na Rio+20 e na Cúpula dos Povos, sendo um dos temas de destaque aquestão energética. Aqui no Brasil, temos a cultura de grandes obras envolvendo a construção de hidrelétricas, afinal, esta sempre foi considerada uma matriz energética limpa e sustentável. No entanto, este não é um lugar comum. Será que a geração de energia por hidrelétricas pode ser considerada realmente “verde”? Na opinião do professor e pesquisador norte-americano Philip Fearnside, a resposta é negativa. “As hidrelétricas geram um grande impacto, sobretudo nos primeiros anos, porque ao formar o reservatório os resíduos das plantas se decompõem e geram logo metano. No entanto, a madeira das árvores, por outro lado, decompõe-se de forma lenta e não é uma grande fonte de metano. Depois, a emissão de metano diminui, mas continua, porque várias fontes de carbono são transformadas em metano e vão durar para sempre. Como a água sobe e desce de nível no lago, quando ela está baixa, forma-se um lamaçal em torno do lago, onde crescem ervas daninhas, e quando o nível da água aumenta, estas ervas ficam no fundo do lago, onde não há oxigênio, e elas viram metano, causando um impacto permanente. O problema é que demora muitos anos para pagar o passivo ambiental gerado por essas hidrelétricas. Então, nesse caso, é difícil dizer que se trata de uma energia verde ou limpa”, defende, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Philip aponta que “a área que será inundada para a construção deBelo Monte vai gerar uma quantidade enorme de emissões, e demorará 41 anos para pagar o custo ambiental desta hidrelétrica. Obviamente, essas questões não entraram no planejamento ambiental”.
Philip Fearnside (foto) é graduado em Biologia pelo Colorado College, nos Estados Unidos, e especializou-se em Sistemas de Informações Geográficas pela USP. Possui mestrado em Zoologia e doutorado em Ciências Biológicas pela University of Michigan, nos Estados Unidos. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador do CNPq e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De forma geral, como o senhor qualifica o impacto das barragens no aquecimento global?
Philip Fearnside – As barragens, em áreas tropicais como a Amazônia, produzem gases de efeito estufa. A quantidade de gases varia de uma barragem para a outra. As árvores que caem próximas aos lagos apodrecem ao ar livre e formam gás carbônico. Isso é muito comum nas barragens de Balbina e Tucuruí, por exemplo. O metano também causa muito impacto no efeito estufa, e ele se forma onde não tem oxigênio, como no fundo dos lagos, onde esse gás acaba e as decomposições geram metano. Parte deste gás sai para a superfície através de bolhas dentro da água, e outra quantidade é emitida através das hidrelétricas, que utilizam a água do fundo do lago, quer dizer, as turbinas retiram uma água contaminada por metano, e o gás é liberado ao ar livre, causando impacto no efeito estufa.
As hidrelétricas geram um grande impacto, sobretudo nos primeiros anos, porque ao formar o reservatório os resíduos das plantas se decompõem e logo geram metano. No entanto, a madeira das árvores, por outro lado, decompõe-se de forma lenta e não é uma grande fonte de metano. Depois, a emissão de metano diminui, mas continua, porque várias fontes de carbono são transformadas em metano e vão durar para sempre. Como a água sobe e desce de nível no lago, quando ela está baixa, forma-se um lamaçal em torno do lago, onde crescem ervas daninhas, e quando o nível da água aumenta, estas ervas ficam no fundo do lago, onde não há oxigênio, e elas viram metano, causando um impacto permanente. O problema é que demora muitos anos para pagar o passivo ambiental gerado por essas hidrelétricas. Então, nesse caso, é difícil dizer que se trata de uma energia verde ou limpa.
IHU On-Line – Então não podemos considerar as hidrelétricas como fonte de energia “verde”?
Philip Fearnside – Essa definição aparece no Plano Nacional de Mudanças Climáticas e em outros documentos. As pessoas já ouviram esse discurso de que se trata de uma energia verde centenas de vezes, e ficam surpresas ao saberem que as hidrelétricas também emitem gases de efeito estufa.
IHU On-Line – Como o senhor define a hidrelétrica de Belo Monte em relação a essa questão das emissões?
Philip Fearnside – Em termos de emissões, essa é uma hidrelétrica enorme, que tem cerca de seis mil quilômetros quadrados, ou seja, é o dobro da hidrelétrica de Balbina e Tucuruí, e tem uma variação vertical do nível da água de 23 metros, além de uma enorme área de lamaçal de 3.580 quilômetros quadrados. A área que será inundada para a construção deBelo Monte vai gerar uma quantidade enorme de emissões, e demorará 41 anos para pagar o custo ambiental desta hidrelétrica. Obviamente, essas questões não entraram no planejamento ambiental.
É importante lembrar que, até 2020, está prevista a construção de 48 hidrelétricas no Brasil, e dessas, 30 ficam no território da Amazônia Legal. Então, para construir 30 barragens em dez anos, serão construídas três barragens por ano, ou uma a cada quatro meses. Essas hidrelétricas acabam barrando quase todos os rios afluentes do rio Amazonas. Nesse sentido, as hidrelétricas causarão grandes impactos na migração dos peixes e no ciclo dos rios, porque, como se trata de cadeias de hidrelétricas, o rio será transformado em uma série de lagos. Também é importante lembrar que a população humana da Amazônia vive na beira dos rios. Então, se eles são transformados em lagos, as pessoas serão expulsas de suas casas, ficarão desalojadas e com enormes problemas sociais. No caso da usina de Tucuruí, cerca de 23 mil pessoas ficaram desalojadas e até hoje muitos não receberam indenizações. Esse é um problema grave e esquecido na floresta Amazônica.
IHU On-Line – Com tantas novas opções de geração de energia, como entender a força da cultura hidrelétrica em nosso país? Por que se aposta tanto nessa forma de geração de energia?
Philip Fearnside – O Brasil tem enormes possibilidades de investir em outras fontes energéticas como a eólica, via vento, mas as fontes alternativas não recebem o mesmo investimento. Para se ter uma ideia, Belo Monte irá custar oficialmente 23 bilhões de reais, e não há incentivo para investir em outras fontes energéticas, como a solar. Uma questão importante de se ressaltar é que as empreiteiras são as maiores contribuintes das campanhas políticas no Brasil, e não existe lobby para outras fontes energéticas. O que acontece é uma distorção das decisões políticas.
IHU On-Line – Que mudanças rápidas deveriam ser feitas na política energética brasileira para reduzir a expansão anunciada de barragens amazônicas?
Philip Fearnside – A primeira coisa é descobrir o que está sendo feito com a energia produzida, porque ela é muito mal utilizada no Brasil. O setor eletro-intensivo, que produz alumínio, está crescendo muito no país, e utiliza bastante energia elétrica. Esse alumínio, produzido com a energia e mão de obra brasileira, é exportado, mas na verdade se exporta a energia gasta para a produção bem como os empregos. Como os países da Europa não têm interesse em construir hidrelétricas, eles importam os produtos brasileiros – e deixam os impactos aqui –, mas esse não é um caminho racional para o Brasil.
Além disso, é preciso de um subsídio para outras fontes energéticas, comparado com o que está se gastando com a construção das hidrelétricas. Também temos de ver a questão da eficiência energética, porque o Brasil é um dos únicos países que utiliza chuveiro elétrico, que gasta muita energia. Segundo o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, somente o chuveiro gasta 5% de toda a energia elétrica no Brasil, muito mais que Belo Monte, por exemplo. No entanto, no aspecto da produção de energia também deve haver uma maneira de favorecer alternativas que não tenham o mesmo impacto social e ambiental que as hidrelétricas. A questão sempre foi apresentada na história desta forma: ou é hidrelétrica ou energia nuclear; ou é hidrelétrica ou termelétrica. E não é assim. Temos muitas outras histórias que não estão favorecidas da mesma forma.
IHU On-Line – Quais os desafios que jornalistas e cientistas precisam enfrentar em relação à midiatização da ciência envolvendo o impacto ambiental das hidrelétricas?
Philip Fearnside – Esse é um problema geral dos jornais em relação à divulgação de informações públicas, porque há um enorme “peso” do outro lado, defendendo a teoria da energia limpa, não explicando os impactos. E a maioria das pessoas não se afeta diante dos impactos. 80% da população do Brasil vive em cidades, então tudo isso fica longe delas. Por sua vez, os jornalistas deveriam explicar os aspectos mais globais, e não apenas as particularidades de cada hidrelétrica. Hoje, passa-se a imagem de que o meio ambiente é um entrave ao desenvolvimento.
IHU On-Line – Qual a relevância do debate técnico em função da redução das emissões de gases de efeito estufa em uma sociedade em que produção e consumo só aumentam? Que mudança mais abrangente, de cunho ético e econômico, se faz necessária nesse sentido?
Philip Fearnside – Os gases de efeito estufa realmente provocam grandes impactos, que geralmente são pagos por outros que não os principais causadores. É preciso continuar pressionando para que os países aceitem cortes nas emissões. E isso inclui o Brasil também, que deve diminuir suas emissões. É preciso uma contabilidade concreta das emissões de gases no mundo, porque essa é a base do acordo que está sendo negociado na Convenção do Clima. Os países fazem um inventário da emissão de gases e entregam nessa convenção. Por isso a importância de não omitir a emissão das hidrelétricas, porque assim se estará subestimando a emissão de gases mundialmente, de maneira que as medidas e os cálculos sempre serão insuficientes para controlar o aquecimento global. Mesmo que se tenha sucesso total na negociação – o que não aconteceu ainda – e os países reduzirem suas emissões para que a temperatura da Terra aumente apenas 2 graus, vai continuar esquentando até passar deste limite, a não ser que todas as emissões sejam contadas, inclusive das hidrelétricas.
IHU On-Line – O senhor gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
Philip Fearnside – É importante também falar sobre os créditos de carbono, porque as hidrelétricas estão decolando em termos de projetos de crédito de carbono. O Brasil tem 121 barragens que estão pedindo créditos de carbono. Os créditos de carbono para hidrelétricas prejudicam os esforços mundiais para controlar o aquecimento global.
(Ecodebate, 21/06/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.