O chefe da delegação da Bolívia nas negociações da Rio+20, Rene Orellana, ex-ministro da Água, alertou para o não reconhecimento, no documento oficial da ONU, do direito humano à água como expresso em resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. “Estranhamente, apareceu no texto que o direito humano à água se reconhece no marco da água necessária à saúde mental e física. Os povos do mundo e a vida em geral dependem da água. E não se pode limitá-la como direito à saúde mental. Aqui temos um erro grave e um problema que devemos resolver. O direito humano à água precisa ser reconhecido.”
Orellana também criticou a proposta de priorizar financiamentos a países que implementem o modelo de “economia verde”. Ou seja, de privilegiar os governos que aceitem “essa economia verde com enfoque privatizante da natureza”. Para ele, “é preciso respeitar a diversidade de modelos de desenvolvimento dos povos e governos do mundo. E essa diversidade também deve ter direito a financiamento internacional, apoio técnico e transferência de tecnologia.”
Outro capítulo preocupante do documento de 50 páginas e 240 parágrafos, diz Orellana, é o que trata dos recursos para os projetos. “Alguns países desenvolvidos querem substituir a cooperação internacional por investimentos privados. Ou pela caridade privada, como sugeriram textualmente alguns. Isso é vergonhoso e insultante. Não podemos aceitar uma afronta desse tipo.” A cooperação internacional é dever dos países desenvolvidos que, como destaca o ex-ministro, atingiram seus níveis atuais de qualidade de vida e industrialização com base nos recursos naturais dos países em desenvolvimento, na contaminação do planeta e no aquecimento global. “Eles são responsáveis por 75% das emissões históricas de gases efeito estufa e têm obrigação de prover a cooperação no desenvolvimento.”
A Bolívia pediu a inclusão de um parágrafo estabelecendo expressamente que a mudança nos padrões de consumo e produção seja feita, prioritariamente, pelos países desenvolvidos. “Não é possível que tenhamos um planeta em que esses países desperdicem 700 milhões de toneladas de alimentos por ano, o equivalente a três vezes o alimento produzido na África Subsaariana”, comparou o ex-ministro, que esteve ontem (17) na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo. “É uma vergonha que tenhamos um bilhão de famintos, em comparação a 300 milhões há 30 anos. O que mudou no componente social? Queremos soluções claras e concretas para esses problemas.” Nas negociações em curso na Rio+20, não só a Bolívia e a Aliança Bolivariana para os Povos da América (Alba), que reúne Venezuela, Antigua e Barbuda, Bolívia, Cuba, República Dominicana, Equador, Nicarágua, San Vicente e Granadinas, mas também o G77 tem atuado com críticas duras à abordagem privatizante da economia verde, que pretende inserir recursos naturais como ativos econômicos nas cadeias produtivas do mercado.
Fonte: Cúpula dos Povos – Informe #49
EcoDebate, 19/06/2012