Acordos de responsabilidade isentam fornecedores das usinas nucleares e limitam recursos indenizatórios. No Japão, a conta deve sobrar para os contribuintes.
Passados quase dois anos do acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão, em março de 2011, as mais de 160 mil pessoas obrigadas a abandonar suas casas às pressas não obtiveram qualquer tipo de compensação – assim como milhares de outras que saíram voluntariamente por temer a contaminação por radioatividade. A denúncia foi feita pelo Greenpeace em relatório divulgado nesta terça-feira (19/02). O documento revela a isenção de culpa das empresas envolvidas, e relata a precária situação das vítimas de um dos mais graves acidentes atômicos da historia, num país de indicadores sociais elevados.
“As pessoas foram deixadas no limbo, presas entre o passado e o futuro”, enfatiza o documento. O Greenpeace denuncia que as convenções sobre a responsabilidade no caso de desastres nucleares protegem as indústrias e não as pessoas. O especialista em políticas energéticas e energia nuclear do Greenpeace, Jan Haverkamp, explica que, no caso de Fukushima, a conta ficou para o contribuinte japonês, que não tem qualquer culpa do problema.
O documento apresenta detalhes dessa transferência de responsabilidades, e aponta problemas fundamentais. Um deles é a responsabilidade ter ficado centrada unicamente no operador da usina e não nos fornecedores que participaram da construção da central nuclear. Segundo o Greenpeace, isso resulta na limitação dos recursos disponíveis para compensações, situando-os muito abaixo do custo real dos danos causados.
Acidentes com a dimensão de Fukushima afetam mais frontalmente as populações locais, porém os efeitos são sentidos globalmente, explica Haverkamp. O fechamento de empresas, a remoção de funcionários, a suspensão de comércio estão entre as causas mais diretas. E esta é outra falha das convenções existentes: processos por perdas e danos só podem ser movidos nos tribunais do pais onde ocorreu o acidente, e não em cortes locais.
Culpa compartilhada
O relatório analisa a relação das empresas fornecedoras com a construção dos reatores, mostrando que os desastres não ocorrem apenas na operação das unidades, e sim estão diretamente relacionados a erros de design, construção, operação e manutenção. O Greenpeace cita diretamente a responsabilidade no desastre de empresas como General Eletric (GE), fornecedora dos reatores 1, 2 e 6; Toshiba, que proveu as unidades 3 e 5; e Hitachi, fabricante do reator número 4.
Haverkamp lembra que, no segmento petrolífero os fornecedores são corresponsabilizados por acidentes como o vazamento de óleo, e defende que o mesmo modelo seja aplicado às operadoras de energia nuclear. “Queremos apelar à comunidade internacional e aos governos para que mudem essa situação. As empresas que fornecem material e peças para a construção das usinas não pagam um centavo [de indenização], o que as deixa menos alerta para as questões de segurança”, alerta.
O Greenpeace afirma ainda que, além de não dividirem a conta das indenizações, alguns desses fornecedores estariam lucrando com o desastre, ao prestarem serviços no processo de descontaminação das áreas atingidas. As leis japonesas impedem que sejam movidos processos individuais diretamente contra os fornecedores, e definem a Tokyo Electric Power Company (Tepco) como única responsável pelo acidente. Após o desastre, a empresa entrou em bancarrota e foi estatizada. Com isso, as expensas do processo serão pagas, em ultima instância, pelo contribuinte japonês, avalia o relatório.
Situação precária
O colapso na usina nuclear de Fukushima aconteceu logo após um terremoto de 9 graus na escala Richter, seguido de um tsunami com ondas de até 40 metros de altura. Mais de 20 mil pessoas morreram e milhares ficaram desabrigadas. “Das vítimas do tsunami e do terremoto, cerca de 3 mil ainda não foram acomodadas. Das 160 mil pessoas forçadas a deixar suas casas e outros milhares que o fizeram voluntariamente, cerca de 100 mil ainda não puderam retornar”, compara Haverkamp.
O relatório do Greenpeace conta histórias pessoais e detalha a burocracia enfrentada pelas vítimas para receber uma ajuda de custo mensal – a qual, conforme os depoimentos, é insuficiente. “As pessoas pensam que vão receber muito dinheiro quando uma coisa assim acontece, mas elas estão erradas”, declara uma senhora de 68 anos no relatório.
Para determinar o valor das compensações, a empresa estabeleceu três diferentes zonas em torno de Fukushima. Moradores de áreas que possam voltar a ser habitadas em menos de dois anos, receberão uma ajuda pelo período da interdição. Somente quem vivia em locais que levarão mais de cinco anos para apresentar níveis seguros de radiação, pode se candidatar a uma indenização vitalícia. No relatório, pequenos fazendeiros argumentam que, mesmo que possam retornar às suas propriedades em breve, não encontrarão consumidores dispostos a comprar seus produtos.
Alerta
“Em Fukushima aprendemos que a energia nuclear nunca é segura”, enfatiza o documento. Para Haverkamp, o mais importante é que o acidente nuclear no Japão tenha servido como o último alerta para a necessidade de energias limpas. Ele avalia que a pressão popular pelo fim do uso da energia nuclear é importante, e funciona como um sintoma dos argumentos que estão na mesa.
Contudo, o trabalho de governos na mudança das convenções de responsabilidade é prioritário. “Se isso voltar a acontecer, não queremos que as pessoas sofram tanto quanto sofreram as vitimas de Tchernobil, e como estão sofrendo as de Fukushima”, prevê.
Autora: Ivana Ebel
Revisão: Augusto Valente
Revisão: Augusto Valente
Matéria da Agência Deutsche Welle, DW, publicada pelo EcoDebate, 26/02/2013