Introdução
A água é um recurso natural essencial para a sustentação da vida e do meio ambiente. Ela desempenha papel importante no processo de desenvolvimento econômico e social de qualquer país, sendo um dos principais fatores limitantes para o crescimento e desenvolvimento econômico das civilizações (Biswas, 1997).
A água, ingrediente essencial à vida, certamente é o recurso mais precioso que a humanidade dispõe. Embora se observe pelo mundo afora tanta negligência e tanta falta de visão com relação a este recurso, é de se esperar que os seres humanos tenham pela água grande respeito, que procurem manter seus reservatórios naturais e que preserve sua pureza. De fato, o futuro da espécie humana e de muitas outras pode ficar comprometido, a menos que haja uma melhora significativa no gerenciamento dos recursos hídricos.
Entre os fatores que mais tem afetado esse recurso estão o crescimento populacional e a grande expansão dos setores produtivos, entre os quais a agricultura e a indústria. Essa situação, responsável pelo consumo e também pela poluição da água em escala exponencial, tem conduzido à necessidade de uma reformulação na concepção do seu gerenciamento, apresentando desafios às entidades de ensino, pesquisa e extensão, aos órgãos governamentais e não governamentais.
Por mais que seja de conhecimento geral que apenas 1% da água do planeta é de aproveitamento para consumo humano e de que este é um recurso fundamental para a existência e sobrevivência da raça humana, estamos longe de possuir um manejo adequado de nossas fontes de água doce.
Portanto, alcançar níveis que conduzam à sustentabilidade dos recursos hídricos constitui, atualmente, o maior desafio da humanidade, ao mesmo tempo em que favorece uma grande oportunidade para a revisão e implantação de políticas direcionadas para uma nova ordem mundial no tratamento desse bem vital para todos os seres vivos. A hora é agora! O Século XXI é decisivo, ou então sucumbiremos.
Cenário da Água no Mundo
O cenário mundial atual mostra que o uso da água é muito mais intenso do que há poucas décadas atrás. Atualmente, cerca de 70% destina-se à agricultura, 20% à indústria e 10% para o consumo humano. Esse uso intenso da água, principalmente na agricultura e na indústria, ocorre num ritmo mais acelerado que a reposição feita pelo seuciclo natural. Dessa forma, muitos mananciais estão sendo extintos em decorrência do uso indiscriminado e predatório, não só sob o aspecto quantitativo, mas também qualitativo. Pior, ao devolver a água para seu ciclo natural, ela vem contaminada pelos agrotóxicos da agricultura e pela química da indústria. A falta de saneamento ambiental, sobretudo em países pobres, colabora sensivelmente para a contaminação dos mananciais. Em consequência, hoje no planeta, segundo a ONU, 1, 2 bilhões de pessoas não tem acesso à água potável e 2, 5 bilhões não tem acesso ao saneamento. O impacto na saúde humana e no meio ambiente é uma tragédia. Portanto, a chamada “crise da água” é de quantidade e qualidade, não por razões naturais, mas pelo uso inadequado que o ser humano faz. Essa situação se agrava mais ainda quando a ambição, visando usos futuros privados da água, também a privatiza. A escassez produzida então passa a ser quantitativa, ou qualitativa, ou social, ou em todos esses níveis simultaneamente (PNUD, 2009).
Mesmo havendo água suficiente no Planeta para todos os seres vivos, é importante ressaltar que a sua distribuição é muito desigual. Os países com menores reservas hídricas sofrem mais, necessitando de estratégias especiais para gerenciar sua escassez. Na outra ponta, continentes inteiros, como é o caso da América Latina (AL), tem abundância de água doce.
Para exemplificar, o Peru é um país que está situado no parâmetro de “suficiente”. Sua disponibilidade per capta de água hoje é de aproximadamente 1.790 m³ por ano. Entretanto, a projeção é que no ano de 2025 sua disponibilidade caia para 980 m³ por pessoa por ano. Deixaria de estar na faixa de suficiente para a situação de estresse. Mesmo assim, apresenta uma disponibilidade de água muito superior a vários países. Já países como Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Argentina e Chile situam-se no parâmetro de países “ricos”, isto é, tem entre 10 mil a 100 mil m³/pessoa/ano. Já a Guiana Francesa, situa-se na faixa dos “muito ricos”, isto é, acima de 100 mil m³/pessoa/ano.
Para se ter uma idéia da disponibilidade de água na América Latina, basta analisar os dados da Tabela 1. Verifica-se que na AL as condições são muitas vezes mais confortáveis, mesmo em locais de baixíssima incidência de chuvas. Por exemplo, em Lima no Peru a chuva é muita rara; entretanto, as águas que descem dos Andes abastecem a capital do Peru. Para se ter uma dimensão da nossa disponibilidade hídrica (abundância) basta compararmos o volume de nossas águas com países onde realmente ela é escassa (Tabela 1).
Tabela 1. Disponibilidade de água (m³/hab./ano) em países com grande escassez.
País Disponibilidade m³/hab./ano Kuwait Praticamente nula Malta 40 Qatar 54 Gaza 59 Bahamas 75 Arábia Saudita 105 Líbia 111 Bahrein 185 Jordânia 185 Singapura 211
Cenário da Água no Brasil
O Brasil detém cerca 12% da reserva hídrica do Planeta, com disponibilidade de 182.633 m3/s, além de possuir os maiores recursos mundiais, tanto superficiais (Bacias hidrográficas do Amazonas e Paraná) quanto subterrâneos (Bacias Sedimentares do Paraná, Piauí, Maranhão). Todo esse potencial tem o reforço de chuvas abundantes em mais de 90 % do território, aliadas às formações geológicas que favoreceram a gênese de imensas reservas subterrâneas, como também possibilitaram a instalação de extensas redes de drenagem, gerando cursos d’água de grandes expressões. Todavia, esse potencial hídrico é distribuído de forma irregular pelo país. A Amazônia, por exemplo, onde estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 78% da água superficial. Enquanto isso, no Sudeste, essa relação se inverte: a maior concentração populacional do País tem disponível 6% do total da água.
As perspectivas de mudança e o surgimento de novos cenários dentro do ambiente agrícola se darão, necessariamente, em função das alterações do clima, as quais afetarão sensivelmente, não só a disponibilidade de água, mas a sobrevivência de diversas espécies, tanto animais quanto vegetais. Nos próximos anos, em que se espera perda de produção e de produtividade das lavouras e pastagens, haverá necessidade de esforços extras da ciência e da tecnologia para produzir alimentos. A escassez de água obrigará, necessariamente, a adoção de técnicas mais adequadasde irrigação,com o máximo de aproveitamento (eficiência) dos recursos hídricos.
Diante do exposto, deve-se considerar a importância do avanço tecnológico, principalmente nas áreas de biotecnologia e do melhoramento genético, aliadas aos aspectos de sustentabilidade ambiental, saúde pública e qualidade de vida. No ambiente agrícola, por exemplo, é imprescindível a adoção de técnicas e procedimentos que protejam o solo e a água, seja em relação aos processos erosivos, de contaminação e mesmo de perda excessiva de umidade por evaporação e evapotranspiração.
O atual estado de conhecimento técnico-científico já permite a adoção e implementação de técnicas direcionadas para o equilíbrio ambiental, reportadas e descritas em diversos trabalhos com fundamentos de caráter sustentável; porém, o desafio maior está em colocá-las em prática, uma vez que isso implica em mudança de comportamento e de atitude por parte do produtor rural, aliadas à necessidade de uma política de governo que valorize a adoção dessas medidas.
Considerações Finais
A água por ser um bem precioso, essencial aos seres vivos e reconhecidamente de valor econômico, necessita de um manejo racional a partir de um processo de gestão sustentável em todos os países, caso contrário, corre-se um sério risco de escassez, sem precedentes, de água de qualidade para a população mundial. Já é fato que cerca de 1 bilhão de pessoas ou cerca de 15% da população mundial passa sede ou não tem água de qualidade para consumo. Entre 2025 e 2050 a ONU prevê que esse número pode chegar a 5,5 bilhões, se a política atual e o nosso modo de viver continuar da mesma forma.
No Brasil a cultura predominante do desperdício de água se contrapõe aos programas e propostas de gestão sustentável dos recursos hídricos, apesar dos inúmeros apelos direcionados para este propósito. Assim, diante desse cenário e considerando as abordagens ao longo deste artigo, fica evidente que a questão da água, principalmente no Brasil, está diretamente relacionada e dependente de dois aspectos básicos – a cultura do desperdício embasada na falsa premissa de que temos água em abundância e a ausência de uma política rígida de governo, que discipline e controle, de forma mais enérgica, o consumo.
Referências
BISWAS, A.K. (ed.). Water Resources: Environmental Planning, Management and Development. New York, McGraw-Hill. 1997. 737p.
BORGHETTI, N. R. B.; BORGHETTI, J. R.; ROSA FILHO, E. F da. Aqüífero Guarani: a verdadeira integração dos países do Mercosul. Curitiba, 2004.
214p.
GOMES, M.A.F. A água nossa de cada dia. Revista Panorama Rural. Ano XI, n. 122 – abril 2009. p. 44 – 48.
REBOUÇAS, A. C. Água no Brasil: abundância, desperdício e escassez. BAHIA ANÁLISE & DADOS, Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 341-345, 2003.
Sites consultados
http://www.pnud.org.br – documento gerado : 27/11/2009 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD).
http://www.ecodebate.com.br/2008/07/18/25 (2,5 bilhões não têm acesso à saúde).
http://planetasustentavel.abril.com.br (O drama da água na escala global).
Marco Antonio Ferreira Gomes e Lauro Charlet Pereira, Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente. Rodovia SP 340, Km 127,5 Caixa Postal 69, Jaguariúna/SP. CEP. 13.820.000
EcoDebate, 04/06/2012