EcoDebate] Hans-Georg Gadamer, Martin Heidegger e seu preceptor Edmund Husserl criaram um modelo kantiano, ou coperniciano da colocação ou projeção da perspectiva. Neste sentido, a sua metodologia operava uma inflexão do ponto de vista, na medida em que o foco deveria ser desviado do que eles denominavam “dasein” e que pode ser traduzido como o ser no mundo, para o ser propriamente dito.
Além da sua relação com a fenomenologia, a influência destes filósofos foi igualmente importante para a hermenêutica que hoje transcende ao direito e impregna todas as áreas, particularmente o direito ambiental.
A austera introdução deste artigo poderia sofrer uma inflexão humana e até excêntrica para descaracterizar a lógica quase aristotélica do silogismo que se vai efetuar declarando que nem Gadamer, nem Heidegger e nem Edmundo Husserl pescaram ou se banharam no rio dos Sinos, na região metropolitana do estado do Rio Grande do Sul. Mas certamente teriam o mesmo prazer pueril e ancestral que buscamos quando a simples vista do rio dos Sinos nos desola.
É conhecida a influência da fenomenologia sobre a hermenêutica filosófica que hoje determina uma das principais correntes de interpretação dinâmica do direito. Particularmente sobre os direitos difusos e os direitos de terceira geração este quadro é mais notável.
O rio dos Sinos passa esquecido, romanticamente despejando suas águas no estuário do Guaíba até que situações limite ou pequenas grandes catástrofes coloquem o curso de água principal da bacia hidrográfica do rio dos Sinos no epicentro da sociedade midiática tão bem descrita por Marshall McLuhan.
Situações limite, como se um atirador de facas errasse o alvo e acertasse uma pessoa entre as maçãs detonam processos sociais, políticos e econômicos incontroláveis. E não precisava ser assim, bastaria uma atitude sistêmica, contínua e simples para que a qualidade ambiental do Rio dos Sinos fosse mantida.
Interpretações de leis em Portarias complexas, limitam a implantação de empreendimentos, ações relevantes induzem prefeituras a passarem a se preocupar sistemicamente com saneamento básico em todas as dimensões que a lei 11.445 estabelece e uma quantidade indescritível de eventos que não precisam descrição ocorrem.
As grandes mortandades de peixes parecem estar vinculadas a problemas de baixa quantidade de oxigênio dissolvido nas águas do rio dos Sinos e para consertar esta situação, é lícito citar que as grandes prefeituras da região, desenvolvem ações importantes de saneamento básico, particularmente na área de tratamento de esgotos, em um quadro que irá reverter brevemente a situação do rio.
A maior parte dos empreendimentos industriais conta hoje com modernas e eficientes estações de tratamento de efluentes e em geral não ocorrem mais despejos indevidos no rio dos Sinos.
Mas ainda é válida a fenomenologia incidental. Porque não existe um sistema de normas que possa coibir e banir estas práticas. O simples monitoramento do rio irá trazer grandes subsídios para limitar estas práticas eventuais e nefastas, mas ainda não será suficiente para excluir estes procedimentos.
A fenomenologia incidental descreve que uma ocorrência de ilícito quando não flagrada ou não caracterizada não se transforma em fato jurídico. Disto ainda tiram proveito organizações públicas ou privadas, que não representam a maior parte dos empreendedores, mas existem.
Não é possível que a sociedade tenha tolerância com este tipo de situação. É necessário partir para um controle e monitoramento “on line” de todas as situações antes que despejos indevidos cheguem ao rio dos Sinos. Não adianta apenas monitorar, saber quando ocorre e sair como um farejador em uma caçada buscando culpados midiáticos quando os fenômenos ocorrem.
É preciso visão sistêmica, investimentos e a mais pura aplicação dos princípios de prevenção e precaução para dotar o rio dos Sinos de vida estável e as populações circundantes e integrantes da bacia hidrográfica, de qualidade ambiental permanente e sem situações limites que possam ou não inspirar sociedades midiáticas.
Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 31/05/2012