Emissora foi condenada porque, em julho de 2010, José Luiz Datena relacionou crime bárbaro a ateísmo; a liberdade de expressão não se sobrepõe à liberdade de crença
A liberdade de expressão, garantida pela Constituição Federal, não pode se sobrepor a direitos fundamentais como a liberdade de crença e de convicção. Todos têm o direito de ter uma crença religiosa ou de adotar o ateísmo, e a liberdade de manifestação de pensamento, sob o ponto de vista da comunicação social, não pode promover a ofensa a esse direito. Esse é o entendimento da Justiça Federal de São Paulo, que condenou a TV Bandeirantes a prestar esclarecimentos à população sobre a diversidade religiosa e a liberdade de consciência e de crença no Brasil. Em julho de 2010, no programa Brasil Urgente, o apresentador José Luiz Datena relacionou um crime bárbaro à “ausência de Deus”. “Um sujeito que é ateu não tem limites, e é por isso que a gente vê esses crimes aí”, afirmou.
Durante reportagem sobre o fuzilamento de um garoto, Datena e o repórter Márcio Campos fizeram comentários preconceituosos sobre os ateus. Por cinquenta minutos, os dois relacionaram crimes às pessoas que não acreditavam em Deus. “Esse é o garoto que foi fuzilado. Então, Márcio Campos, é inadmissível; você também que é muito católico, não é possível, isso é ausência de Deus, porque nada justifica um crime como esse, não Márcio?”.
A condenação é resultante de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em São Paulo em dezembro de 2010. O autor da ação é o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias. Ao veicular as declarações preconceituosas contra pessoas que não compartilham o mesmo modo de pensar do apresentador, a TV Bandeirantes ignorou a função social do serviço público de telecomunicações, bem como sua finalidade educativa e informativa no que diz respeito aos valores éticos e sociais das pessoas. Para o procurador, a emissora prestou um desserviço para a comunicação social, uma vez que se portou de forma a encorajar a atuação de grupos radicais de perseguição a minorias, podendo, inclusive, aumentar a intolerância e a violência contra os ateus.
Em todo o tempo em que a matéria ficou no ar, o apresentador associava aos ateus a ideia de que só quem não acreditava em Deus poderia ser capaz de cometer tais crimes. “…porque o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí.” Além disso, o apresentador atribuía os males do mundo aos descrentes. “É por isso que o mundo está essa porcaria. Guerra, peste, fome e tudo mais, entendeu? São os caras do mau. Se bem que tem ateu que não é do mau, mas, é …, o sujeito que não respeita os limites de Deus, é porque, não sei, não respeita limite nenhum.”
Condenação – A TV Bandeirantes terá que exibir em rede nacional, durante o programa Brasil Urgente, quadros veiculando esclarecimentos à população sobre a diversidade religiosa e a liberdade de consciência e de crença no Brasil, com duração idêntica ao do tempo utilizado para a exibição das informações equivocadas. Em caso de descumprimento da determinação judicial, a emissora terá que pagar multa diária de R$ 10 mil.
A União, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, também foi condenada a fiscalizar adequadamente o Brasil Urgente e a exibição dos esclarecimentos a serem prestados à sociedade pela emissora.
O procurador da República ressaltou que todos têm direito a receber informações verídicas, não importando raça, credo ou convicção político-filosófica, tendo em vista que grande parte da sociedade forma suas convicções com base nas informações veiculadas em programas de rádio e televisão. “Evidentemente, houve atitudes extremamente preconceituosas, uma vez que as declarações do apresentador e do repórter ofenderam a honra e a imagem das pessoas ateias. O apresentador e o repórter ironizaram, inferiorizaram, imputaram crimes, ‘responsabilizaram’ os ateus por todas as ‘desgraças do mundo’”, afirmou o procurador.
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Informe da Procuradoria da República no Estado de S. Paulo, publicado pelo EcoDebate, 01/02/2013