O uso intensivo de agrotóxicos no Brasil tem sido pauta de eventos na Fiocruz. Com a proximidade da Rio+20, o tema ganha novo fôlego. Em seminário realizado na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) nos dias 4 e 5 de junho, representantes de várias instituições discutiram o enfrentamento dos impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no ambiente como forma de comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6). No discurso dos participantes, a certeza de que as substâncias não só contaminam o ar, o solo, a água, os alimentos, como provocam efeitos danosos ao ambiente e à saúde humana; e também muita preocupação em relação à importância que o agronegócio adquiriu na economia e nas finanças do país.
O evento, que antecedeu a conferência Rio+20, contou com a participação de nove instituições, que destacaram a necessidade de reunir esforços para a luta contra as consequências químicas, políticas e econômicas envolvidas na utilização da substância. Um dos participantes foi o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, que recordou a aula inaugural da Ensp de 2012, quando o presidente Paulo Gadelha assinou portaria criando grupo de trabalho para implementação de políticas institucionais de enfrentamento dos impactos dos agrotóxicos sobre a saúde. Em entrevista ao Informe Ensp, Rangel falou sobre o agronegócio e os problemas mais agudos do uso de agrotóxicos do ponto de vista da saúde pública.
Como está a discussão sobre o uso de agrotóxico, hoje, no Brasil?
Valcler Rangel:A discussão acerca do controle do uso e do conhecimento dos impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente se coloca como questão essencial para a qualidade da atenção à saúde no país. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, consome mais do que os Estados Unidos, que é o segundo país em consumo de agrotóxicos. É necessário promover ações que efetivem o controle desses impactos sobre a saúde humana, no que se refere às intoxicações agudas, mas também aos efeitos crônicos dos agrotóxicos, ainda pouco conhecidos do ponto de vista das pesquisas realizadas. Se utilizássemos critérios de observação de legislações internacionais, de pesquisas realizadas em outros países e, fundamentalmente, pela boa utilização do princípio da precaução, o uso de muitos agrotóxicos deveria ser proibido no país.
Essa discussão, que é a discussão da saúde, enfrenta uma lógica externa à saúde, que é a lógica do campo econômico. O discurso leva a crer que o Brasil não conseguiria produzir alimentos sem agrotóxicos. No entanto, sabemos que existem tecnologias que a agricultura familiar desenvolveu, muitos casos para os quais já há alternativas de produção sem agrotóxicos, só que elas não são fomentadas. E tem uma razão para isso: o uso do agrotóxico movimenta um negócio de bilhões de reais. O agronegócio se configura como produção agrícola e utilização de agrotóxicos, de químicas, dois aspectos completamente imbricados. Eu diria que essa é a principal questão que precisa ser discutida atualmente.
Quais são os problemas mais agudos do uso de agrotóxicos do ponto de vista da saúde?
Rangel:Do ponto de vista do setor saúde, temos um conjunto de problemas que se referem à necessidade de termos melhores informações, baseadas em notificações, em informações geradas por pesquisas de campo. Necessitamos de uma área de assistência que esteja atenta aos efeitos dos agrotóxicos. Nós, médicos e profissionais de saúde, acabamos não sendo bem formados para atender a esse conjunto de agravos resultantes da contaminação química, por agrotóxicos em especial. Ao mesmo tempo, o sistema de saúde como um todo não está preparado para atender a essa demanda. É preciso que haja um enfrentamento econômico, um enfrentamento das deficiências do SUS acerca dessa questão. Também é necessário que se combine essa assistência com um sistema de vigilância em saúde e um sistema de vigilância ambiental que deem conta, no mínimo, de explicar o que está acontecendo no país com relação ao uso de agrotóxicos e seus impactos. Ou seja, temos um quadro complexo: é necessário estrutura laboratorial para essa tarefa, tanto de laboratórios de toxicologia quanto de laboratórios de análises ambientais, associada a uma estrutura assistencial que dê conta do problema. Tudo isso precisa estar relacionado a um sistema geral de vigilância sobre agrotóxicos, no qual estão envolvidas a Anvisa e outras instituições, mas um sistema que controle seu uso, porque o uso, hoje, é indiscriminado.
Podemos dizer que o agrotóxico não é controlado e isso atinge toda a população brasileira. E vai ser difícil encontrar um brasileiro hoje que, ao fazer um exame de sangue, não encontre algum resíduo de agrotóxico em sua corrente sanguínea. Outra questão importante se relaciona aos impactos da aplicação do agrotóxico na saúde do trabalhador agrícola. É preciso analisar seu uso indiscriminado, a falta de assistência ao trabalhador, a entrada quase constante de novos produtos no mercado e a insuficiência ou quase falta de orientação para uso do produto. O trabalhador acaba sofrendo os efeitos do uso indiscriminado e, no final, ele é o culpado por ser intoxicado, porque não usa o equipamento de proteção adequado – o que é um absurdo. O equipamento de proteção é uma das faces do processo de promoção da saúde e de proteção do trabalhador. Ele não é o único elemento, ele é o elemento mais periférico dessa história, até porque, muitas vezes, esse equipamento de proteção não facilita seu uso, pelos incômodos que causa. A culpabilização é a forma de abordar a questão pelo caminho mais simples. Nós estamos lidando com um problema multifacetado, multidimensional, então ele precisa ter uma abordagem que atinja as várias dimensões, as várias faces.
Como a Fiocruz trabalha a interface saúde e ambiente para a Rio+20?
Rangel:A Fiocruz está fazendo um esforço de longa data tratando dos problemas que estão na interface saúde e ambiente. Grupos de pesquisa foram criados, mestrados e doutorados foram instalados, cursos de especialização foram criados, pesquisas vêm sendo realizadas, cooperações com outras instituições também, principalmente com o Ministério da Saúde. Quando participamos da Rio 92 a questão da saúde estava presente na pauta, nos documentos iniciais; era uma questão dada. Estava-se falando de sustentabilidade do planeta e a saúde estava dentro dessa sustentabilidade. Com o deslocamento da Rio+20 da perspectiva ambiental para o âmbito do desenvolvimento sustentável, centrada numa lógica de economia verde, a saúde foi alçada a um plano absolutamente irrelevante e fez com que os documentos iniciais preparatórios simplesmente não tivessem a saúde como ponto. Ela foi diluída.
Como a Rio+20 se pauta por documentos, nesse documento a saúde não estava destacada. Fizemos todo um movimento junto com o Ministério da Saúde, o Ministério das Relações Exteriores, a Opas e a OMS para que isso fosse para a pauta. Conseguimos que isso fosse tratado no documento e passasse a fazer parte do processo de formulação, só que todos sabem que esse documento não foi fechado até hoje. Os negociadores da Rio+20 ainda não fecharam as posições a serem levadas para os chefes de Estado. Então não sabemos ainda qual será o resultado. Existe uma possibilidade de o assunto aparecer, mas existe a chance de não estar contemplado. O esforço foi feito. Fomos bem sucedidos nesse esforço, mas não sabemos como vai ser o resultado.
Como a Fiocruz vai participar da Rio+20?
Rangel:A Fiocruz será representada pelo presidente da instituição, Paulo Gadelha, e pelo coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde, Paulo Buss, na delegação do governo brasileiro na Rio+20. Por outro lado, teremos na Cúpula dos Povos uma participação mais intensa, com a Tenda da Saúde, que está sendo organizada pelo Cebes e pela Abrasco. Como fazemos parte dessas instituições, estaremos lá promovendo debates, encontros, diálogos, rodas de conversa etc. A Cúpula dos Povos está aberta à participação de todos.
Temos que destacar a importância do site www.sauderio20.fiocruz.br como uma ferramenta de diálogo nessa história porque consideramos que agora o mais importante é o pós-Rio+20. O objetivo é manter a chama acesa da discussão.
Informe Ensp / Agência Fiocruz de Notícias, publicado pelo EcoDebate, 12/06/2012