[EcoDebate] A população da China era de 551 milhões de habitantes em 1950, enquanto a população de todo o continente africano era de 230 milhões de habitantes. Ou seja, a China tinha uma população 2,4 vezes maior do que a da África, segundo a divisão de população da ONU. No início do governo comunista que chegou ao poder em 1949, a fecundidade começou a cair ligeiramente, mas durante a Revolução Cultural (quando houve desorganização de toda a economia e, em especial do setor de saúde) a fecundidade voltou a subir. Em 1970 a população da China era de 815 milhões e a da África de 368 milhões, portanto, ainda havia 2,2 chineses para cada africano.
Mas esta relação começou a mudar rapidamente já nos anos de 1970. Na África, a mortalidade infantil caiu de 180 por mil em 1950-55 para 79 por mil em 2005-10, enquanto as taxas de fecundidade cairam apenas de 6,6 filhos para 6,1 filhos por mulher entre 1950 e 1990. O resultado é que o ritmo de crescimento populacional africano se acelerou de 2,1% ao ano no quinquênio 1950-55, para 2,8% ao ano em 1980-85 e 2,3% ao ano em 2005-10.
Já na China, no iníco dos anos 70 – ainda na época de Mao Tsé-Tung – o governo adotou uma política para incentivar a a redução do número de nascimentos por meio de três objetivos: a) uma fecundidade menor, b) retardar o nascimento do primeiro filho e c) aumentar o espaçamento entre os nascimentos (fewer, later, longer). Mas a política de controle da natalidade mais draconia já adotada no mundo começou em 1979, determinando que cada casal só poderia ter um filho (política de filho único). O resultado é que a população continuou crescendo apenas porque a estrutura etária era jovem (crescimento pela inércia demográfica), mas o ritmo de incremento tem se desacelerado rapidamente e a população deve começar a diminuir antes de 2030.
Devido às diferenças nas taxas de fecundidade, o ritmo de crescimento demográfico será completamente diferente entre a África e a China no século XXI. Em 2025, a população da África com 1,42 bilhão de habitantes será maior do que a população da China com 1,39 bilhão de habitantes. Segundo a projeção média da ONU, a população da China vai cair para 941 milhões de habitantes em 2100 e a população da África deve alcançar 3,57 bilhões de habitantes. Portanto, o continente africano terá uma população quase 4 vezes maior do que a da China, no final do século XXI (isto supondo que a fecundidade cai na África).
A pressão ambiental vai ser muito grande. A China, mesmo com a população em declínio deve apresentar muito crescimento econômico com grande aumento do consumo. Na África, a combinação de crescimento econômico com crescimento desigual do consumo pode provocar uma situação de agravamento da pobreza social e ambiental. Portanto, mesmo com enormes diferenças do ritmo de crescimento populacional os desafios serão enormes para ambos.
Estas diferenças na dinâmica demográfica são reflexo das diferenças no padrão reprodutivo. Enquanto a China tem uma política autoritária e rígida de controle da natalidade, a maior parte da África (com exceção do Norte da África e a África do Sul) possuem uma carência muito grande de serviços de saúde reprodutiva e de acesso aos métodos contraceptivos. Ou seja, um tem acesso forçado e o outro tem falta de acesso.
Na China, o ativista cego Chen Guangcheng escapou de sete anos de prisão e de maus-tratos por defender as mulheres forçadas a realizar abortos e esterilizações impostas pelo governo comunista de partido único. Na ideologia do partido, a política de filho único é uma forma de combater as posturas colonialistas e imperialistas das potências ocidentais.
Mas na prática, a China desrespeita os direitos reprodutivos e está tendo de lidar com um grande desequilíbrio na razão de sexo, pois como a população tem preferência por filhos do sexo masculino, exite muito fetocídio feminino (e femicídio), tendo como resultado um superávit de 52 milhões de homens a mais do que mulheres. Na idade de casar, o excesso de homens (ou a falta de mulheres) torna inviável todos encontrarem uma parceira para casamento. Não é raro homens comprarem ou sequestrarem uma esposa, reforçando as desigualdades de gênero no país.
Já na África, a situação é oposta, pois existe carência de serviços de saúde sexual e reprodutiva e falta de acesso aos métodos contraceptivos. Também falta autonomia para as mulheres que, em geral, são vítimas de forças conservadoras e do fundamentalismo religioso que defendem posições pro-natalistas para continuar perpetrando os privilégios do patriarcalismo. Evidentemente, o alto crescimento populacional, as famílias numerosas e a falta de direitos humanos em geral e, em especial, para as mulheres dificultam a luta pela erradicação da pobreza e a favor de um desenvolvimento humano e sustentável.
No mundo existem 215 milhões de mulheres sem acesso aos meios de regulação da fecundidade, a maioria na África Sub-Saariana, segundo a Organização Mundial de Saúde. A China tem excesso de intervenção e a África tem falta de participacão do Estado na oferta de serviços de saúde reprodutiva universal. Ambos estão desrespeitando os acordos internacionais que tratam dos direitos sexuais e reprodutivos. A China precisa colocar um fim à política do filho único e dar liberdade de escolha para a população, especialmente porque não existe qualquer perigo de exploção demográfica, já que a população da China vai diminuir de tamanho ao longo do século XXI. Já a África precisa oferecer serviços universais de saúde reprodutiva para que as taxas de fecundidade continuem caindo e a região possa colher os frutos do bônus demográfico para ajudar na redução da pobreza.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 13/07/2012