A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados discutiu ontem (11) o uso excessivo de remédios por crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizado ou de comportamento na escola. A reunião marcou o início da campanha Não à Medicalização da Vida, encabeçada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.
De acordo com a conselheira do CFP, Marilene Proença, medicalização é todo tratamento de processos ou comportamentos sociais e culturais em crianças, adolescentes ou adultos com quadro de patologia psiquiátrica. Neste caso, o debate foi sobre o tratamento de distúrbios relacionados à educação – como dislexia, déficit de atenção e hiperatividade.
“Existe uma métrica social que considera sentimentos e comportamentos legítimos como sintomas patológicos. Muitas vezes, esses casos são tratados com os chamados tarja preta, que têm sérias sequelas”, explicou Marilene.
Para a conselheira, há muito alarde em relação a drogas ilícitas, mas pouco em relação às licitas. Foram apresentados dados à comissão que, em 2000, eram consumidas 70 mil caixas de medicamentos para o tratamento de distúrbios relacionados à aprendizagem. Em 2010, o número cresceu para 2 milhões, o que faz do Brasil o segundo maior consumidor desse tipo de remédio, apenas atrás dos Estados Unidos.
“Em vez de melhorarem a qualidade da escola, estão criando instâncias de diagnóstico para crianças que têm dificuldade de aprendizado. Não podemos passar às crianças responsabilidades políticas, sociais e culturais da sociedade em geral”, disse a conselheira do CFP.
Segundo a professora do Departamento de Pediatria da Universidade de Campinas (Unicamp), Maria Aparecida Moisés, substâncias que vêm sendo usadas como “amplificadores cognitivos” – como o metilfenidato (nome comercial: Ritalina) e o clonazepam (nome comercial: Rivotril) – não são drogas seguras.
“São psicotrópicos e tranquilizantes que podem provocar morte súbita e inexplicada até sete vezes mais do que em crianças e adolescentes que não os tomam”, alertou Maria Aparecida.
Para ela, em vez de se discutir a vida e os valores da sociedade, há uma inversão que faz com que todos acreditem que têm transtornos a serem tratados.
“Precisamos adotar uma política educacional que assuma o princípio fundamental de que todos podem e têm o direito de aprender. Um professor é capaz de ensinar toda pessoa a quem se propuser. A medicina fala de impossibilidades. A escola fala de possibilidades. E a escola foi invadida por profissionais de outras áreas, como neuropsicólogos, fonoaudiólogos, psicólogos e psiquiatras. Isso não é escola, mas uma invasão do mercado de trabalho”, disse a professora da Unicamp.
O médico psiquiatra José Miguel Neto, pai de uma criança de 10 anos com problemas de aprendizado, explicou ser a favor do uso de medicamentos, quando indicado.
“Claro que a criança é medicada de acordo com critérios que diagnosticam o problema. O tratamento é multidisciplinar, requer o exame de profissionais de diversas áreas. Não posso entender que os remédios são um diabo que tem de ser exorcizado. Minha filha foi diagnosticada adequadamente, usou a medicação e hoje não usa mais. Só recebe acompanhamento”, explicou o médico.
Para o consultor da Saúde da Criança e do Adolescente do Ministério da Saúde, Ricardo César Carafa, o primeiro passo a ser dado para combater a medicalização é reconhecer que o problema existe e conhecê-lo a fundo.
“Devemos divulgar a medicalização para a sociedade, debater e discutir. Não podemos simplesmente tapar o sol com a peneira, fingir que não existe e que não nos afeta. É necessário trabalhar amplamente com os profissionais de saúde e educação que atendem às crianças para que se adquira o conhecimento necessário”, disse Carafa.
Reportagem de Carolina Sarres, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 12/07/2012