Em carta, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denuncia o retrocesso na regulamentação do decreto que estabelece o cadastramento dos atingidos por barragens. O Governo cedeu às pressões das corporações transnacionais do setor elétrico e regulamentou um texto que desrespeita os direitos dos atingidos
Leia o posicionamento do MAB e entenda o que está em jogo:
A Portaria Interministerial nº 340 de 1º de junho de 2012, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 4 de junho, com a função de regulamentar decreto nº 7.342, de 26 de outubro de 2010, assinado pelo ex presidente Lula, é um retrocesso. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), essa medida significa anular o decreto e mais uma vez desrespeitar os direitos mínimos das populações atingidas por barragens.
O decreto, que estabelecia o mero direito dos atingidos por barragens de serem cadastrados, significava uma conquista. Porém, o Governo Federal, através do Ministério de Minas e Energia, cedeu às pressões das corporações transnacionais do setor elétrico e regulamentou um texto que, para os atingidos por barragens, representa na prática invalidar o decreto e mais uma vez não tratar de forma séria, com políticas de estado às populações atingidas, repetindo os erros dos últimos 30 anos do setor elétrico.
De acordo com a Portaria Interministerial, o cadastro dos atingidos vai ser terceirizado às empresas privadas, transformado em mais um negócio. As empresas que farão o cadastro são as mesmas que são donas de barragens. Ou seja, o cadastro será feito sem nenhuma idoneidade. O MAB defendia que o cadastro fosse feito pelo Estado, como o próprio decreto estabelecia, como maneira de evitar distorções, uma vez que as empresas, na lógica do lucro, têm interesses contrários à garantia dos direitos dos atingidos.
Além disso, a regulamentação alterou o prazo de elaboração do cadastro. O cadastramento deverá ser feito ”preferencialmente antes da concessão da licença prévia”, mas pode ser feito durante a construção ou, até mesmo, momentos antes de fechar o lago da usina. Isso significa reproduzir o que já vem sendo feito pelas empresas do setor elétrico, ou seja: termina-se a construção da barragem, e não se sabe quantas pessoas e famílias são atingidas, como mostram os casos recentes das usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, ou de Estreito, em Tocantins.
O decreto é uma lei conquistada em 30 anos de luta e garantia o direito dos atingidos serem cadastrados quando as barragens forem construídas. É evidente que o cadastro não significa automaticamente ter direito a reparações. Porém com na regulamentação, o Governo impôs que o cadastro “não gera direitos e nem obrigações“. Para o MAB, estes argumentos não precisariam ser explícitos, já que o contrário também não consta. Ao afirmar isso, fica clara a intenção prévia de negar e não reconhecer os direitos dos atingidos.
Além disso, os atingidos terão que comprovar sua condição. Para serem cadastrados, terão que provar, através de um conjunto de documentos, que são atingidos por uma suposta futura hidrelétrica. Para o MAB, isso é absurdo. Como provar que são atingidos se a hidrelétrica ainda não foi construída, e se a população atingida sequer sabe onde vai chegar a água do futuro lago? O cadastro não tem este objetivo de provar se somos ou não atingidos, até porque isso não é possível na fase inicial da obra. Se fossem respeitados os termos do decreto, o cadastro seria um registro público, com o objetivo de fazer o levantamento da população.
Outro aspecto criticado pelo MAB é que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) será o órgão responsável por dizer qual a responsabilidade da concessionária frente ao cadastro. Para o Movimento, a ANEEL não é uma agência neutra e nem meramente técnica e, historicamente, tem atuado para atender aos interesses das empresas privadas.
Da aprovação do decreto outubro de 2010 à divulgação da portaria que regulamenta o mesmo, passaram-se um ano e oito meses, Durante este tempo, o MAB havia manifestado inúmeras vezes publicamente a preocupação com a possível armadilha que estava sendo criada, para novamente atender somente os interesses das empresas privadas do setor elétrico. O Movimento, inclusive, havia registrado por escrito os riscos e os artifícios que o Ministério de Minas e Energia planejava para destruir o decreto presidencial criado pelo então presidente Lula, que garantia o direito das populações atingidas serem cadastradas antes da construção de uma barragem.
Para a Coordenação Nacional do MAB, este é mais um golpe das empresas privadas do setor elétrico, com o consentimento do Estado e do Governo, através dos ministros de Minas e Energia, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Desenvolvimento Agrário e da Pesca e Aquicultura, que assinam a portaria interministerial. Isso demonstra que o Governo, mais uma vez, atende à pauta das empresas. Dessa forma, a dívida histórica do Estado brasileiro com as populações atingidas continua sendo acumulada e os direitos dos atingidos continuam sendo sistematicamente violados.
Coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
São Paulo, julho de 2012
EcoDebate, 16/07/2012