Texto assinado por Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia e vice-presidente da SBPC, e por Vera Silva, conselheira do Museu da Amazônia foi encaminhado ao governador do Amazonas e aos ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Meio Ambiente e da Saúde. Confira a íntegra da carta abaixo.
Exmo Sr Omar Aziz
Governador do Estado do Amazonas
Governador do Estado do Amazonas
Manaus 2 de julho de 2012
Temos notícia que através de resolução 011-2012 da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável está sendo autorizado, sob condições restritivas, o uso do mercúrio nos garimpos de ouro.
Alega-se em defesa da regulamentação que a manipulação do mercúrio não poderá ocorrer com perdas de substância para o meio ambiente ou de inalação de gases pelos garimpeiros. Promete-se, na resolução, uma fiscalização severa.
Desejamos alertá-lo, Sr. Governador, que o mercúrio é considerado metal extremamente tóxico – fato que não é mencionado na resolução 011 – seu uso tem sido reduzido na maioria dos países e, em muitos, a restrição é total. A Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Trabalho determinaram índices de tolerância para sua presença nos organismos humanos e severas normas que limitam o seu uso e manipulação.
O mercúrio tem a particular propriedade de se acumular nos organismos dos peixes e das pessoas que o ingerem e sem a capacidade fisiológica de eliminá-lo as taxas de concentração no organismo se elevam velozmente.
Pesquisas realizadas nos últimos cinquenta anos, particularmente após o grave acidente de Minamata ocorrido no Japão em 1956, demonstram que a tolerância à ingestão de mercúrio é de 0,0005g/kg. A partir desse limite podem ocorrer sérios distúrbios neurológicos, perda de acuidade visual, malformação de fetos e demência.
Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isto não pode custar a liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente, que já ocorre em quantidades acima do tolerável e poderá ocorrer em volume muito maior. O preço para a saúde do povo amazonense é muito alto.
As garantias de rigoroso controle expressam a melhor das intenções, mas é difícil convencer-se que de fato serão eficazmente implementadas. Nossas dúvidas e incertezas sobre os teores tóxicos de mercúrio já presentes nos peixes amazônicos aumentarão com a aprovação da mencionada resolução normativa.
Condena-se toda a população da Amazônia a sofrer em sua saúde as consequências do interesse econômico de uma parte dela. Os garimpeiros têm todo o direito de exercer sua profissão e dela extrair sua renda, mas esta não pode ser exercida às custas de danos irreversíveis à saúde de todos, inclusive dos próprios garimpeiros.
Trata-se da quebra de um compromisso ético fundamental, que o Estado deve defender e praticar: não se pode causar mal a todos para atender a interesses de alguns, mesmo que isso ocorra com o objetivo de implementar políticas publicas voltadas à regulação e controle de atividades ilegais.
Afinal não é dado a cada cidadão o direito de escolha se quer ou não se intoxicar com mercúrio. Ao ensejar a contaminação de alimentos que não são diariamente controlados ele é obrigado a ingerí-los sem opção de recusá-los. Por outro lado, a opção de não mais consumir peixe prejudicará o sistema de segurança alimentar do Estado e a comunidade dos pescadores.
É nosso dever cívico informá-lo do grave equívoco que está sendo cometido por sua administração, ele poderá favorecer a ocorrência de desastres ambientais com danos à saúde da população de grandes proporções como os que ocorreram em 1988 em Goiânia com o Césio radioativo ou em Minamata com o próprio mercúrio.
Temos notícias, Sr Governador, que existem métodos de separação do ouro nos garimpos que não precisam utilizar o mercúrio. Tecnologias limpas que fazem uso do cianeto, experimentadas com sucesso nos últimos anos em garimpos do alto Tapajós. Essas tecnologias se encontram disponíveis, podem ser aperfeiçoadas e já estão adaptadas às condições amazônicas.
Colocamo-nos a seu dispor para apresentar estas alternativas se assim considerar útil ou se sua assessoria persistir em desconhecê-las.
Certos de que contaremos com sua atenção e que medidas reparatórias serão estudadas e implementadas para evitar danos maiores à economia e à saúde da população do Amazonas e estados vizinhos,
Subscrevemos atentamente
Ennio Candotti
Diretor do Museu da Amazônia
Diretor do Museu da Amazônia
Vera Silva
Conselheira do Museu da Amazônia
Conselheira do Museu da Amazônia
Carta no Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4532, publicada pelo EcoDebate, 05/07/2012