Em 2010, quando iniciamos a produção do documentário sobre o território do extremo sul da Bahia, intitulado “Impressões Nativas do Descobrimento” para o projeto 26 DOC´s da TVE-Bahia, sabíamos o que queríamos fazer: ouvir, entender, ampliar as vozes das comunidades tradicionais de índios, pescadores e pequenos agricultores do extremo sul da Bahia. O que eu, pessoalmente, não poderia imaginar, era que eu faria uma singela, e grande descoberta, e que me emocionaria muito.Partimos em busca de Zabelê, que já havíamos determinado, seria o personagem principal do filme. Tratava-se da mais velha índia Pataxó, e a última testemunha do grande massacre de 1951, quando ainda pequena, presenciou a tortura e assassinato de seus pais. Estávamos diante de uma síntese brasileira: fé, amor no coração, caminhos errantes, injustiça que não se acaba…
Diante de uma história de luta incrível, eu imaginava encontrar uma pessoa arredia, amarga eendurecida, mas encontrei Zabelê, anciã nativa, mulher frágil e delicada, de grande ternura nos olhos, e uma encantadora simplicidade. De imediato, fiquei sensibilizado com a sua presença, e à partir daí, iniciamos a gravação-vivência de um testemunho impressionante, que trás à consciência, as grandes injustiças cometidas contra os índios nativos da terra do descobrimento-achamento do Brasil.
E ontem à tarde, aos 79 anos, seu coração parou de bater, e estranhamente, perdemos algo muito importante, que nem conhecemos direito, algo que deixamos de resgatar, de justificar e satisfazer. Não compreendo como uma personalidade com uma biografia de lutas como Zabelê, pode passar anônima, sem ser percebida pela grande mídia, pela grane nação que a abandonou.
Nossa mãezinha, e filhinha do Brasil, trazia em si, uma síntese de nossa culturalidade, e de nossas mazelas nacionais. Ela partiu sem ver o seu sonho realizado, as suas terras demarcadas. Chora povo Pataxó, mas não percas a esperança de que os verdadeiros brasileiros ainda hão de te dar as mãos, como assim clamou Zabelê. Não esqueçais jamais de continuar em busca da justiça, e do amparo. Ficarão na nossa memória de produtores cinematograficos, as últimas imagens de Zabelê, registradas em 15 de agosto de 2010 na procissão de Nossa Senhora da Ajuda, onde a índia, crente do Deus Tupã, delicadamente vestida como os brancos, se misturava ao povo, em louvores e fé.
A história viva partiu, sem que pudéssemos devolver a Zabelê toda a honra que ela mereceu, como missionária verdadeira de seu povo, e do Brasil justo. Temos certeza que sua lembrança os ajudará os índios Pataxós, a elevar o seu nome como bastião da luta de seu povo, e de todas as comunidades tradicionais brasileiras, vitimadas pela especulação das terras e do capital.
“Ela sempre brigou para nós usarmos o tupsai e mostrarmos nossa cultura, e não termos vergonha de ser índios”, afirmou a filha de Zabelê em entrevista há alguns anos.
Descanse em paz, mãezinha querida do Brasil!
Texto do Jornalista Paulo Paiva, enviado pelo Autor e originalmente publicado em seu blogue pessoal.
EcoDebate, 06/07/2012